Este foi o dia em que eu, repleta de sonhos, comecei a trabalhar para o Ministério da Educação do meu País e comecei uma vida nova! Até aí tinha levado muitos anos a estudar para cumprir o sonho de menina de ser Professora. Na infância amei a escola e tive Professores tão dedicados, que nunca os esqueci!
Quando saí da escola fui trabalhar, porque eu era a oitava de uma família com dez filhos. Nesse tempo, meu pai pensava que as meninas deviam preparar-se para casar e para ficar em casa a cuidar dos filhos e do marido. Assim aconteceu comigo e com outras três irmãs antes de mim. Aprendi como se deve governar uma casa com a minha mãe. Observava como ela cozinhava, como passava a ferro, como arrumava as gavetas, como fazia as limpezas, e ajudava em todas as tarefas domésticas. Quando já sabia arrumar uma casa e cuidar de tudo o que é necessário para que haja harmonia num lar, eu fui aprender a bordar à mão e à máquina, para fazer o meu enxoval.
Os lavores femininos incluíam também o aprender a costurar. Aprendi. Fiz o meu primeiro vestido com treze anos. A partir daí eu fazia não só a minha roupa, mas a das irmãs mais novas e a da mãe. Até aos dezoito anos, incompletos, idade com que casei, nunca soube o que era ter dinheiro meu. Trabalhava para todos e ajudava em casa a passar a ferro, rimas de roupa, a encerar o chão, a arrumar os quartos, a lavar pilhas de louça, sem nunca me queixar. A minha alegria era permanente e eu gostava muito de aprender.
Quando fui para a minha casa e só tratava do meu marido, eu sentia-me uma mulher muito feliz e passava os dias a cantar enquanto trabalhava. Mas depressa me senti com vontade de aprender novas coisas e fui fazer o curso de dactilografia. Aprendia francês e estudava muito sozinha. Como a minha paixão era a leitura, todo o tempo que tinha livre, tal como desde a infância, eu passava-o a ler. Em África, onde me criei, não havia televisão, por isso, a leitura era o nosso melhor passatempo.
O meu marido andava a acabar o seu curso e trabalhava como Chefe de Escritório. Em breve tempo arranjou emprego para mim na empresa e comecei como dactilógrafa, arquivista, e também fazia o ficheiro. Aprendi muitas coisas novas e tive o meu primeiro ordenado.
Aos vinte anos tive a minha primeira filha. Foi a maior alegria da minha vida! O tempo começou a ser escasso e a menina tinha que ficar com uma ama. Aos vinte e dois anos tive a segunda filha. O marido já tinha acabado o seu curso e, entretanto, mudou de emprego. O meu salário era muito baixo e não compensava pagar à ama para ficar com as meninas. O meu amor de mãe dizia-me que eu tratava melhor das minhas filhas do que ninguém, e assim resolvi ser eu a criá-las e a educá-las. Vim para casa, deixei de ter o meu vencimento.
Comecei novamente a estudar e frequentava o Colégio Vasco da Gama. Fiz o exame do segundo ano (hoje 6º ano) com boas classificações. No mesmo ano lectivo, em Setembro, fiz os exames de Português e História do 5º ano, sempre a estudar sozinha, como autodidacta. Já frequentava o Colégio de Santa Maria Goretti, quando, aos vinte e quatro anos, vim para Portugal. Inscrevi-me no Serviço de Emprego. Não arranjei trabalho. O meu marido trabalhava na mesma empresa em Portugal, da que tinha sido gerente em África.
Aos vinte e oito anos eu tinha quatro filhos e continuava em casa a educá-los. Tudo o que tinha aprendido com a minha mãe, tudo o que meu pai pensava ao educar-nos, era-me agora essencial. Mas eu continuava a estudar, mesmo como autodidacta, eu nunca parei de estudar. Matriculei-me no Liceu e acabei o 12º ano. Fui para a Faculdade e assistia diariamente às aulas durante seis anos. Estudava todo o dia, tratava de uma casa de seis pessoas. Cozinhava, costurava, lavava e tratava da roupa de seis pessoas, arrumava a casa, sempre com o exemplo do trabalho da minha mãe presente. Educava com muito amor os meus filhos. Ajudava-os. Todos se licenciaram. Eu não ganhava o meu salário. Vivíamos única e exclusivamente com o salário do meu marido. Não sabia o que eram fins de semana, nem férias. O trabalho e o estudo eram a minha vida. Estive dezasseis anos em casa a educar os filhos, que são a minha maior obra e os meus maiores amores.
Em Abril de 1994 tive novamente o meu salário! Enfim, eu contribuía para as despesas da casa. Comecei a dar aulas. Até hoje tive vinte e sete Escolas! Ensinei em 27 Escolas Públicas! Todos os anos fui contratada. Chegava a Agosto, ou antes, e acabava-se o contrato! Dei o melhor de mim.
No ano lectivo 2011/2012 fiquei doente com um esgotamento. A depressão chegava pela primeira vez. Nunca tinha faltado às aulas, a não ser com uma gripe, ou infecções de garganta.
Hoje estou novamente no desemprego. Este ano lectivo não tive trabalho. Estou sem colocar. Não tenho sequer tempo que chegue para me reformar! Estou novamente sem salário. Faço vinte anos lectivos a trabalhar para o Ministério da Educação no dia 27 de Abril de 2014. Isto se voltar a trabalhar. Sempre sonhei ficar efectiva. Quem destruiu Portugal com dívidas, nunca aprendeu a governar uma casa, nem sabe o que é educar quatro filhos. Nem sabe o que é ensinar centenas de crianças, que nos passam pelas salas de aulas. Nem sabe o que é estar desempregado.
Haja Deus.
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