quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

«O Tempo, protagonista da Poesia Barroca»

O fim do século XVII, e o século XVIII, assiste a "um verdadeiro renascimento da retórica", o gosto estilístico da linguagem acompanha todo o esplendor de uma época áurea, em que se assiste ao "levantamento de arcos triunfais e outras construções, em materiais perecíveis ou duradoiros, para assinalar acontecimentos festivos ligados com a vida dos povos e em especial dos seus governantes." (1) Arcos de Triunfo que, à semelhança da antiguidade clássica, principalmente da civilização Romana, se erguiam como "a mais alta honra" que se podia prestar a um chefe militar, - de que foi exemplo a entrada triunfal, em Roma, de Cipião, O Africano -, atingiam o seu "apogeu na época moderna."
"Da entrada de Filipe III em Lisboa, em 1619, conhecemos a magnificência das ornamentações, através das 14 belas gravuras inseridas no livro de Lavanha. (2) (...) O próprio Filipe III se maravilha com tudo isto, sentindo-se alcançar a dimensão que faltava ao seu reinado decadente mas dourado. (...) Mais arcos de triunfo e outros aparatos se construíram em 1622, quando os jesuítas celebraram com grande espectacularidade a canonização de Santo Inácio de Loiola e S. Francisco Xavier, e em 1662, para festejar o casamento da infanta D. Catarina com Carlos II de Inglaterra."
"Celebres ficaram os arcos que a cidade de Antuérpia erigiu para a entrada do cardeal-arquiduque Fernando (17 de Abril de 1635), desenhados e dirigidos na sua  construção por Rubens, em que a inspiração deste artista se soltou numa arquitectura rica de fantasia, movimento e gosto pictórico, adaptadíssima a este género de construções efémeras e decorativas. Ainda existe a tela de um desses arcos, O Triunfo de Fernando, hoje na galeria florentina dos Uffísi." (3)
"A pintura a fingir pedras raras aparece já nos arcos de 1581, da entrada de Filipe II. Pode-se dizer que foi através de todas estas construções efémeras que os artistas portugueses desenvolveram a extraordinária habilidade de pintar pedrarias que se torna uma das características mais notáveis dos retábulos de talha da época pombalina." (4)
Portugal mostra ao resto da Europa o máximo apogeu desta arte, durante as cerimónias do segundo casamento de D. Pedro II, que se irá repetir, mesmo que sem a  mesma pompa e circunstância, no enlace de D. João V e de D. José I. Arquitectos como Matheus de Couto, ou Luís Nuno Tinoco, participaram destas construções, assim como vários dos nossos pintores.
Bento Coelho, que se formou em contacto com a pintura desta época, deu contributo, possivelmente, a  todas estas manifestações, visto que a par de Reinoso, Avelar Rebelo, Domingos da Cunha e Diogo Pereira, era expoente na sua arte. Ele "foi o pintor português que melhor soube receber a lição de rubenismo para a adaptar às necessidades locais, tendo grandemente contribuído para a definição duma modalidade de decoração do espaço eclesiástico, típica dos finais do século." (5) "Dois aspectos da Sala do Despacho do convento de Nossa Senhora da Quietação (Flamengas), no largo do Calvário, em Lisboa, são-lhe atribuídas. A sala, pela sua decoração em azulejo, talha e pintura, apresenta-se como um espaço barroco afim da concepção da Igreja «toda forrada a ouro», já que o próprio tecto prolonga o revestimento de pinturas. O tema é novamente o da vida de Cristo e da Virgem, como foi norma durante este período. (...) A coroação da Virgem é a composição que ocupa a zona central do tecto, funcionando como a chave de todo o conjunto. (...) O movimento em turbilhão luminoso dos pequenos anjos oferece talvez o sinal de intenção barroca mais declarada, complementar do tom dramático e teatral das restantes telas." (6) Este "artista será nomeado pintor régio em 1678, sucedendo no cargo a Domingos Vieira." (7)
___________________________________________________________________
p.2 (continua)
___________
Notas: 
(1) BORGES, Nelson Correia,  A Arte Nas Festas do Casamento de D. Pedro II, Paisagem Editora, Porto, pp.81. (2) Idem, pp.93. (3) Idem, pp.91. (4) Idem, pp.105.
(5) SOBRAL, Luís de Moura, Pintura e Poesia Na Época Barroca, Editorial Estampa, Lda., Lisboa, 1994, pp.23. (7) Idem, pp.22.
(6) MOURA, Carlos, História Da Arte Em Portugal, Publicações Alfa, Lisboa, 1993, pp.143. 

