sexta-feira, 31 de maio de 2013

«O Tempo, protagonista da Poesia Barroca»

BUENOS DIAS

                            93

O' domador del Python, ó famoso
          Auriga, más felice, que Phaetonte
          No tan a prissa al cielo se remonte
El ímpetu del carro luminoso.
Duerme el mayor varon: el perezoso
          Sosiego lhega al metrico horizonte
          Calle el relincho pues Pyroes, y Ethonte
          No profane las aras del reposo.
Mas si la obligación de dar al dia,
          La fatigada luz, del triste Herebo
          Romper el negro baratro profundo.
Ceda Apolo en la aurifera porfia,
          Dese la rienda de Ericeira al Febo,
          Para girar los ambitos del Mundo.

SEGUNDA PARTE

SONETO DE CAMOENS

Doces lembranças da passada gloria,
          Que me tirou Fortuna roubadora,
          Deixay-me descançar em paz hûa hora;
Que comigo ganhais pouca victoria
Impresso tenho n'lma larga hystoria
          Desse passado bem, que nunca fora,
          Ou fora, & não passara, mas jà agora
          Em mim não pode haver mais que a memoria,
Vivo em lembranças, morro de esquecido
          De quem sempre devera ser lembrado,
          Se lhe lembrara estado tão contente.
O' quem tornar poderá a ser nascido!
          Soubera-me lograr do bem passado,
          Se conhecer soubera o mal presente.

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Termino esta antologia de poemas com a ilustração do tempo nas Rimas de Francisco de Pina  de Mello. Da segunda parte e como remate do trabalho, um soneto a Camões, "príncipe dos poetas". Sem ele, possivelmente, não teriam existido muitos dos nossos Poetas. O seu nome brilhava no emblema da Academia dos Singulares, quase no cume da pirâmide que começava com Homero, Aristóteles, Vergílio, Ovídeo, Horácio, Camões, Garcilaso, Góngora e Lope. "«Os nove heróis da poesia, os nove príncipes do Parnaso» juntos no Templo da Fama." Esta Academia e a dos Generosos, deram o contributo que a todos permitiu a criatividade e singularidade da linguagem da poesia barroca.

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(continua) pp.47

quinta-feira, 30 de maio de 2013

«O Tempo, protagonista da Poesia Barroca»

A HUMA CAVEIRA CERCADA DE FLORES

                           75

Com as flores a Morte! Há tal cegueira!
          As flores com a Morte! Há tal loucura!
          Quem fez desenganada a fermosura?
Quem fez desvanecida huma Caveira?
          Que seja a tumba a casa verdadeira
          Como a mesma vaidade conjectura?
          Como da Parca a mísera figura
          Se veste de huma gala lisonjeira?
Porem todo o espectáculo tremendo,
          Porem todo o Zodíaco florido
          Vay ou jà sazonando, ou corrompendo
Que muyto esteja o génio pervertido
          Se o que hão de ser as flores estão vendo?
          Se a Caveira está vendo o que tem sido?


A HUM BERÇO COM O FEITIO DE HUMA  TUMBA

                           78

Já he tumulo o berço, já tristeza
          O que foy alegria, escuro norte
          Segue a luz; & na câmara da Morte
Buscão os pulsos a vital proeza.
Já na casa da Parca a fortaleza
          Dos alentos se expoem; já passaporte
          Da Morte traz a vida; & desta sorte
          Se vão mudando as leys da natureza.
Não se admire ninguém, traça subida
          Foy do supremo Angélico conceito,
          Que altamente nos animos retumba.
Porque se tão depressa passa a vida,
          Quem pode duvidar, que hum proprio leito
          Pode vir a ser berço, & mais ser tumba?
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(continua) pp.46

quarta-feira, 29 de maio de 2013

«O Tempo, protagonista da Poesia Barroca»

DO MEIO DIA

                           48

          Sobe ao ponto brilhante, o' Phebo ardente
          E o divino licor da pura fonte
          Banhe a circunferência do horizonte,
De ardor enchendo o Ceo, de luz agente.
No throno do Zenith teu rosto aquente
          Como o valle abatido, o excelso monte,
          E com igual distancia se remonte
          Dos districtos da Aurora, & do Occidente.
Parte a diáfana luz do claro dia,
          E na fragoa de nítidos fulgores
          Arda toda a redonda monarquia.
E eu cuberto de míseros horrores,
          Cheo de huma mortal melancolia
Fuja as luzes, profane os resplendores.


