II
Arte Poetica
Parte primeira
(Continuação)
Hum homem que presume ter engenho
Se lança de repente ao árduo empenho
De sobir com giros mais veloses
Ao monte bipartido, dando ás vozes
Talvez huma infeliz correspondencia,
Tropeçando no assento, e na cadencia
Das phrases, e das syllabas, costume,
Que o aparta sempre mais do excelso cume.
Estes são os Semîcapros de Pindo,
Gente que vive na deserta fralda
Da montanha entre a rústica esmeralda
Dos bosques, e das selvas: trovadores
Só se podem chamar os moradores
Desta ruda floresta: O nome augusto,
Que nasce da expressão de hum peito adusto,
Não se alcança sómente com a Rima:
O que mais resplandece, e mais se estima
He esse illustre, arrebatado alento
Que imprime hum perturbado movimento
Nos affectos de huma alma socegada:
He huma elevação, exercitada
Por hum génio feliz, hum juizo pronto,
Hum dote celestial, hum alto ponto
De hum espírito ardente, huma elegancia,
Não só ígnea, mas justa, huma abundancia
De imagens, e de phrases singulares,
Huma escolha de termos não vulgares,
Huma imaginação, cheia de esforço,
De incêndio, de igualdade, de doçura,
E em fim hum rapto excelso, huma loucura
Tão exquisita, que o furor detenha,
Quando mostra talvez que se despenha.
A Poesia se inculca, ou se define
Por uma Imitação de quanto aos olhos,
De quanto á intelleção propõem no Mundo
A vasta Natureza: este fecundo
Theatro de maravilhas portentosas
Inda as póde fazer mais deleitosas
A discripção harmónica do Verso:
A música, a pintura, a dança imita
Tambem a Natureza; e he só diverso
O modo, com que a imagem solicita:
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(continua) p.8