sábado, 22 de dezembro de 2012

«O Tempo, protagonista da Poesia Barroca»

"Es luz, que passa, y flor que se marchita"


INTRODUÇÃO

«A linguagem da poesia barroca»

I

Teremos que recuar às antigas Poéticas de Platão, Aristóteles e Horácio para melhor compreender a linguagem da poesia barroca. Mas a Poética explicará, por si só, toda a riqueza deste "estilo inconfundível marcado por excessos tanto temáticos, como formais?" Cremos que não. A "poesia (barroca) é resultado de um inefável equilíbrio fonético que ecoa uma retórica tão leve que parece não atingir dimensão nem estar assente em referentes concretos organizados." Esse inefável equilíbrio" terá sido conseguido porque a Retórica  de Aristóteles se aliou às Poéticas para encaminhar os estudos dos nossos poetas, o que permitiu o uso de uma linguagem culta e um estilo que marcou, incontestavelmente, um tempo e um espaço, com "referentes concretos organizados."
Os estudos retóricos fizeram-se, mesmo que incipientes, desde os tempos medievais, como atestam as obras presentes nas livrarias dos mosteiros de Alcobaça e de Santa Cruz de Coimbra. Segundo Joaquim de Carvalho: "O sermão medieval foi uma composição que obedeceu a regras e preceitos, distante da prédica simples das primeiras gerações cristãs e das rajadas eloquentes do século XVII e dos que se lhe seguiram." Em 1432 a retórica era uma cadeira incluída no programa de estudos da Universidade de Lisboa e o próprio Infante D. Henrique, legou em testamento uma verba para que esse ensino continuasse.
Os rudimentos da retórica aprendiam-se no século XVI em todas as escolas e, em 1559, a Universidade de Coimbra tem como obrigatórias, na licenciatura em Artes, as cadeiras de gramática e retórica. Isso vai possibilitar o melhor conhecimento dos autores clássicos. Cícero, Horácio, Quintiliano, Séneca-o-Rector, Virgílio, Homero, e tantos outros, como Tasso, Dante ou Petrarca, preparam uma cultura sólida, sobre a qual irá assentar a "transgressão" da linguagem, na época barroca, marcada pela grande dúvida do "eu". A. Salgado Nunes diz-nos que é com "esta utilização da normalização retórica fora do âmbito escolar ou da preparação dos pregadores que se verifica a abertura do período barroco da nossa literatura."
Quando se inicia o século seguinte, continuam a ser os Jesuítas que estudam, publicam e ensinam poética e a arte de bem falar, com base nos princípios aristotélicos, mas, começam a surgir trabalhos literários fora do âmbito escolar e escolástico. Críticas à poesia de Camões, estudos sobre os textos literários, e a própria tradução da Poética de Aristóteles, assim como uma imensa produção literário-retórica. Discutia-se o emprego de palavras arcaicas ou de neologismos, da antonomásia, da paronomásia, da ironia, da metáfora, da hipérbole ou da antítese. Crescem as noções da clareza, da prática e disposição das palavras, da escrita como arte que, mesmo que seja "imitação" da natureza, se cultiva e aprende, porque a arte que não acrescenta nada à realidade não é arte.
_____________________________
(p.1) (Continua)

quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Boas Festas!

Para todos os meus seguidores em Portugal, no Brasil, na Alemanha, nos Estados Unidos, na Polónia, na Rússia, na Inglaterra, na França, na Roménia, em África, na Índia, na Coreia, na China, e em todos os países, para não me esquecer de nenhum, envio os meus Votos de Boas Festas e de um ANO NOVO de 2013 Repleto de FELICIDADES. Que os vossos sonhos se realizem com muita saúde e alegria para poderem continuar a ler os meus modestos trabalhos, as minhas pobres palavras, repletas de desabafos e de AMOR FRATERNAL por todo o Mundo. Um abraço Universal!  

sábado, 15 de dezembro de 2012

Trabalhos de Crítica textual - Bibliografia

BIBLIOGRAFIA

ARAGON, «D'un Grand Art Nouveau: La Recherche», In: Essais de Critique Génétique, Flammarion, Paris, s/d.