DA TARDE

                           49

Vem, o' benigna tarde; & em torno gira
          O abrazado esplendor da clara esphera,
          E ao florido matiz da Primavera
Docemente o Favonio lhe respira.
          As lisongeiras, auras a celera;
          E no fresco dos Zephyros tempera
          Os acendidos campos de Saphira.
Guia o brilhante Apollo ao lento Occazo
          E refresca, abatendo o ardor esquivo
          As métricas alturas do Parnazo:
Depois vem; & verás meu peito activo,
          Tão ígneo, que na chama em que me abrazo
Ardo morrendo, & abrazado vivo.

DA NOITE

                           50

Deita, o' noite funesta o negro manto
          Pela aerea, e terrena arquitectura,
          E influa de teu rosto a pompa escuta
Nos medrosos mortaes confuso espanto.
Do sepultado Phebo ao fogo santo
          Receba o pardo círio a chama impura,
          E expulse a imagem da mortal figura
          O mal sofrido horror do eterno pranto.
Infunda, pois, teu rosto entristecido
          Silencio infausto em toda a redondeza,
          Desperta a treva, o lume adormecido.
Alegre eu só; que he tal a natureza
          De hu tão triste, infeliz, como affligido;
          Que descança entre as sombras da tristeza.

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(continua) pp.45  

terça-feira, 28 de maio de 2013

«O Tempo, protagonista da Poesia Barroca»

INVECTIVA

DESORDENADA TAREA DEL TIEMPO.

                         46

Traidoras horas, que com fuerça ímpia,
          Arrebatando al tiempo el passo lento,
          Tardas siempre passais em mi tormento,
Siempre ligeras en la gloria mia.
Que de balde os detiene el alegria!
          Que en vano os apressura el sentimiento!
          Pues huyendo a la prissa del contento,
          La perèza com mi dolor porfia.
Yô nò se que solicita eficacia
          Os incita; yô no se que desventura
          Os detiene en rebelde contumacia.
Imagino que el Cielo hazer procura
          La eternidad del Evo en mi desgracia,
          El estrago del tiempo en mi ventura.


DA MANHAÃ

                          47

Acende o' branca Nynfa, a luz sagrada,
          E ao Ceo correndo a fúnebre cortina,
          Traze a tocha da chama matutina,
Dos tímidos mortaes, tão desejada.
De derretido aljôfar adornada
          O duvidoso rayo determina;
          Os assopros subtiz da madrugada.
Espalha com a roxa claridade
          A alegria cabal do humano alento,
          Pondo a Esphera em risonha suavidade.
E continua o curso a meu tormento:
          Todo o Mundo te espera com vontade,
          E eu te recebo só com sentimento.

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(continua)pp.44

segunda-feira, 27 de maio de 2013

«O Tempo, protagonista da Poesia Barroca»

EXQUISITA ESTRATAGEMA
do vencimento


                    20

Afecto he já, o que era urbanidade;
          Já o ídolo n'alma tenho aceito;
          Viose nunca que as aras do respeito;
Lograssem sacrifício da vontade?
Pois esta he de amor a falcidade,
          Livre entrey, mas atado a seu preceito,
          Com tanta injuria estou, que me deleito
          De que tenha perdida a liberdade.
Não hà mais injustíssima violência
          Que me prenda à trayção, que a fantasia
          Me arraste sem nenhuma resistência,
Ea o tempo que me vexa, & me injuria,
          Que queira que eu lhe faça a continência
          De lhe louvar também a aleivosia.


PODEROSOS EFEITOS DO TEMPO
& da desventura

                    35

Depois de tanto tempo mal gastado;
          E em contínuos trabalhos consumido;
          Segunda vez me vejo reduzido,
A onde o objecto està de meu cuidado:
Que differente tudo! Que mudado
          Meus olhos estão vendo! Ou meu sentido
          Mo finge, ou he verdade que hão perdido
          Todas as cousas seu primeyro estado.
Esta não he a fonte, nem he esta
          A campanha, os curraes, os arvoredos,
          A serra, o rio, o mato, nem a gente:
Mudou-se o valle, o monte, & a floresta,
          Mudarão-se também estes penedos;
          Sò meu mal estâ firme, & permanente.

