Epitecto nasceu pelo ano 50 a.C., de uma família humílima, na Frígia, e, pelas conjunturas da vida, tornou-se escravo de um senhor da alta roda de Nero. Estoico e sabedor da doutrina de Sócrates, enfrentou o infortúnio com sabedoria, gentileza, fraternidade. Coxo por tortura a que foi submetido pelo referido senhor, numa idade jovem, Epitecto aceitou o que o exterior muitas vezes lhe reservou e continuamente se elevou nas decisões conscientes da sua interioridade...
Que se atente na ferramenta da sua missão de filósofo: são os barcos, o circo, os festins ou repastos, os cavalos, o mar, o dia e a noite, os laços familiares, o sofrimento e a morte, as íntimas alegrias do dever cumprido, os oráculos divinos (um simples sapato até) que lhe servem para elaborar magistrais lições de filosofia, através de máximas, diatribes, aforismos, sequências com ilação final... Enfim as primícias da vida como instrumentos de diálogo.
Um homem, portanto, que, com os sentidos na vida de todos os dias, procurava fazer-se entender pelos outros, o mais rentemente possível, a fim de que ele e os outros se elevassem até uma outra espécie de vida - precisamente aquela que se sobrepõe, por uma atitude de espírito, à vidinha de todos os dias.
O que de Epitecto nos chegou não foi por ele escrito (assim Sócrates procedeu também) - e sim por um seu discípulo, de nome Flavius Arrien, que, tendo-o como mestre da comunidade, assentando foi o que lhe era dado escutar. Em boa hora o fez, muito embora dos oito livros que assim coligiu unicamente quatro tivessem circulado por entre os homens de então. O Manual, e ainda por iniciativa de Flavius, é constituído pelo essencial desses quatro livros - e desde há séculos (nomeadamente nos primeiros da era cristã) que tem vindo a desempenhar o papel de um amigo que, em certos momentos da vida, nos sabe dizer se à boa leitura formos dados: "Olha que não é assim, olha que as coisas são enganadoras, olha que outras razões mais subidas há..." - e filósofos, por exemplo, Pascal, acusaram a sua influência nas doutrinas muitas que foram erguendo.
Será que o mundo de hoje suportará um pensamento estoico, assente na disciplicência e na virtude? Será que qualquer um de nós saberá ainda dizer a si próprio que faz parte da humanidade e que os outros também da humanidade fazem parte? Que ninguém é superior a ninguém, e a nada, e a si próprio inclusive - e tão só um cidadão que deverá saber, como diz Epitecto, que o seu pé é a medida do seu sapato, e não o sapato que engrandece esse mesmo pé, pisando o mundo como senhor e dono?
Estas palavras fazem parte do prefácio de Pedro Alvim ao Manual de Epitecto, Vega Limitada, 1992 - Passagens - e foram adaptadas, com cortes, por mim, para tornar a transcrição mais pequena. Em seguida escolherei algumas máximas para os meu leitores. Assim como vos falarei sobre o Estoicismo. Espero que gostem de ler. Vou começar praticamente pelo fim:
L
Sê fiel a tudo quanto te for interdito. Sê fiel à interdição. Tem-na, à interdição, como lei que tu não deves transgredir. (Se o fizeres, a impiedade habitará em ti.) Não dês atenção ao que digam de ti, pois o que de ti disserem nunca depende de ti.
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