BLECUA, Alberto, Manual de Crítica Textual, Madrid, Castalia, 1983.

CASTRO, Ivo, «Filologia», In: Biblos, Enciclopédia Verbo das Literaturas de Língua Portuguesa.

GRÉSILLON, Almuth, Éléments de Critique Génétique. Lire les Manuscrits Modernes, Paris, P.U.F., s/d.

MAN, Paul, de, A Resistência à Teoria, Edições 70, Lisboa, 1989.

MAC GRANN, Jerome, J., A Critique of Modern Textual Criticism, Charlottesville e London, 1983, University Press of Virginia, 2ª ed., 1992.

PESSANHA, Camilo, Clepsydra, Relógio D'Água Editores, Lisboa, 1995.

PESSANHA, Camilo, Clepsydra, Assírio & Alvim, Editores, Lisboa, 2003.

PESSANHA, Camilo, Clepsidra e Outros Poemas, Círculo de Leitores,  Lisboa, 1987.

POE, Edgar Allen, Três Poemas e uma Génese, & etc., Lisboa, 1985.

PRIEGO, Miguel Ángel Pérez, La Edición de Textos, Síntesis, Madrid, 1987.

TAVANI, Giuseppe, «Edição genética e edição crítica-genética: duas metodologias ou duas filosofias?» In Revista da Biblioteca Nacional, Leituras, nº 5, Outono de 1999, pp. 143/149.

TAVANI, Giuseppe, «Edição Crítica», In: Dicionário da Literatura Medieval Galega e Portuguesa, Caminho, Lisboa, 1993.
___________________    

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Clepsydra de C. Pessanha - Resenha da Edição Assírio & Alvim e A. Barahona

(Continuação da Conclusão)

Poderá concluir-se, então, que todas as edições, mesmo as edições críticas, são passíveis de reparos. Acreditamos bem que sim, visto que a edição de 1920 que, se pretende canónica, não é de autor, nem foi por si corrigida, nem efectuada a montagem. Mesmo assim ainda teremos as "gralhas" de impressão, os erros de edição para edição, os textos que vão surgindo em novas investigações e com novas questões, etc.
A palavra "montagem" do livro, "montagem" do jornal, que referimos na introdução, e que tanta crítica tem movido acerca da Clepsydra ser ou não ser um livro uno, veio trazer-nos à memória a época do apogeu do formalismo russo. Por volta dos anos vinte do século passado, quando a avant-garde artística juntava poetas e romancistas que eram também, ao mesmo tempo, críticos dos mais notáveis, e teóricos da literatura, como Tynianov; Eisenstein, adoptou a palavra "montagem", no sentido de conjunto, que se torna a base da obra, neste caso cinematográfica. Mas que poderemos extrapolar para uma antologia poética. E porquê? Porque, como obra de arte, um livro de poesia, é "uma estrutura de pathos", que provoca no leitor efeitos emocionais.
Cremos que António Barahona defende a antologia de 1920 nesta perspectiva. Nela existe um "pathos" que será o "cântico" uno, do poeta que foi "crucificado". A sua própria vida. Contudo, aqueles críticos que tentaram aumentar o espólio do poeta com a recolha de «manuscritos flutuantes, ou outros achados precários», «viveiros de versões,» sabem que a montagem é um princípio dialéctico, é conflito. Talvez, por isso, eventualmente, poderão estar certos, uma vez que a antologia foi montada por Ana de Castro Osório e não, pessoalmente, por Camilo Pessanha, que se limitou a agradecer e a concordar.
Por fim, depois de Franchetti elogiar a "sensível interpretação" de Esther de Lemos, de Barahona dizer que a edição de Barbara Spaggiari é honesta e elucidativa quanto à filologia, mas que o "voo" da edição, deve ser de um poeta que interpreta outro poeta, perguntámo-nos: Qual será hoje a tarefa da crítica textual? A resposta talvez não seja fácil porque, apesar de qualquer crítica depender de se saber o que quer dizer um texto, não sabemos até que ponto poderemos ser categóricos ao afirmar o que é que nos quer dizer a Clepsydra de Pessanha. Qual é a sua "chave"!? É improvável. Talvez o Poeta Herberto Hélder nos responda a esta questão quando escreve:
«E leia-se como quiser, pois ficará sempre errado»
In: A Poesia é feita contra todos

