terça-feira, 9 de dezembro de 2014

«Manual de Epitecto» (2)

O Manual de Epitecto pode caracterizar-se pela sobreposição da vida interior sobre a vida exterior. É um livro que data de 50 a. C., um tempo de crise determinado pelo declínio das cidades gregas, edificação ainda muito débil das monarquias helenísticas e primórdios da fundação do Império romano. Um tempo de crise, de corrupção, da perda de muitos valores - e, daí, a necessidade de um discurso que ensinasse os homens a viver uns com os outros e também a defender-se no mais íntimo de si próprios.
Constituído por cinquenta e três diatribes, o Manual, surgido das cogitações de um escravo-filósofo, ensina-nos a preservar a nossa integridade através de exemplos muito simples, quase todos captados no quotidiano de então, quotidiano esse que, sob tantos aspectos, muito se assemelha ao nosso. (...)
Epitecto querendo inteirar-se do conteúdo da Filosofia, foi-lhe permitido assistir às lições  de Caius Musonius Rufus, filósofo estoico com escola estabelecida em Roma. Anos depois, a juventude romana enchia os locais em que Epitecto expunha a sua maneira de encarar a crise que então abalava o fim do mundo helénico e o começo do mundo romano.
Morreu de idade avançada, quando cidadãos do mundo civilizado da época citavam de cor as suas máximas, diatribes e aforismos.

Este texto foi retirado (com cortes e adaptação) das badanas do Manual.  Não enuncia o autor, motivo pelo qual vos digo que a tradução do livro é de Pedro Alvim (do francês, de M. Meunier, G. - F., 1964). Vamos às máximas:
                                                                             XLII

Quando um homem te prejudicar, ou de ti falar mal, parte do princípio de que ele pensa que é seu dever agir ou proferir palavras de maneira danosa. Assim sendo, é absolutamente impossível que ele se aperceba do teu sentimento ferido: para esse indivíduo, o que está certo é a sua maneira de actuar. Ora se ele se comporta mal para contigo, unicamente se prejudica a si próprio - e a sua vida decorre no erro. É tal e qual o que sucede quando alguém tem por falso um juízo verdadeiro: esse juízo não é aqui afectado, e sim o que por afectado o tem que se encontra enganado. Se por estes princípios regeres a tua conduta, será com bonomia que suportarás aquele que te injuria. Para tua defesa, repete de cada vez quando alguém te ofenda: "Quem me ofendeu pensa que agiu bem."

                                                                            XLIII

Qualquer coisa tem duas asas: uma que nos permite a levemos connosco, a outra que tal intenção não nos facilita. Se o teu irmão tem mau feitio, não o chames a ti levando a mão à asa que se manifesta de modo errado. Por aí, é-te impossível levar a bom termo o teu propósito. toma-o antes pela asa boa, pela mão que se não recusa à tua mão - e se te lembrares que ele é teu irmão, que foi amamentado contigo, logo verás que o podes chamar a ti.  

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