XXII
Se tu desejas ser filósofo, prepara-te desde logo para seres ridicularizado, zombado e escarnecido pelo comum dos homens. Que dirão: "Então este indivíduo assim se tornou filósofo tão de súbito?" E ainda: "E que ar orgulhoso não é agora o seu!" Quanto a ti - que nenhum orgulho te habite. Dedica-te ao que melhor te parecer, como se Deus te tivesse escolhido para os teus empreendimentos. E não te esqueças nunca de que, caso teimes nos teus propósitos, aqueles que no começo mofavam de ti serão os primeiros a admirar-te. Mas se, perante as zombarias, te deixares abater, então, ó caro, serás ridículo, não uma vez, mas duas vezes.
XXI
Certo é que a morte, o exílio, outros horrores e sustos todos os dias, todos!, se encontram sob os teus olhos. Mais do que tudo, porém, se ergue a morte. E aqui a tua fala não dirá coisa de pouca monta - e também o teu ânimo a nada se atreverá que desmedido seja.
XX
Reconsidera o seguinte: quem te injuria não te injuria; quem te agride não te agride; quem te ultraja não te ultraja. Então quem te ultraja, agride e injuria? O juízo, o julgamento, a sentença de quem assim procede contigo - e também a tua opinião sobre o acto de que foste vítima. Assim, pois, quando alguém provocar a tua ira, sabe que essa tua opinião é que irado te torna. Sendo assim as coisas, não te precipites e doma as tuas ideias. Porque segura é uma coisa: se ganhares tempo e pausa a fim de ponderares o acontecido - então, facilmente, serás senhor de ti mesmo.
XVIII
Não te perturbes se um corvo lançar um grito de mau augúrio. Pondera, distingue entre as tuas ideias, e diz para ti mesmo: "Este grito nada pressagia de mau para mim. Sim para o meu pobre corpo, para os meus pequenos haveres, para a minha vã glória, para os meus filhos, para a minha mulher. Quanto a mim, todo o augúrio é bom, se tal for o meu desejo. Porque, aconteça o que acontecer, só de mim depende que do acontecimento eu devidamente me aproveite."
XVII
Lembra-te que és tal como um actor no desempenho do papel que o dramaturgo te quis proporcionar: breve, se breve; longo, se longo. Se o dramaturgo deseja que representes um papel de mendigo, representa-o devidamente. Procede da mesma maneira se te couber um papel de coxo, de magistrado, de mero indivíduo comum. Só de ti depende que saias bem na representação da personagem para a qual foste escolhido - mas não esqueças nunca que a outrem pertence a escolha dos papéis que te couber.
XIII
Se desejas ser bem sucedido, resigna-te caro, face às coisas exteriores, por passar por insensato ou mesmo por tolo. Mesmo que saibas, não mostres qualquer saber; e se alguns te considerarem alguém, desafia-te a ti próprio e desconfia de ti. Que saibas sempre, na verdade, que não é fácil de preservar a vontade em conformidade com a natureza, pois que, simultaneamente, sempre nos inquietamos com as solicitações do exterior. Ora que fazer? Só uma regra necessária se impõe: quando nos ocupamos da vontade tendo a natureza por fundo (e nossa íntima intenção) só a uma coisa nos podemos obrigar - evitar qualquer desvio daquele nosso primeiro propósito.
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