Lisboa, 15 de Outubro de 2004
(pp.13)

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Clepsydra de C. Pessanha - Resenha da Edição de Assírio & Alvim e A. Barahona

(Continuação da Conclusão)

Barahona pressupõe que só ao poeta, que ama outro poeta, enquanto artífice da palavra, é dado conhecer o "mistério" da poesia. Para um poeta que ama outro poeta, a sua voz torna-se "inesquecível". Assume-se como poeta que ama Pessanha, por isso, para si, a sua voz é inesquecível, tal como o terá sido para Ana de Castro Osório. Logo, a primeira Clepsydra, será a "voz inesquecível" dos que amam, amaram, Pessanha.
Digamos, em abono da verdade, que consideramos hiperbólicas as palavras "irrefutáveis; nunca (jamais); só o poeta entende de poesia." Pensamos que nada é irrefutável e que tudo se pode contradizer. Quanto a dizer que o poeta "nunca (jamais)" escreve sozinho, na esteira da eterna tradição grega que coloca o Poeta como um mensageiro, um oráculo divino, também pode ser contestável. O autor ao assumir a poesia como uma "tarefa" de profissional, está naturalmente a aceitar que todo o "sacerdócio" se aprende ou que qualquer tarefa pode ser aperfeiçoada. A afirmação de que "só o poeta entende de poesia, não como professor..." está, à partida, a negar a possibilidade de Franchetti, como professor, ou Gustavo Rubim, de entender "o mistério" da poesia de Pessanha. Critica a própria edição crítica e a crítica em geral, sempre que esta não utiliza a 1ª edição como única fonte fidedigna. Verificamos isso mesmo quando Barahona diz: Ao contrário do que afirma Paulo Franchetti na introdução à sua Clepsydra, que não a de Camilo Pessanha...
Quanto à edição de que se serviu Esther de Lemos ser a de 1920, ao estudarmos a edição crítica de P. Franchetti encontramos, de facto, aquilo a que Barahona se refere, mas este editor crítico faz um elogio rasgado a "Esther de Lemos que escreveu a mais demorada e sensível interpretação da poesia de Pessanha" admitindo logo no início "do seu trabalho pioneiro" que «A Clepsydra não constitui um todo organizado; é sob aquele título, uma colectânea de poemas de Camilo Pessanha...» (pp.42) Franchetti trabalhou com a 2ª edição da Editorial Verbo, 1981, A «Clepsydra»  de  Camilo Pessanha, de Esther de Lemos, e em nota 9, Barahona  refere a 1ª edição.
Não podemos verificar se de facto existe esse erro nas datas, por parte de Franchetti, mas aquilo com que refuta a "distracção" de P. F. talvez não seja de todo aceitável. Presume-se deste reparo, que a leitura de P.F. não terá sido atenta, mas também se pode presumir que não vem, de forma explícita, na obra da estudiosa, o livro que lhe serviu de texto-base.
___________________________________
(Continua) Exc.12

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Clepsydra de C. Pessanha - Resenha da Edição Assírio & Alvim e A. Barahona

