A CRISE DO SETECENTISMO
Reacção da cultura científica e filosófica
A cultura literária e a cultura filosófica que paralelamente existiram durante o período Barroco e que abrangeram os últimos anos do século XVI, XVII e metade do século XVIII, fizeram florescer um clima espiritual que promoveu o Cultismo e o Conceptismo à imitação de Gongora, numa primeira fase, à qual se viria a seguir uma segunda fase, escolástica, com o predomínio dos Conimbricenses.
Durante todo este tempo, o mundo, de livre cultura e pensamento, expandia-se num imenso fulgor de ideias novas quanto à ciência e à filosofia. As experiências faziam-se segundo a aplicação de um método, o cartesiano, aplicado às ciências físicas-naturais que consistia na observação e na experimentação. Formulavam-se hipóteses e só depois de devidamente confirmadas é que se estabeleciam novas teorias. Newton abrirá novos horizontes, e Locke debruçar-se-á "sobre os mesmos dados experimentais, elaborados pela razão livre," para desenvolver as ciências do espírito. "Portugal só de muito longe, e tolhido de receios, assistiu" a este movimento que se processava, de uma forma bem divergente, "da nossa fidelidade a Aristóteles."
Os espíritos curiosos e ávidos de saber, iam começando a ficar inconformados com as distâncias que lhes imponham, pela tradição, os escolásticos. «Era assim inevitável como um impulso fatal da Natureza, que Portugal, como a Espanha, rompesse um dia o quase isolamento em que se acautelava contra as "perigosas especulações."» Havia necessidade de um acontecimento político que modificasse a situação de apagamento em que se vivia. Precisávamos de regressar a nós mesmos, depois de sessenta anos de domínio espanhol e de quase vinte anos de guerras que se seguiram. Foi no tempo de D. Pedro II que, se poderá dizer, começaram lentamente as mudanças. Para elas contribuíram os estrangeiros e estrangeirados que traziam um manancial de cultura de todos os países da Europa, por onde peregrinaram, ao fazer os seus estudos e a sua vida.
O padre Rafael Bluteau, foi um dos pioneiros nessa abertura do espírito português."Nascido em Londres em 1638, de pais franceses," começou a viajar a Paris com a sua mãe logo aos seis anos. Estudou Humanidades, Lógica e Matemáticas nos melhores colégios de França, e parte para Florença para se fazer frade "entre os Teatinos, em cuja ordem professa, em 1661." Insaciável no saber, vai frequentar universidades em Verona, Roma e Paris. Toda a sua formação intelectual era potenciada pela sua veia poética, de que veio a dar mostras nos elogios métricos em latim que fez a D. João V.
Como era excepcionalmente dotado, a sua Ordem, que existia no nosso país há cerca de vinte anos, vai acreditá-lo junto da Corte portuguesa. As suas boas maneiras, o brilho de inteligência e a sua cultura enciclopedista, os seus dotes de filólogo e de poliglota, vão fazer com que pouco tempo depois de chegar a Portugal, seja aceite na Corte, com o mesmo renome que já tinha obtido na Corte de Luís XIV. Depressa os inimigos começaram a dizer que, para além de servir a sua Ordem, servia também os interesses do rei francês. Isso levou a ter que se retirar do país durante uma vez, de 1697 a 1704, e outra quando da guerra dos Sete anos, para um retiro de clausura em Alcobaça até 1713, o que lhe permitiu elaborar o seu Vocabulário, e outras obras como: Oraculum utriusque Testamenti, Musaeum Blutevianum, e outro volume de Prosas Portuguesas.
O certo é que tinha aptidões não só humanísticas mas também económicas, e políticas. Foi encarregue por D. Luís de Meneses para contratar técnicos para fábricas que iriam começar a nossa actividade industrial. E escreverá a 5 de Junho de 1680:
«Hoje fiz na Ribeira a primeira experiência no ferro das minas de Figueiró (...) e saiu tudo tão admirável que me deu particular contentamento, porque desta qualidade não sei que o Reino possa receber maior benefício que ter ferro para escusar o de fora e repartir com os vizinhos. De baetas e sarjas temos já cinco fábricas; se concluir a de Tomar, que tenho entre mãos, também deitaremos de parte essa dificuldade (...) porque à custa da casa de Bragança tem uma fábrica de sedas naquela cidade por sua conta.»
As manufacturas foram crescendo ao seu cuidado, uma delas em Portalegre com tintureiro vindo, a seu mando, de Itália.
Também esteve envolvido numa política de casamentos que, segundo alguns, favoreciam as intenções do Monarca francês, pródigo em dotes a damas francesas que casassem com fidalgos portugueses. Diziam que parecia pretender "transformar Lisboa numa espécie de baluarte da sua persistente luta contra a Casa de Áustria." Aliadas a todas estas preocupações políticas e económicas estavam as de ordem cultural. Bluteau gozava da estima dos Ericeiras e estes cultivavam os estudos franceses. Ele era um intermediário entre a cultura francesa e aquela casa nobre, onde se realizavam os serões literários.
"É de supor agora que tenha sido D. Rafael quem trouxe às Conferências Discretas e Eruditas, que se realizavam em casa de Ericeira, o conhecimento de Boileau, sob cujo magistério poético se avivou a reacção contra os esquisitos pensamentos em denegridas nuvens embrulhadas, do Portugal gongórico."(pp.39) Ele possuía conhecimentos de Astronomia e de Galileu, assim como de Giordano Bruno e do seu livro: De Infinito.
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(continua)
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