sábado, 16 de fevereiro de 2013

«O Tempo, protagonista da Poesia Barroca»

Arte
Poetica
Parte Primeira
(Continuação)

Que conheçais também será preciso
Que a imitação por si não desempenha
O objecto da cadência, sem que á copia
Se lhe ajunte a energia, e aquelle agrado,
Efficacia, e viveza do treslado,
Que inda mais se procura, que se alcança
Na intentada expressão da semelhança.

Tão viva se há de dar, que nos pareça
Ter o objecto imitado à nossa vista:
Ha quem pertenda que o primor consista
Nesta viva efficacia; e na verdade
Que o proveito se logra, e a suavidade
Quando nesta hypotyposis percebo
Quae não se encoatra no cadente ornato
O original diverso do retrato.

Há muitas cousas, que nos mettem medo:
Hum dragão nos seria aborrecido,
Mas quando está na imagem parecido,
Em vez de dar espanto nos deleita:
O proprio horror na imitaçaõ perfeita
Se tira; e ao mesmo tempo purga a alma
Na mísera fraqueza, e impulso amargo
Da afflicção, da tristeza, ou do lethargo.

Não só da imitação, e da energia
O deleite procede, e a utilidade,
Mas tambem da belleza, e luz do metro:
Para o verso ser bello, e ser brilhante
Deve ser claro, natural, constante,
Elevado, nervoso, ardente, e cheio;
Deve compor-se com dicçoens do meio;
Nem curtas, nem cumpridas: as primeiras
Fazem a oraçaõ precipitada,
E languida as segundas: alternada
Com poucos monosyllabos, e vozes
Sesquipedaes, a Musa he que consegue
A corrente harmonia: Naõ me canso
Nos assentos do verso, e na medida
Por ser isto huma cousa mui sabida:
Só aqui vos farei huma advertencia,
Que cuideis em fazer alguma escolha
Das vogaes, e daquellas, que as enlaçaõ:
Humas canoras, outras dissonantes
Se formaõ nos ouvidos: as segundas
Humas saõ espiraes, pois só do alento
Receber o seu próprio movimento:
Destas o P se mostra a mais sonora:
He o M a mais doce: a mais polida
He o F: outras ha, a quem o nome
Se deu de Gutturaes, porque as levanta
O impulso, que procede da garganta:
Formaõ todas hum som pouco agradavel:
Faz o C hum ruído aspero, e duro:
O G , que delle nasce, he menos forte:
O I consoante tem a mesma sorte:
O Q menos: o X, que o C, e o S,
Com infeliz concurso representa,
He a letra mais dura, a mais violenta.
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(Continua) p. 11

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

«O Tempo, protagonista da Poesia Barroca»

ARTE
POETICA

PARTE PRIMEIRA
(Continuação)

O Poeta he só hum Medico da alma
Que adoça, ou doura o amargo do remedio
Para que o enfermo não conceba tédio
Do simples mais ingrato: esta vantagem
Tão illustre, e evidente se mallogra
Quasi sempre nos homens preoccupados
De huns objectos grosseiros: mais amados
Os exemplos serião, se a ignorância
Podesse conhecer, que este exercício
Facilita a virtude, e opprime o vicio.
Eu fallo dos espíritos mais altos
De hum genio, e de uma maxima profunda:
Os Poetas fanfarroens, de que se innunda
Talvez huma Provincia, estou tão longe
De os metter neste numero, e louvá-los
Entre as agoas mais turvas da Hypocrene,
Que eu serei o primeiro, que os condene.
Permitti-me este termo, pois me explica
Esse inerte tropel de escrevedores,
Que sem genio, nem regra, nem cultura
Entende que a Poesia mais brilhante
He formar a harmonia no consoante,
Ou encher de palavras, sem substancia,
A pompa de huma frívola elegancia
Onde depois das clausulas velozes
Não ha mais, que o furor de inchadas vozes.
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(continua) p.10  

sábado, 9 de fevereiro de 2013

«O Tempo, protagonista da Poesia Barroca»

ARTE
 POETICA
PARTE PRIMEIRA
(Continuação)

O instrumento, que faz a semelhança
Aos métricos retratos, he sómente
A medida das vozes, incluida
Na differente espécie, que ela emprega:
A representação a tudo chega:
Sobe ao throno de Deos, ao claro Emperyo,
Aos Anjos, aos Espíritos Celestes,
Ao Sol, à lua, e a todo o Firmamento:
Todo o objecto mortal, todo o elemento,
Toda a maquina eterna, e ser humano
Póde ser imitado da cadencia:
Não inclue a geral circunferencia,
Ou espírito, ou corpo, ou alma, ou ente
Animado, ou sem vida, que presente
O não ponha o desenho da Poesia;
Mas nesta imitação não basta a guia
Do deleite, que nella se procura:
He preciso chegar a mais altura
Pois para ser o plectro luminoso
Deve o util seguir-se ao deleitoso
Nesta parte a Poesia vence a Historia,
E o esforço dos Philosophos, que intentão
Promover as virtudes nos dictames;
A ethica, ou a Historia em seus exames
Nos propõem a virtude carrancuda,
Despida, melancolica, sezuda;
Objecto quasi sempre desabrido:
Hum Poeta remontado, e esclarecido,
Nunca perde a occasião, em que a proponha
Benigna, alegre, amável, e risonha,
Desmentindo em canora suavidade
A asparesa da sua gravidade.
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(continua) p.9