CONCLUSÃO

"O conteúdo da poesia reside na probabilidade do improvável"
Paul Vallery

Ao concluirmos esta breve descrição e resenha, não poderemos deixar de dizer que a edição conjunta de Assírio & Alvim e António Barahona, constituiu para nós uma surpresa, pela afirmação desassombrada e quase categórica da maior parte do seu posfácio. No entanto, também temos de dizer que concordamos com muitas das suas escolhas, opiniões e palavras que subscreveríamos sem hesitação.
A escolha de colocar primeiro todos os poemas que constituem esta Clepsydra, dita de Pessanha, agradou-nos porque sempre fomos avessos a ler grandes preâmbulos. O amor pela poesia leva o leitor directamente aos versos, como o sequioso à água que o consola. Começámos logo por observar, que as opções de fixação de texto eram muito distintas das de P. Franchetti.
Barahona adopta, na quadra da página 9, "Eu vi a luz num país perdido.", a ortografia e a acentuação actual, ao contrário da edição crítica de P. Franchetti que mantém a original (paiz; languida; podesse; deslisar). No entanto, a dado passo das suas notas, Barahona diz que Pessanha não aderiu ao acordo ortográfico de 1911 e que quis manter a grafia antiga na edição de 1920.
No primeiro soneto do livro, na página 12, (que Franchetti coloca na página 131, como o 49º poema), o 1º verso onde surge a palavra "complicadas", aparece em P.F. "opolentas" e a pontuação, que em Barahona termina com dois pontos, é em P.F. um ponto de exclamação. Assim temos não um só verso, mas dois versos: «Tatuagens complicadas do meu peito: » e "Tatuagens opulentas do meu peito!" Neste só soneto, são várias as diferenças de pontuação, do uso de grafia, de palavras, etc.
A pesquisa das diferenças encontradas entre os dois textos, levou-nos por caminhos nunca antes experimentados. O 2º soneto, ESTÁTUA, na edição de Barahona, é em Paulo Franchetti o 10º poema, na página 85; num apresenta-se a ortografia actualizada, noutro, a antiga, segundo preconizou Pessanha. Esta análise levar-nos-ia a um trabalho com a dimensão do livro em resenha e não caberia neste contexto. Contudo não poderemos deixar de revelar a surpresa que sentimos quando lemos que, "só um poeta pode reeditar a Clepsydra."
___________________
(continua) excerto 11

domingo, 9 de dezembro de 2012

Clepsydra de C. Pessanha - Resenha da Edição Assírio & Alvim e A. Barahona

III

Esta terceira parte sublinha que Camilo Pessanha é o maior Poeta Simbolista Português, apesar de, como estudante em Coimbra, se ter divorciado do movimento académico em que "pontificava Eugénio de Castro."
"A obra de arte, ou poema, é de uma solidão infinita, lá diz Rainer Maria Rilke." Pessanha viveu-a na solidão, sem aderir a escolas e, como único, construiu "as suas coordenadas culturais..." (pp.170)
A crítica acerada contra Gustavo Rubim volta a pontuar este texto e Barahona conclui que o seu trabalho naufraga mesmo junto à margem; cito:
"O navio de Gustavo Rubim, apesar da prudência e da bússola analítica, sem nunca perder de vista terra firme, acaba por naufragar nos recifes de Barthes, Derrida, Deleuze, Kristeva... a que se agarraram algumas lapas portuguesas, e no banco de areia de um mero historiador da literatura, Óscar Lopes, classificado por Rubim como «um dos mais importantes críticos literários portugueses» mas do qual apenas, e ambiguamente alguma mnemónica se resgata." (pp.172)
Nesta sua crítica, o autor advoga que "entre António Quadros e Óscar Lopes venha o diabo e escolha," pois ambos servem os seus opostos catecismos, uma vez que a poesia é instrumento do poeta e só através da sua presença funciona. Ou seja: "O poeta protagoniza sempre os seus poemas, porque lhes é interior: o eu que figura nos poemas consiste, portanto, numa realidade espiritual. O poeta só é exterior aos seus poemas depois de os escrever, e reescrever, quantas vezes forem necessárias, até alcançar a perfeita com-fusão e co-incidência consigo próprio, lírico, centro do mundo, homem universal."
Aqui fica a tese de António Barahona: só os poetas são os mais habilitados estudantes de poesia, eles não a definem, porque sabem "por experiência própria, na sua ignorância, em que consiste a poesia: espelho caleidoscópio das suas vidas e morte quotidianas, amores, memórias, leituras, viagens, privações etc., etc., que se estilhaça e dilui no seu próprio reflexo, transmutado em objecto infinito e reflexão." (pp.171)
Para este autor "há poetas que, por serem muito grandes, não cabem na história da literatura." (pp.173)
Mas mesmo que os calquem a pés juntos, fica sempre alguma coisa que canta com voz irredutível e soberana... a víscera do coração.
"Na Clepsydra de Pessanha, tal como na obra de Camões, perpassa a imaginação criadora da alma portuguesa..." (pp.170)
Termina o autor com Ruy Cinatti, o poeta que lhe abriu esta crítica da crítica, esta fixação de texto de Camilo Pessanha.