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(continua) pp.43

sábado, 25 de maio de 2013

«O Tempo, protagonista da Poesia Barroca»

AS  RIMAS
De
Francisco
De Pina, de Mello
MOÇO FIDALGO DA CASA DE SUA
MAGESTADE.

Primeira, & segunda Parte

Offerecidas

Ao Excelentissimo Senhor
D. GABRIEL
DE ALENCASTRO, PONC, E DE LEON,
Duque
De Aveiro, e de Banhos

Coimbra:

Na officina de Joseph Antunes da Sylva
Impressor da Universidade, & familiar do Santo Oficio
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Com todas as licenças necessárias
Anno de MDCCXXVII

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                 3

PRIMEYRA PARTE

                 15

Exquisita Idea do Fado

Quando me ponho a ver minha tristeza,
          Cuido mil annos tem meu sentimento,
          E se olha para vòs o pensamento,
Sempre encontra mayor vossa belleza
E inda vay minha dor, & a natureza.
          Da vossa bizarria em crescimento:
          Com que se hà cousa igual a meu tormento,
          Sò pode ser a vossa gentileza.
Em vez da temporal voracidade
          Gastar a perfeição, & a desventura,
          Augmenta a pena, estende a divindade.
Ora veja o que o Fado conjectura?
          Quer fazer huma nova eternidade
De meu mal, & de vossa fermosura.
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(continua) pp.42

«O Tempo, protagonista da Poesia Barroca»

V Tomo

MANDANDOSE UN RELOX
De movimiento en una ausência

SONETO

Que importa, ò Laura, pues mi amor ignoras
          Que esse relox, q a mi cuidado enbias,
          La mudanza me apunte de los dias,
          Si la igualdad me cuenta de las horas.
Muestre su movimiento a las Auroras
          Quan varias son; que las firmezas mias
          Nunca podràn frustrarse a las porfias,
          Que ha tanto son a tu Deidad deudoras.
Si pues firme en su proprio movimiento
          Mi de un relox con tan igual decoro
          Un hora, un punto, un atomo, un momento;
Que importa, ò Laura, que este mal que lloro,
          Te diga en las mudanzas, que me ausento
          Si muestra en las firmezas, que te adoro?

Anonymo


Na occasiaõ em que o Real Convento do Carmo de Lisboa
Celebrou a noticia do Papa Benedicto XIII.
ter mandado que em toda a Igreja se rezasse
da Senhora do Carmo, fez o mesmo
Autor o seguinte

SONETO

Virgem fermosa, honra do Carmelo,
          A quem o Sacro Empirio reverente
          Louvores mil, alterna docemente
          Do Candor que lograes, sem paralelo,
Fazey do affecto meu, eterno prelo
          Porque estampado fique, & permanente
          No vosso doce amor, com zelo ardente
         Em cada coraçaõ hum Mongibelo.
Para gloria de toda a Christandade
          Hoje o vosso louvor, faz mais jocundo
          De Benedicto Summo a Santidade.
Pois gravou seu espírito profundo
          No Padraõ immortal da Eternidade
          Solemne o vosso culto em todo o mundo.
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(continua) pp.41

quarta-feira, 22 de maio de 2013

«O Tempo, protagonista da Poesia Barroca»

                3

Sabey, Idolo de neve,
Que o Menino Deos arqueyro,
He por setas muy ligeyro,
E por azas muyto leve:
Amay pois em tempo breve,
Deyxay taõ cançado modo,
Porque amor, que he preça todo,
Dos vagares naõ se enoje;
Vida fallayme hoje,
Que a manhã vem longe.

                 4

A flor, que entre espinhos mora,
Que quando as aves daõ salva,
Recolhe perolas da Alva
Entre nacares de Flora:
Quando a Abelhinha a namora
Logo defere a Abelhinha,
Nunca pois a flor Rainha
Ser taõ dura se lhe antoje;
Vida fallayme hoje,
Que a manhã vem longe.

