quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

Doutrinas da Filosofia

"A morte de Alexandre da Macedónia, em 323 a. C., marca o encerramento do período propriamente helénico, que fez nascer a filosofia nas cidades livres da Grécia. O período seguinte, chamado helenístico, corresponde à expansão do espírito grego em todos os países mediterrânicos; mas a conquista macedónica, a hegemonia  de Roma e, por fim, a expansão do cristianismo atestam a decadência progressiva do ideal cívico e das tradições intelectuais da Grécia sob o influxo da imaginação oriental e da devoção semítica.
A dissolução das cidades, o advento de grandes impérios, privam o indivíduo dos seus quadros tradicionais e da sua actividade política, deixando-o espiritualmente desamparado. O que o homem então exige da filosofia é uma ordem de princípios de conduta e um ideal de felicidade, isto é, um «bem» supremo cuja conquista represente um nobre emprego para a energia moral abandonada a si mesma. A esta aspiração correspondem  as doutrinas opostas  de Epicuro e dos estóicos.
Desprendido da política da Cidade, mas de raça e espírito gregos, o epicurista transfigura a sua própria indiferença pela delicadeza e a perfeição moral que lhes confere. O estóico, pelo contrário, é inicialmente um meteco influenciado por semitas. Tais foram Zenão de Cítia, «o Fenício», Cleanto, o moço de fretes, e Crísipo, o segundo fundador do estoicismo. Homens novos, mostram-se abertos às novidades políticas da sua época: as suas simpatias voltam-se para os reis, para os grandes conquistadores de povos, para os construtores de impérios. Os príncipes sentem por eles e pelas suas escolas, de resto, um respeito em que se traduz o reconhecimento do seu poder moral. Se os estóicos não fazem política, as suas lições, pelo menos, preparam homens a quem a política não assustará; sabem ensinar ao mesmo tempo o amor pelo esforço e o desprezo pela fortuna material. Por isso a sua doutrina filosófica tem por símbolo uma espécie de tensão íntima que, segundo eles, existe em todos os corpos que vivem no seu seio sustentados por uma espécie de «alento» (pneuma), cuja tensão retém as suas partes componentes. O mundo é um «todo», semelhante aos grandes corpos políticos, que contém nele mesmo o seu fim. Todas as partes que o compõem são solidárias e hierarquizam-se segundo graus de tensão, desde a consistência do corpo vulgar até Deus, alento incendiado, chama impregnada de arte, agente e tensão supremos. O Deus estóico não é um Deus grego, como os que habitavam no Olimpo, ou como Dioniso, que suscitava o delírio sagrado: é um Deus semita, cuja acção providencial envolve toda a existência dos homens, nos mínimos pormenores. O filósofo compreende essa harmonia divina e aceita a obra do Destino, a lei que esse novo Zeus impõe ao mundo como sua razão e providência - e colabora nesta obra porque a compreende. Por isso o Destino não contradiz a liberdade do filósofo.
A razão absorve e domina todas as coisas, divinas e humanas. O mundo é uma simpatia ; uma conspiração universal de que o filósofo possui a chave : a virtude - e esta basta, só por si, para dar a felicidade. Esta visão estóica das coisas e da vida vai impregnar todas as doutrinas filosóficas e todas as ideias religiosas até ao fim da Antiguidade e ainda uma parte dos tempos modernos; mas, nesta longa história, a doutrina despoja-se pouco a pouco das suas ideias cósmicas e das subtilezas lógicas, conduzindo progressivamente à simplicidade incomparável de Epicteto, o escravo liberto, que pretende arrancar o homem a tudo o que não depende de si mesmo: «Suporta e abstém-te».» A razão estóica conclui pela afirmação descarnada dessa tensão inicial, do culto da vontade moral que era a alma da doutrina."

In: Ducassé, Pierre, As Grandes Correntes da Filosofia, Publicações Europa-América, Lisboa, 5ª Ed. s/d, pp.37 a 39.

Sem comentários:

Enviar um comentário