«A poesia é a autobiografia do poeta ou do nómada em escala de partida: o seu cântico»

O posfácio data de : Lisboa, 10 de Junho de 2002

Em P.S. novos agradecimentos. Desta feita a Luís Abel Ferreira, sem o qual esta tarefa não seria levada a bom termo.

Na página 175 iniciam-se as Notas que se prolongam até à 183ª página. Verso da página em branco e, na seguinte, 185, estão as Notas à fixação do texto da Clepsydra, que se prolongam até à 198.
Da página 199 à 205, seguem-se as Notas à fixação do texto de "Outros Poemas". Depois do verso da página em branco, temos a Cronologia, que se desenrola da página 207 à página 214. Na seguinte, 215, a Bibliografia. Na página 221, uma Tábua que serve de índice do livro.
Por fim, na página 222 e 223, o ÍNDICE DE TÍTULOS E PRIMEIROS VERSOS. Na última página, ao fundo e ao centro, o nome dos editores, a morada, e o nome de António Barahona (2003). O nº de edição, a data, Abril de 2003, e os respectivos registos, ISBN e Depósito Legal. A tiragem foi de 3000 exemplares. Como última informação o nome e a morada onde foi impresso o livro.
______________________________________________________
(Continua) p.10

sábado, 8 de dezembro de 2012

Clepsydra de C. Pessanha - Resenha da Edição Assírio & Alvim e A. Barahona

II

Esta segunda parte do posfácio inicia-se, na página 150,  com a transcrição de um excerto da carta de Pessanha a seu pai, datada de 1894. Em seguida, Barahona tece considerações sobre a religiosidade do Poeta. São várias as interrogações que se fazem e as respostas que se dão ao leitor, umas, baseadas no estudos de João Gaspar Simões,  outras, de Barahona, que defende o seu ponto de vista sobre esta questão. Recorre a Pascal, nos seus Fragments Polémiques, para melhor explicar a heresia, e, por fim, conclui que Pessanha "não era ateu e muito menos herético porque não excluía nenhuma verdade da verdade total..." Antes de continuar a sua exposição sobre o paradoxo de se negar a religião como cultura, cita João Gaspar Simões que escreveu na sua biografia de Pessanha: «A doença fazia dele um Cristo descido da cruz.»
Falta fazer-se o estudo teológico da Clepsydra e da personalidade do Poeta, na qualidade de Mestre espiritual." Afirma Barahona. Esse "mestre" que a António Osório de Castro pareceu um santo, e que Carlos Amaro conheceu com um "ar de Príncipe e de vagabundo, na sua imensa humildade e no seu infinito orgulho..." com uma "face que, em certos instantes, era iluminada a relâmpagos de deslumbrante e sobrenatural beleza!" Barahona conclui, depois de muitas citações,  que "também Camilo Pessanha, foi crucificado."
A biografia do Poeta vai-se desenrolando, ao longo desta segunda parte, com diversos argumentos e citações que servem para Barahona levantar a sua tese e concluir com o seguinte epílogo: Camilo Pessanha foi, é e será, a par de Mestre de Poesia, Mestre Espiritual; e, a par de Rimbaud, Mestre de Silêncio." Ele fazia parte daquela linguagem própria dos Poetas, "generosa" e pertencia também à "heróica" nobreza, pois, nas suas veias, circulava "o sangue da ilustre família genovesa, fundada em 1317 pelo Almirante de D. Dinis, Mister Manuel Pessagno ou Pezagno, à qual se orgulhava de pertencer, segundo o autor.
Resta ainda referir, a terminar esta segunda parte, o aspecto de Camilo Pessanha ter pertencido ao Grande Oriente Lusitano, e de ter tido o grau de Cavaleiro Rosa-Cruz. Barahona discorre sobre a Maçonaria, novamente com o apoio de muitas citações, e considera que, a este facto, não deve deixar de ter sido alheia "a influência da sua Irmã de Poesia, Ana de Castro Osório."  Induz, por fim, que maçon  por estratégia de estudo,  usou a Maçonaria como depósito de segredos da simbólica e da estrutura das catedrais,  a que não são alheias a estrutura e a simbólica da Clepsydra." (pp.165)
________________________________________________
(continua)  p.9