                 5

O Sol, que, qual gyrasol,
A vossas luzes se entrega,
Tão veloz corre, que chega
De hum mundo a outro com Sol:
Imitay pois seu farol,
Para que naõ se repare,
Em que hum Sol na terra pare,
E no Ceo hum Sol se arroje.
Vida fallayme hoje,
Que a manhã vem longe.
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Nesta glosa de Jerónimo Baía vemos representado o "cerpe diem" de Horácio. A urgência de se viver o Amor, "...hoje,/ que a manhã vem longe". "... a quem foge o pensamento,/ Também o tempo lhe foge" - metáfora hiperbólica do fluir do tempo, que o pensamento transforma.
"Ah deixai tanta tardança, (...) minha afeição não se cança,/ Mas temo que a vida falte" - personificação da "afeição" e da própria vida: "Vida falai-me hoje..."
"Sabei, Ídolo de neve" - metáfora da brancura da sua amada, e da sua frieza. "Que o Menino Deus arqueiro" - metáfora de Cupido, filho de Vénus, que apesar da sua cegueira, é "ligeiro" a atirar as setas e a "voar" com as suas asas. "A flor, que entre espinhos mora," - personificação; analogia com a jovem. "Recolhe pérolas de Alva"- metáfora das gotas de orvalho da manhã, ou das lágrimas de Aurora.
"O Sol, que, qual girassol" - Comparação com a flor. "Tão veloz corre, que chega/ De um mundo a outro com Sol" - personificação do Sol, e, metáfora hiperbolizada do giro do sol, de Oriente ao Ocidente.
"Imitai pois seu farol" - metáfora da luz do sol. "Em que um Sol na terra pare" - personificação do sol e metáfora da vida que pode parar, na sua morte. 
"E no Céu um Sol se arroje." -metáfora da morte da amada que, qual anjo, pode ir, como um Sol, para o Céu, sem ter vivido a vida.
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(continua) pp.39/40 

terça-feira, 21 de maio de 2013

«O Tempo, protagonista da Poesia Barroca»

IV TOMO

PENANDO AUZENTE, E PRESENTE

MADRIGAL

Se a vossos olhos chego,
Se deles me desvio
Na dura auzencia, & no suave emprego,
Hum incêndio padeço, & choro hum rio;
E sempre em tal pezar, & prazer tanto,
Se turba a vista em luz, se turba em pranto,
Ay como temo, que me façaõ cego,
De ver no gosto, & de naõ ver na magoa,
Vossos olhos cô fogo, & os meus cô agua.

J. Baya


GLOSA DO MESMO AUTHOR.

Vida fallayme hoje
Que a manhã vem longe

DECIMAS

                1

Senhora, que sois de Amor
Melhor Vénus, mor Deidade,
Vós menos que flor na idade,
Na lindeza mais que flor,
Abranday tanto rigor,
Sem esperar hum momento,
Que aquém foge o pensamento,
Também o tempo lhe foge;
Vida fallayme hoje, 
Que a manhã vem longe.

                 2

Ah deyxay tanta tardança,
Pois sinto, doce Sirena,
Eternidades de pena,
Em minutos de esperança:
Minha affeyçaõ naõ se cança,
Mas temo que a vida falte,
Antes que amor vos assalte,
E do desdém vos despoje;
Vida fallayme hoje,
Que a manhã vem longe.
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(continua) pp.38/39

segunda-feira, 20 de maio de 2013

«O Tempo, protagonista da Poesia Barroca»

SONHANDO QUE VIA
A MARCIA

SONETO

Pintais, sono gentil, com bello ornato
          Meu claro Sol, na vossa sombra escura,
          Que posto que da morte sois retrato
          Retrato sabeis ser da fermosura.
Eu vendo o grato rosto, & peyto ingrato,
          Quando fermosa a sigo, a temo dura
          Porèm firme no amor, fácil no trato,
          Me coroa a esperança, a fè me jura.
Cante pois por tal gloria, por tal sorte
          Cante vosso louvor minha Thalia
          No Occaso, no Oriente, Sul, & Norte.
Chamevos clara luz, não sombra fria,
          Causa da vida, não irmão da morte,
          Filho da noyte não, mas pay do dia.

