sábado, 1 de junho de 2013

«O Tempo, protagonista da Poesia Barroca»

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CONCLUSÃO

LABIRINTO, QUEIXANDO-SE DO MUNDO

«Corre sem vela e sem leme/ O tempo desordenado,/ D'hum grande vento levado:/ O que perigo não teme,/ He de pouco exprimentado.»(pp.127) (1)
Estes cinco versos dão o mote para concluir este trabalho. Os poetas do período barroco viveram um tempo em que, como nos diz Ana Hatherly, "o poder despótico exercido pela autoridade (Igreja, Estado, Sociedade) revela-se, marcadamente no grande sofrimento e no medo que se adivinham em tantas obras do Maneirismo/Barroco peninsular. O terror que inspira a infracção das rigorosas regras da ordem - estética ou  outra - é a sua marca segura da repressão violenta, que reduz os cidadãos a súbditos humildes ou humilhados e conduz à adulação e à intriga, ao servilismo e à vontade de morte. (pp.123) (...)
Há também um recrudescimento do culto do herói que, se muitas vezes é um estereotipo de modelos míticos do passado, agora surge acrescido da alternativa de abdicação e martírio, nova forma de heroísmo que se contrapõe ao esplendor da afirmação dos novos conquistadores do mundo.
Os artistas têm de ser tão prodigiosos como os heróis que celebram, as suas obras têm de estar à altura, à medida, à desmedida dos feitos que memoram. Por outro lado, as misérias que se lamentam, se induzem à renúncia, revelam também o desânimo, a descrença, a impossibilidade do homem corresponder a esses modelos míticos que o aparecimento da novela picaresca e o D. Quixote começam já a contrabalançar.
As complicadas obras que se produzem nesse período, destinam-se a um público de «especialistas», que conhece os programas originais e sabe, por isso, avaliar a mestria da recriação das formas e personagens em que os novos valores e exercitam. Neles se revêem e se comprazem os poderosos. Os artistas, servos por necessidade do patrocínio, servem esses desígnios: louvam, louvam, repetem os seus louvores até à  loucura - até atingirem a aguda sensação de que a morte que a todos persegue em guerras e lutas intermináveis, é por fim um bem. Espiritualmente falando, é (talvez) a única libertação, pois liberta do mundo." (pp.124) (2)
O tempo assume, neste contexto, um protagonismo que até aí não tinha conhecido na literatura. A conjuntura social e histórica explica que, a própria morte, se apresente como resolução de muitas vidas sem sentido terreno. O divino e a vida celestial, apresentava-se como a única possibilidade de obter a felicidade. Pela renúncia obtinha-se a santidade. São exemplo os poemas de S. Teresa de Ávila: "Vivo sem viver em mim/ e tão alta vida espero,/ que morro por não morrer." As suas orações eram poesias de esperança: "Nada te inquiete, / nada te assuste; / pois tudo passa, / Deus nunca muda. / A paciência/ tudo alcança / Quem Deus tem / nada lhe falta. / Só Deus basta."
A crítica neo-clássica criou preconceitos sobre a literatura barroca que a levaram a não ser estudada durante séculos, "contribuindo para que toda uma volumosa produção literária, de numerosos e por vezes valiosos autores do século de seiscentos e parte de setecentos, tivesse ficado sujeita ou a um completo esquecimento ou às críticas mais injustamente depreciativas." (3)
Herder dizia que a poesia era a língua universal da Humanidade. E mesmo que o texto poético seja sempre codificado, "ele é também, todavia um texto capaz de jogar ironicamente com a sua própria codificação."(4)
Pièrre Bourdieu escreveu, num ensaio recente, que devemos «saber jogar com a regra do jogo até aos limites, mesmo até à transgressão, sem cair no desregramento.» (5)
Os poetas barrocos não caíram no "desregramento". Antes souberam ter aquela atitude moderna que Octávio Paz refere: «o criador perante a linguagem deve ter a atitude do enamorado. Uma atitude de fidelidade e, ao mesmo tempo, de falta de respeito ao objecto amado. Veneração e transgressão. O escritor deve amar a linguagem, mas deve ter a coragem de transgredir.»Porque, continua o mesmo autor, «a poesia é ruptura da linguagem, ou ruptura da superfície da linguagem, para penetrar no interior da linguagem. A arte de escrever, parece-se com o combate e também com o amor». (6)
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(continua) pp.48/49

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