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Clepsydra de C. Pessanha - Resenha da Edição de Assírio & Alvim e A. Barahona

Barahona diz aos leitores que, "desde o Orpheu, por anúncio de Fernando Pessoa e Mário de Sá Carneiro que Camilo Pessanha é Mestre de poetas e, portanto, só um poeta pode reeditar a Clepsydra." (Em notas 27 e 28, explana as opiniões, dos dois Poetas citados, sobre a obra de Pessanha. Entre os maiores elogios, Mário de Sá Carneiro chama ao Poeta, ainda por editar, «o grande ritmista.» e diz que «os seus poemas engastam mágicas pedrarias que transmudam cores e músicas... em ritmos de sortilégio - cadências misteriosas...»)
A celebração de Pessanha pelos Poetas seus contemporâneos terá sido unânime, e, num amor incondicional, António Barahona afirma que o pequeno livro das Edições Lusitânia se tornou um «missal» destes Poetas e das gerações vindouras, "enquanto se falar, escrever e amar a língua portuguesa."
Seguidamente o autor diz-nos que a sua fixação de texto começa onde parou a investigação filológica" de Barbara Spaggiari, que considera honesta e "levada a bom termo". Nesta edição crítica, a autora inventaria e estuda minuciosamente, "todas as variantes genéticas e evolutivas dos Poemas de Camilo Pessanha." Esta edição será, por isso, "mais um alicerce, além dos três inicialmente consignados," do seu trabalho que considera edificante.
Por último, refere um outro alicerce que lhe serve também de "alerta e ponto de partida: um artigo de Mário Cesariny, publicado no extinto Jornal de Letras e Artes, em Novembro de 1967, e posteriormente coligido em livro."
Segue-se a narração intercalada de:"as mãos na água/ a cabeça no mar," 1972, pp.97 - 100, de Mário Cesariny, onde se confirma que a "verdadeira obra" de Pessanha são as trinta poesias da edição original e se condena "as descobertas para pior" feitas "a posteriori". Só a edição de Barbara Spaggiari é vista por Barahona, como a mais elucidativa, autorizada e completa, mas tendo como fronteira, a filologia, o que lhe permite que o seu trabalho fique "à beira do abismo" e sirva de trampolim, suporte e "sustentação de voo" para o salto a dar pelo Poeta que irá, esse sim, editar Pessanha.
________________________________________________
(Continua) p.8   

domingo, 2 de dezembro de 2012

Clepsydra de C. Pessanha - Resenha da Edição Assírio & Alvim e A. Barahona

Em seguida, Barahona diz-nos o que entende por "reedição poética". O editor deve dar à estampa a 1ª edição da Clepsydra, "exactamente com a mesma ordem; ortografia actualizada só nos casos em que a prosódia não se altera e haja uma perfeita correspondência e fonia, salvante algumas palavras nas quais se conserva a ortografia etimológica como fisionomia do objecto nomeado, por analogia com a escrita ideogramática chinesa, tão cara a Pessanha." Numa extensiva nota, a 19, o autor da fixação do texto, transcreve palavras de Barbara Spaggiari, em que se justifica o gosto de Pessanha pela escrita ideográfica e que explicariam a escolha "da singular roupagem gráfica" dada à 1ª edição, que não aderiu à reforma ortográfica de 1911 e preferiu manter a grafia antiga. Segue-se uma referência a Teixeira de Pascoais que também não aderiu à reforma de 1911 porque, tal como deixou escrito, «a forma gráfica das Palavras deve estar em harmonia com o seu sentido íntimo ou parte subjectiva e com as leis da estética.» (pp.176)
Quanto à pontuação deve ser "idêntica aos intervalos do silêncio que tornam a música audível." Pessanha, afirma Barahona, seguiu a poética do seu mestre Verlaine, e pontuou os seus versos numa cadência musical, como se de solfejo se tratasse, "numa espécie de notação," que levava a certas "liberdades poéticas." Deixou de lado a vírgula, ou ponto de exclamação a seguir às interjeições e a "virgula a seguir ao ponto de exclamação, no meio da frase."
Por fim, a reedição poética, segundo Barahona, deve emendar as "gralhas da 1ª edição, devolvendo ao texto a sua pureza: texto saído, pela segunda vez, das mãos do Poeta que vive em nós."
Ainda acerca da pontuação, o autor tece outras considerações que mostram as várias influências que Pessanha terá tido para além de Verlaine, como, por exemplo, a tradução das Elegias Chinesas, e realça a importância da pontuação que "desempenha duas funções principais: marca os tempos (sem os quais não existe melodia) e, simultaneamente, enforma as charneiras, ou os liames, na coordenação gramatical, na maioria dos casos assindéctica, ou na subordinação desarticulada e sem sintaxe lógica." (pp.144)
Na opinião do autor, quando se lê Pessanha, é-nos possível, através da sua linguagem, fazer "ideogramas imaginários" e ver as "coisas em movimento" Tal como se verifica "com as caligrafias inventadas por Henri Michaux." (Emergences-Résurgenses, 1972) Há como que uma libertação da "episteme dominada pela sintaxe da gramática grega." Camilo Pessanha seria uma mescla de Ocidental, que nunca deixou de ser, e de Oriental. Ao silogismo que se funda "na lógica da identidade e que dá forma à questão de inferência," assimilou o pensamento analógico chinês, "na matemática inspirada da sua poesia." A experiência das Elegias Chinesas e o seu "exílio" silencioso e voluntário, em Macau, "por desgosto de amor", terão contribuído para a "construção" da sua obra.   
______________________________________
(continua) p.7