J. Baya 

quinta-feira, 16 de maio de 2013

«O Tempo, protagonista da Poesia Barroca»

A UM PASSARO CANTANDO

SONETO

Que alegre pendurado de hum raminho
          Cantando em alta vós estas contente,
          Sem temeres o mal estando auzente,
          Que te espera, ó incauto Passarinho!
Acorda pois depreça, que adivinho
          Se tardares hum pouco, descontente
          Inda mal choraras eternamente
          O roubo de teus filhos, & teu ninho.
Faze jà de meus males claro espelho,
          Pois por viver auzente, & confiado,
          Perdi tudo o que tinha merecido.
Mas ah! Que tarde tomas meus conselhos!
          Na perda ficaràs desenganado,
          Jà que cantas auzente, & divertido.

Anonymo


DO INFANTE D. LUIS

SONETO MORAL.

Horas breves do meu contentamento
          Nunca me pareceu, quando vos tinha,
          Que vos visse mudadas tão azinha
          Em tão compridos annos de tormento.
Os meus castelos, que fundey no vento,
          O vento mos levou, que mos sostinha,
          Do mal, que me ficou, a culpa he minha,
          Pois sobre cousas vans fis fundamento.
Amor com falsas mostras apparece,
          Tudo possível faz, tudo assegura,
          E logo no melhor desaparece.
Oh dano grande, oh grande desventura!
          Que por pequeno bê, que em fim fallece,
          Se aventura hum bem, que sempre dura.
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(continua) pp.37/38

quarta-feira, 15 de maio de 2013

«O Tempo, protagonista da Poesia Barroca»

III TOMO

A Hum Rouxinol Cantando

Soneto
          Ramilhete animado, flor do vento
          Que alegremente teus ciúmes choras,
          Tu cantando teu mal, teu mal melhoras, 
Eu digo minha dor ao sofrimento,
          Tu cantas teu pezar, a quem namoras,
          Tu esperas o bem todas as horas,
          Eu temo qualquer mal todo o momento.
Ambos agora estamos padecendo
          Por decreto cruel do Deos Menino;
          Mas eu padeço mais, só porque entendo.
Que he tão duro,& cruel o meu destino,
          Que tu choras o mal, que estás sofrendo,
          Eu choro o mal, que soffro, & q imagino.

Francisco de Vasconcelos

Sobre Las Palabras de Job

DIES MEI TRANSIUNT

SONETO

Buelan las horas, passanse los dias,
           Corren los meses, huyense los annos,
          Y nuestra vida hidropica de engaños
          Breve ambiciones, pasce tyranias;
Sim ver que el gusto es todo fantesias,
          Sin que la vida aprenda de sus daños,
          Que el alma, q'arrastrou sus desengaños,
          Es toda a su delicto idolatrias:
O' mundo ciego, a la rason difunto,
          Como no ha hecho en ti más movimiêto
          Verte al peligro por instantes junto?
Dexa la liviandad, mira de asiento,
          Que ha de espirar la vida a cada punto,
          Pues se muere la edad cada momento.

J. Freyre de Andrade

SOBRE AS PALAVRAS DE JOB

QUI  QUASIFLOS EGREDITUR, & CONTERITUR.

SONETO

Si la vida del hombre incierta, y breve,
          Es luz, que passa, y flor, que se marchita,
          Para que fin el alma solecita
          De humano bien la vanidade aleve?
El mismo passo, que a vivir se mueve,
          Para la muerte el tiempo precipita;
          Y los estragos de su gusto incita,
          Quien con más prisa sus engaños beve.
Pues si la vida un punto apenas dura,
         Y es voz que nos avisa el mismo daño,
         Quien esta luz ephimeral procura?
O' fi el mundo faliera de su engaño,
          Que escarmiento no fuera una ventura!
          Que ventura no fuera un desengaño!
J. Freyre de Andrade

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Poemas que ilustram o protagonismo do tempo na linguagem barroca. Bem à maneira de Gongora, aqui está retratada a passagem do tempo que provoca danos e "quem com mais pressa seus enganos bebe" mais vê que a "ventura" é um "desengano". - Metáfora da passagem do tempo e do engano/desengano.
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(continua) pp.36/37

segunda-feira, 13 de maio de 2013

«O Tempo, protagonista da Poesia Barroca»

