Carta 9
A' Senhora condeça de Roccaberti, sobre a Deshonra, e sobre a Calumnia.
"A Deshonra a que podemos chamar verdadeyra he a que consiste no interior do homem, formando-se do crime que nos separa da origem da honra que he de Deos, fóra do qual não há mais que Deshonra, e que Miseria. A Deshonra porem em que V. E. me falou he a que consiste no exterior de huma pessoa, e que se origina da opinião das outras. Estas duas qualidades de Deshonra ordinariamente não andam juntas, porque muitos homens indignos, e por consequencia infames diante de Deos são louvados, e honrados no mundo pelas suas más obras, ao mesmo tempo que outros que são bons, e favorecidos do Amor de Deos são calumniados, e aborrecidos no mundo pelas suas acçoens excellentes. A tal ponto de capricho, e de injustiça chega o juizo dos homens. Sabendo eu muito bem que a reputação, e o louvor que os homens dão não he mais do que o vento, persuado-me a julgar que as calumnias de que elles nos carregão são da mesma naturesa. (...)
He bem verdade que muitas vezes a Calumnia se introduz fortemente na pessoa calumniada com tanta vehemencia que a mata, porem não he a Calumnia que faz a chaga, he a imaginação do calumniado a que se fere, e a que fazendo depender a sua felicidade da opinião dos outros, causa a si mesmo o mal que outra nenhuma pessoa lhe podia fazer. (...)
O Sábio despresará não somente este mal imaginario, porem o mesmo remedio, e quando os seus amigos o vieram consolar a respeito do mal que todos dizem delle, creyo que lhes dirá que vão applicar o remedio onde o mal se acha, que será o mesmo que diser-lhe que se acha na malignidade das pessoas que o caluniarão, e na temeridade dos juisos que as crerão. (...)
Exaqui como se havia de considerar a Calumnia nela mesma, (...) não deve o calumniado despresar os meyos que se lhe oferecem de desengana-los, e de satisfase-los; entendendo sempre que o conseguirá muito melhor pelo caminho de uma integridade constante, e tranquilla, que por vias estrondosas... (...) A innocencia, e a confiança que a acompanha devem conservar-se em tal forma superiores aos ruidos populares, que não se movão mais a estes, do que as Estrellas se movem aos ventos que se formam na Região mais inferior do ar. (...)
He preciso que cada hum se incline ao bem por odio do mesmo vicio, e não por medo da deshonra, a qual não he mais do que huma sombra que desaparece infalivelmente aos rayos da virtude.
Exaqui, Senhora, o que entendo seriosamente da Deshonra, e da Calumnia..."
Vienna de Austria, 2 de Dezembro de 1736
(Carta LI, Tomo II, pp.584/88)
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A desonra verdadeira é a que consiste no interior do homem, e se a calúnia pode matar de dor, a integridade constante e tranquila põe a descoberto a verdade, tarde ou cedo. A inocência e a confiança devem ser superiores às vozes populares, porque os raios da Virtude fazem desaparecer todas as sombras. Devemos, ao ouvir a malignidade, não deixar que a imaginação possa ferir irremediavelmente a nossa alma. É o conselho de um homem das "luzes" com o qual aprendemos ainda hoje.