sábado, 1 de dezembro de 2012

Clepydra de C. Pessanha - Edição de Assírio & Alvim e António Barahona

(Continuação)

A este factor alia a pressuposta discordância com a vontade de Pessanha que estaria expressa na 1ª edição. Barahona considera que há uma factura a pagar pelas diversas edições que se vão fazendo ao livre arbítrio de cada crítico, ou professor, onde cada um adopta o seu método na selecção e fixação de poemas do poeta. Digamos que essa factura é consequência do "capricho" de cada um que se dedica a investigar Pessanha e que cria um "novo" Pessanha, em cada nova edição. O autêntico, esse, só estará presente na edição de 1920, porque foi aquela com que o poeta concordou.
Mesmo que os poemas sejam mudos, como os classificou Edmundo Bettencourt, "os poetas são todos ouvidos, na sua demanda do silêncio:"  escreve Barahona. Comparam-se, pelo seu ouvido apurado "a um muálimo (professor) numa madrassa," que ouve a totalidade dos seus alunos como "uma orquestra vocal, numa sonora visão de conjunto." Assim se constitui a Clepsydra, num só Poema, mesmo que repetido em simultâneo por trinta leitores que recomecem em voz alta a ler cada poema.
Depois de ter apresentado  razões da sua crítica ao trabalho de P. Franchetti ("fruto de quem não vê quase nada"), inicia a crítica à última edição, ou ensaio de edição, de Gustavo Rubim. Mesmo que Barahona veja, na sua edição, a virtude de intuir "a unidade da Clepsydra (falseada ou perdida) como Ou o poema contínuo" e uma tentativa de recompor o livro, considera que se enganou. E porquê? Porque o livro já estava composto. "Só não se engana, quando sentencia: «O livro não se confunde com a totalidade dos textos que alguém escreveu; num certo sentido, o livro de poesia nasce necessariamente como antologia. Faz-se por subtracção e desfaz-se quando se converte em mera acumulação.»"
"Gustavo Rubim não se terá dado conta de que a antologia de que fala, o livro apurado por subtracção, já estava publicado por Ana de Castro Osório, em 1920, com a aprovação expressa de Camilo Pessanha; e que as suas supracitadas considerações  poder-se-iam aplicar à letra, à Clepsydra inicial, e não à sua, que, no seguimento das de João de Castro Osório e Paulo Franchetti, desvirtua a vontade do Poeta e os seus versos." (pp.142/143)
Transcrevemos esta crítica demolidora para realçar o facto de que Barahona considera como arquétipo ou "edição canónica", a de 1920. Tudo o resto são "viveiros de versões" que se nega a analisar porque, se tornaria fastidioso, ("à imagem dos próprios textos").
Mesmo que pareça um paradoxo, continua a haver um cânone; a única coisa a fazer é reeditar sucessivamente a 1ª edição poética.
______________________________
(Continua) p.6