II TOMO

A HUMA ROSA

Romance

          Como tens tão pouca vida?
          Quem tão depressa te mata?
          Flor do mais illustre sangue
          Que deu de Vénus a planta?
Huma Aurora só que vives
          Flores te chamão Monarcha
          Na mesma do Império,
          Que foi berço, tens a campa.
Lastima da tarde chamão
          A ti doce mimo da alva,
          Gentil pérola nascida
         Entre concha de esmeralda.
Águia nos voos florentes
          Estendes ao Sol as azas,
          Mas quando os rayos lhe logras
          Fenis em rayos te abrasas.
Em quanto em verde clausura
          Te fecha o botão as galas,
          Paras os logros que desejas
          Te dão vida as esperanças.
Mas quando a púrpura bella
         Te serve jà de mortalha
         Sentido o Sol chora rayos,
         Buscando a morte nas agoas.
De fermosura tão rica
          Não sey quem foy o pyrata
          Tão attrevido, que rouba,
          A Joya da madrugada.

J. Bahia


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Um poema metafórico e hiperbólico que nos mostra a brevidade da vida na personificação da rosa. Beleza a quem o tempo condena."Uma Aurora só que vives",- metáfora do tempo, um só dia tem a rosa de esplendor, mesmo que filha de Vénus. "Sentido o Sol chora raios,/ Buscando a morte nas águas" - personificação do Sol, que "chora", mas, com os seus "raios", leva a rosa à morte. Metáfora do poente e da morte, quando o sol se esconde no mar e se faz noite. "A Jóia da madrugada," - metáfora do alvorecer do dia e da juventude efémera.
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(continua) pp.35

sexta-feira, 10 de maio de 2013

«O Tempo, protagonista da Poesia Barroca»

EPITAFIO
Na sepultura de Lydia

Por hum anonymo.

Soneto

Esta, que vês, errante peregrino,
Urna funesta em mármore erigida,
       He sepulchro horroroso de huma vida
                Morta ás mãos, ou da Parca, ou do destino:
         Foylhe mortal doença o amor mais fino,
   O querer bem lhe foy fero homicida; 
       Se fosse, como quis, tam bem querida
                                                        O tempo contaria Nestorino:
 Lydia jaz aqui, Lydia desgraçada,
     Lydia aquelle de amor raro portento,
           Mas ah! Não cuydes, não, que sepultada
       Entre as cinzas está do esquecimento,
      Está viva Lydia, ainda que enterrada,
               Que inda em seu peyto amor infunde alento.

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"Urna funesta em mármore erigida" - metáfora da morte/vida em "estátua"erigida. Morte por amor: "Foi-lhe mortal doença o amor mais fino." - Hipérbole e adjectivação do amor.
"O tempo contaria Nestorino" - metáfora do longo tempo que viveu Nestor, a quem Apolo concedeu uma idade avançada. Nestor que surge, tanto na Ilídia como na Odisseia, como um ancião sensato, corajoso, bom conselheiro. Se Lídia tivesse sido amada como desejava, talvez Apolo lhe concedesse viver uma longa vida. Mas, "Está viva Lídia, ainda que enterrada"; - antítese, da vida/morte que leva a que o tempo seja incapaz de destruir o Amor. Ele vive no Mito.
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A HUMAS SAUDADES

SONETO

Saudades de meu bem, que noyte, & dia
                    A alma atormentais; se he vosso intento
           Acabaresme a vida com tormento
       Mais lisonja será, que tyrannia,
                                                   Mas quando me matar vossa porfia,
               De morrer tenho tal contentamento,
                    Que em me matando vosso sentimento,
               Me há de ressuscitar minha alegria:
                                                   Porém matayme embora, que pretendo
          Satisfazer com mortes repetidas
              O que à bellesa sua estou devendo;
                                                    Vidas me day para tirarme  vidas,
                         Que ao grande gosto, cõ q as for perdendo,
              Serão todas as mortes bem devidas. 

A. Barbosa Bacelar
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(continua) pp.34

quinta-feira, 9 de maio de 2013

«O Tempo, protagonista da Poesia Barroca»

(Continuação)

44 -"Torna atrás, que no bem que desestimas,/ Mais riquezas terás, do que procuras," - metáfora do Amor que tem "mais riquezas" do que as que procura em "estranhos climas" - metáfora das terras de além mar.

57 - "Parto a fazer lisonja ao alvedrio" - metáfora hiperbólica do livre-arbítrio.

