«Em 1717, em casa de D. Francisco Xavier de Meneses, e perante os seus confrades da Academia dos Generosos, então renovada, proferiu Bluteau a sua 5ª lição sobre o tema: "Se este Mundo, depois de tantos anos de duração, fica debilitado e perto do seu fim". Aceita Bleteau a tese de Fontanelle, sustentada pouco tempo antes na célebre Querelle des Anciens et des Modernes" depois defende a sua tese: "Mais expressivo, porém, do seu culto pelas ciências, é o argumento fundado nos progressos delas:"
«Como o homem foi criado para contemplar e admirar as obras de Deus na fábrica do Mundo, e só por meio das ciências se consegue este fim, parecia inútil a conservação de um Mundo, em que por falta de Ciência, não havia contempladores da perfeição dele, para a glória do divino arquitecto.» (pp.40)
As ciências, com excepção da matemática e da geometria, que à semelhança de Descartes considerava a única fonte de certeza científica, deixavam-no com uma certeza relativa e dirá:
«Elas "...nada têm certo que a sua incerteza". E se por meio da Lógica, da Física e da Filosofia conhecemos a incerteza de todas as mais disciplinas (...) não são elas tão certas que não padeçam suas dúvidas.» (pp.41) No fim de uma destas lições elogiava o ter tornado a existir a Academia dos Generosos e dizia que esta com outras «fazem do Mundo uma grande Academia, em que cada dia florescem os engenhos e as ciências.» (pp.42)
D. Rafael está a par do movimento intelectual europeu e não ignora a distância a que nos encontramos da actividade renovadora e científica que anima algumas das academias estrangeiras; (...) de cada uma das academias inglesas, italiana e alemã, mostra a galeria dos seus sábios mais ilustres." (pp.43)
"No Vocabulário Português e Latino, publicado de 1712 a 1721, acrescentado de um Suplemento em 1727, (...) projecta-se a cultura enciclopédica - e actualizada em grande parte- do Teatino. Ele gaba-se de ter na sua cela mais de sessenta volumes de vocabulários (...) percorrendo o Suplemento, em que indica as obras de que se serviu (...) sente-se a sua curiosidade de omni re scibili. Ao lado da obra Jesuística - Dictionnaire Universal, de Trevoux, o Dictionnaire historique et critique, de Bazle; emparceirando com a Teoria dos Planetas de Kepler, com os Novos Descobrimentos do Céu, de Messe, e com o Mundo Matemático e Astronómico, de padre Deschales, eis atentos à terra, a História Natural, de Boyle, o Lexicon Chymicum, de Johnsónio, e o Collegium Experimentale, em que Stúrnio - informa - tem ajuntado as mais notáveis experiências que se tem feito nesta era. De Descartes é citada a Teoria do Turbilhão e os Discursos de Dióptrica. Mas não fica por aí um culto actualizado do primeiro quartel do século XVIII. Descartes está ultrapassado por Gassendi e Newton, mais do que eles atentos à experiência, e Bluteau não os esquece: são presenças espirituais na sua cela, ao lado de Vives, e Erasmo, de Galileu e Huyghens, de Cassini, Mariotte, Boyle, e são os nomes com que se abona em numerosas páginas do Vocabulário, ao tratar de palavras como ar, vácuo, sistema." O artigo sobre as nuvens começa:
«Segundo a filosofia Moderna...»(pp.45) Mas o Teatino sabe guardar-se de audácias perigosas. Assim, na palavra sistema, referindo-se a Copérnico observa:
«Porém, como não há demonstrações nem evidência algumas das singularidades que neste sistema se supõem, melhor é ignorá-las com docilidade e obediência do que sustentá-las com obstinação e pouco respeito dos decretos dos dois Sumos Pontífices, Paulo V e Urbano VIII, que a Sagrada Congregação dos ritos publicou nos anos de 1616 a 1633.»
Cremos poder considerar este episódio de actividade mental no Século XVIII como o primeiro choque - e, portanto, a primeira faísca - entre as tendências realistas, o Iluminismo do Século das Luzes, e o formalismo, o gosto das abstrações da Época anterior.
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(continua)
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