sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

«Manual de Epitecto» (5)

XI

Não digas nunca do que quer que seja: "Perdi-o". Antes diz: "Devolvi-o". O teu filho morreu - pois tão só o devolveste. A tua mulher morreu - pois também a devolveste. A felicidade foi-me arrebatada. Ora bem: a tua felicidade foi igualmente devolvida. "Que celerado não é esse raptor!" Mas que importa que, caro, quem algo te deu, caríssimo, tenha exigido o que te dera? Até seja permitido, desfruta o que te foi dado como um bem estranho, à semelhança de quem passa, e por uns dias se demora, numa hospedaria...

X

Por cada acidente que te sobrevenha, recorda-te, dobrando-te sobre ti em profunda concentração, de apelar à força que porventura possuas e cujo efeito te possa de momento ser útil. Se encaras com um homem formoso ou com uma bela mulher, encontrarás em ti uma faculdade que se oporá à sedução de ambos: a temperança. Se a fadiga se apossa de ti, recorre à resistência - e tudo faz ante uma injúria para que a paciência te assista. E se a tais hábitos te deres, nunca as tuas más ideias te levarão a melhor.

IX

A doença é um estorvo para o corpo, mas não para a vontade se ela o não desejar. O ser-se coxo  é um estorvo para as pernas, mas não o é para a vontade. Assim pondera todo e qualquer acidente, e chegarás à conclusão de que o acidente estorva sempre uma ou outra coisa - e que só para ti, movido de vontade, não é estorvo de espécie alguma.

VIII

Não exijas aconteça como tu desejas aconteça. Antes queiras aconteçam as coisas como acontecem - e quão feliz, então, não serás tu!

VI

Não te ufanes de qualquer qualidade que, por estranha, não seja tua. Se um cavalo se gabar dizendo: " Eu sou belo" - eis uma afirmação tolerável. Mas se tu te ufanares através das tuas próprias palavras simplesmente dizendo: "Eu tenho um belo cavalo" - bom é que saibas que tão só te orgulhas de uma virtude que é pertença do teu cavalo. Verdadeiramente, o que é teu? Somente o recurso às tuas ideias, o hábito de as saberes utilizar. Quando te serves das ideias em conformidade com a natureza das coisas, ah! sim, então é legítimo o orgulho em ti, pois te ufanas de uma virtude que unicamente é tua.

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