66 - "mas como a natureza cuidadosa" - personificação da natureza. Estrofe construída com antíteses, vida versus morte.

67 - O tempo, a Estação do Inverno, personificada. "Derretidos cristais disfarça em prata" - metáfora das gotas de orvalho que se transformam em neve.
"Se prende em fogo, se desata em água". - Metáfora antitética da dor ardente encoberta e do caudal de lágrimas.

113 - O engano e desengano está presente na estrofe através da antítese: "De que fiquei sem ti, se estou comigo! / Não te partiste, não, que por teu dano/ Era força partir também contigo": (...) " Me não saiba deixar, por não deixar-te."

123 - Utilização do vocativo; - personificação do Céu, do Dia e do Mar; adjectivação do amado como "ingrato" que prefere a "beleza" do Céu, e o  seu trabalho de militar no Mar.

125 - Enumeração, personificação e invocação dos elementos da natureza que retratam e lhe dão "a imagem" do seu "bem", para que tenham pena do seu sofrimento e sejam "testemunhas" do seu "doce engano" - metáfora do amor. "Imitareis ao vivo este tirano" - metáfora hiperbólica do amor e do amado. (Por analogia com a poesia que imita a vida e a retrata no tempo e sofrimento)

128 - Intervenção do narrador nas falas da personagem, ("diz Lídia/torna a dizer"). "Porque me mata este rigor violento" - metáfora do amor que dá a morte.

131 - A morte está turbada, está corrida" - personificação e adjectivação da morte, mas como personificação do mal, "... a dois troféus ufana/ Mata por bela, mata por tirana." - anástrofe (repetição do verbo), adjectivação da morte e enumeração: "dois, Armido e Lídia mata. Metáfora do verdadeiro amor; dois em um. Morre Lídia, morre Armido.

133 - "Oh Tirana pensão de um pensamento/ Porque se chama amor ao que é tormento!" - personificação da tirania que "impõe" a ideia do amor. Antítese; amor/tormento.

134 - "Sobeja em Lídia o amor, falta a ventura" - antítese; demonstração de que o amor é portador da desventura.

135 - "No templo  te eterniza da tua fama" - metáfora do amor eternizado na morte.
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(continua)pp.33

sábado, 4 de maio de 2013

«O Tempo, protagonista da Poesia Barroca»

(Continuação)

1- "Era o tempo, em que pálido retrata/ Seus ardores o Sol na Thetis fria," - metáfora de um tempo de guerra, e, personificação do Sol e de Tétis, com adjectivação qualificativa. (Tétis, divindade marítima, a mais célebre entre as Nereides, toma o leme da nau Argos. Recusa o amor de Zeus ("fria"), e é inacessível aos amores dos deuses. Peleu desposou-a e dela nasceu o herói Aquiles. Nem Tétis o salvou do seu destino fatal.) Os dois primeiros versos do poema anunciam antecipadamente (prospecção) aquilo que vai acontecer a este trágico amor, com a partida de Armido para a guerra.
"Porque em berços de neve morre o dia" - metáfora do fim de um dia  de Inverno; personificação do dia.
"Quando entre escuma de mentida prata;" - metáfora das ondas a rebentar na areia, quando se desfazem em espuma.
" O vento com gentil descortesia;" - personificação do vento, e adjectivação antitéctica.  "Inchava as ondas, e batia as velas;"  - metáfora adjectivada da tempestade.

2 - "E o tambor guerreiro se dobrava," - personificação, adjectivação e metáfora da guerra, reforçada pela hipérbole adjectivante de "horrendo som".
"Plantas de galas, e jardim de plumas"; - metáfora dos "louros" do soldado que vence na guerra.

3 - " Graças de natureza, alentos da arte;/ Em quem juntou amor a competir-se/ Galhardias de Adónis, leis de Marte," - metáforas das artes do poeta, que junta em si Adónis, o belo, aquele que divide o tempo entre Afrodite (ou dois terços) e Perséfone, e, em si contém, igualmente Marte, o "horrendo" deus da guerra. (aventura e desventura do poeta).

4 - "Que como é guerra amor, braço imperioso;" - Comparação da guerra com o amor, metáfora do braço-de-ferro que o amor trava com a guerra, que o proíbe, o torna impossível.

