domingo, 20 de novembro de 2011

Introdução (continuação)

"Se o réu, com as suas lições literárias, foi o primeiro a prepará-lo para a eloquência", e se fez dele "um perfeito orador"(5), permitindo-lhe socorrer a muitos réus, então Archia merecia ser defendido pelo seu aluno. Este será o raciocínio silogístico do Exórdio. O seu talento (ingenium), a prática oratória (exercitatio dicendi) e os seus conhecimentos teóricos (ratio), dotes que considerava indispensáveis a um bom orador, ter-lhe-iam sido acrescentados por "este Archia", que muitas vezes viu "dizer de improviso, sem escrever uma só letra, grande número de magníficos versos sobre os próprios factos que então ocorriam"(6)
É visível antecipadamente que Cícero se declara "discípulo de um poeta"(7) e como isso é motivo de orgulho para si próprio. Se atentarmos que a este julgamento estariam presentes "as mais ilustres famílias romanas referidas no discurso",(8)então ainda mais reforçamos a tese de que, para além da defesa da cidadania de Archia, Cícero pretendia fazer chegar a esse público, "fina-flor das letras desse tempo",(8)uma mensagem mais profunda. Que era a sua. Esta seria a necessidade de se considerar a importância da poesia e o culto das letras.
Quer seja no Exórdio, na Narração, na Confirmação, na Extra Causa, ou na Peroração, estão sempre múltiplas ideias: o cultivo do espírito, a instrução, como "cultivo da virtude",(9) e o papel que a poesia desempenha nesses "estudos humanísticos e literários", "que nutrem a juventude, distraem a velhice, realçam os momentos felizes, proporciam refúgio e conforto nos infelizes".(9)Esse cultivo do espírito é proporcionado por "aqueles cujo talento" os faz pertencer "ao número dos que são tidos e havidos por sagrados"(9): os poetas.
Da sua leitura resultará, paulatinamente, um imenso gosto e prazer de conhecer.Aqui realço o papel do professor como um dos primeiros incentivadores dos hábitos de leitura. Recordo o que dizia A. Ramos Rosa ao responder à questão que lhe era posta sobre o porquê de ser poeta: "Talvez eu seja poeta, porque sempre fui um leitor apaixonado".(10)
A paixão da leitura levará à constatação de que "todos os conhecimentos relativos à cultura humana têm como que um vínculo comum e estão ligados por uma espécie de parentesco"(11)Por isso, Cícero pretendia discorrer "livremente sobre os estudos humanísticos e literários".(12)Eles possibilitavam dissertar sobre uma infinda "variedade de questões"(12) quotidianamente, e verificar também "que nada há superior à eloquência para manter os agregados humanos, seduzir o espírito, levar as vontades".(13)Essa eloquência, onde aquirí-la? Aprendendo "com homens muito ilustres e eruditos (...)regras e teorias e com os poetas que valem pela sua própria natureza(...) como que inspirados por um bafejo divino"(14)
Poderemos, ao longo de toda a obra de Cícero, verificar este incentivo à leitura, à poesia, à arte de dizer. Ele próprio escreverá in O Orador:
"Realmente, que doação maior ou melhor poderemos fazer à comunidade do que ensinar e instruir a juventude?"(15)
Esta seria a "dívida" que Cícero tinha para com Archia. Ele o havia instruído, tinha sido seu mestre. Havia que fazer Justiça. E a justiça se confunde com aquele equilíbrio das coisas, com aquela ordem do mundo onde o poeta quer integrar o seu canto".(16)

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