5 - "Altas prendas de Lídia, que por belas,/ Nelas a ser estrelas, e as flores" - metáforas adjectivadas das qualidades e virtudes de Lídia.

6 - Estrofe construída com ideias antitéticas e em quiasmo: - "Ausentar-se sem vê-la não ousava/ vê-la e logo ausentar-se não podia:" (...)"No valor uma morte pressentia; (...) Uma morte vencia em outra morte."

11 - "Ai caduco prazer, falsa ventura/ Sombra vã, leve flor, doce mentira!" - metáforas adjectivadas do tempo enganador, do desengano, do amor como "doce mentira".

15 - Antíteses e hipérboles constroem esta estrofe. O destino injusto, "fado iníquo", "as duras leis" dita: Porque, se porque ficas, cá me fico, / Também porque me levo, lá te levo."

32 - "Solicitas no sangue altas memórias", - metáfora dos valores de honra dos antepassados, que faziam com que os jovens não pudessem deixar de ir à guerra.
"Deixando a Vénus por seguir a Marte?" - metáfora interrogativa da troca do amor pela guerra. Personificação do Amor (Vénus) e da Guerra (Marte).
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(continua) pp.32   
  

sexta-feira, 3 de maio de 2013

«O Tempo, protagonista da Poesia Barroca»

(Continuação)

                       123.

Mas vós Ceo, cujas luzes veste o dia,
Vós, mar, cujos crystaes encrespa o vento,
Sede, pois que de vós meu bem se fia,
Testemunhas aqui de meu tormento:
Ouvi deste suspiros a porfia,
Notay destes desdéns o sofrimento,
Mas como vos mostrais, tendo esse ingrato
Sua bellesa no Ceo, no mar seu trato?

                        125.

Ceos estrellas, penhascos, ondas, ventos,
Que retratais meu bem, q ouvis meu dano,
Doey-vos do rigor de meus tormentos,
Se quer co a imagem só de hu doce engano;
Para penar day vida a meos alentos,
Imitareis ao vivo este tyrano,
Que, pois seu gosto minha morte ordena,
Em mim que menos morre, he que(m) mais pena.

                          128.

Eu morro, ingrato meu, eu morro ausente,
(Dis Lydia) & jà turbado o brando alento,
Entre suspiros tristes docemente
Rompe o Ceo, move o ar, abranda o vento,
Morro, (torna a dizer) morro contente,
Porque me mata este rigor violento,
De que vàs (mas aqui jà sem sentido,
Indo a dizer armado) disse Armido.

                        131.

Tal Lydia desmayada, tal sem vida,
A's leis de seu tormento não resiste,
Nella vendo a tristesa taõ valida,
Deseja a formosura de ser triste:
A morte està turbada, està corrida
De ver quam bella, quam fermosa assise
Quando a seu rosto a dous trofeos ufana
Mata por bella, mata por tyranna.

                       133.

Que pena se atreveu ao Ceo brilhante
Deste rosto gentil, donde a ventura,
Dando as mãos ao discreto, & ao galante,
Pazes fez entre a sorte, & fermosura?
Quem desmayou o Sol, quem desse Atlante
Rendeu a neve, reclinou a alvura?
Oh Tyranna pensão de hum pensamento,
Porque se chama amor o que he tormento!

                        134.

Amava Lydia, por isto se aventura,
Rompendo os previlegios de bellesa,
Porque a dor, que no aggravo está segura,
Menos deve ao descuydo, que à firmesa,
Sobeja em Lydia o amor, falta a ventura,
Nella a morte he rigor, mas he finesa,
Pois morre só por fé de achar rendida
Para mais largo amor mais larga vida.

                       135.

Fermosura gentil, que tanto amaste,
Que por amar sem vida a deste,
E tanto por teu bem te desvelaste,
Que perdido teu bem, tu te perdeste:
Este amor, a quem firme obedeceste,
No templo te eterniza da sua fama,
Onde sempre bem vive, quem bem ama.
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Temos uma  narrativa com duas personagens em diálogo e um narrador que conta e intervém na acção.
O tempo, surge neste longo  poema como destruidor da esperança, da felicidade e do amor. A separação dos amantes, a saudade, é portadora de um tempo de destruição e de morte. Engano e desengano, ilusão e desilusão.
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(continua) pp.30/31