sábado, 21 de julho de 2012

Cartas Familiares de Cavaleiro de Oliveira

Inicia-se "como praticante no Tribunal de Contos do Reino e Casa (...) sob a direcção paterna, aí faz vida de escriba até 1721". (7) Foram quatro anos de convivência com o pai, que permitiram deixá-lo bem encaminhado no serviço do Reino e Casa.
Cavaleiro de Oliveira torna-se "em Lisboa pessoa de uma certa categoria, (...) a família era bem aparentada"  (7) e ele recordará um primo seu, António Guedes Pereira que era secretário de Estado. Vivia-se na ilusão do ouro do Brasil que afluía. Na Europa discutiam-se ideias cultivava-se o espírito, em Lisboa, valia o esplendor e a falsa aparência, nos costumes, na religião.
Construía-se o Convento de Mafra (que se inicia em 1716 e termina em 1736), publicara-se a Fenix Renascida (1515-18) e aparecerá a público a Gazeta de Lisboa. Em 1721 são publicados os Discursos Políticos e Obras métricas, de Duarte Ribeiro de Macedo e as Regras da Língua Portuguesa, Espelho da Língua Latina, de D. Jerónimo Contador de Argote, que se vem juntar ao Vocabulário Português-Latino, (1712) de R. Bluteau. Dá-se a criação de uma academia médica. Continuam a publicar-se obras sobre geografia e engenharia e R. Bluteau vê editadas as suas Prosas Portuguesas. De Manuel Bernardes sai do prelo o Estímulo Prático (1730) e de Itália para Lisboa vem a Capela de S. João Baptista, obra prima do barroco, para a igreja de S. Roque. Carlos Seixas faz vibrar o orgão da Sé com os seus divinos sons e compõem para Cravo melodias eternas. Em 1733 canta-se a primeira ópera portuguesa em estilo italiano e é publicado o Parnaso Lusitano, de Violante do Céu.
Era assim a Lisboa cultural em que Oliveira vivia inserido? Sim, terá sido nesta Lisboa de privilégios e de nomes ilustres, "gente da mais alta nobreza com quem conviveu (...) como os condes de Vimioso, Ericeira e Óbidos, os Marqueses de Valença," etc. (8) que recebeu a Ordem de Cristo e o grau de Cavaleiro, confirmado pelo Tribunal de Consciência, em 1729, "em atenção a trinta e cinco anos de serviço de seu pai a el-rei." (2) Possuía muitas amizades que virá a recordar nas suas cartas. Diogo Barbosa de Machado foi seu amigo, assim como "o padre João Baptista Carboni, jesuíta valido do rei."(9) Todos o apreciavam e estimavam como erudito.
___________________
Notas:
(8) RODRIGUES, Gonçalves, António, O Protestante Lusitano, Coimbra, MCML, pp.12.
(9) Idem, pp.13.

sexta-feira, 20 de julho de 2012

Cartas Familiares de Cavaleiro de Oliveira

Foi seu tio, o "Padre Manuel Ribeiro, teólogo da Congregação do Oratório e qualificador do Santo ofício," (3) que veio a ser "pessoa importante como capelão na embaixada de Madrid, e que em 1732, na ausência do Marquês de Abrantes, fez de encarregado de negócios." (3) Por essa altura, iria proporcionar a Cavaleiro de Oliveira a sua primeira saída de Portugal, para uma estadia, de alguns meses na Corte Real Espanhola.
Outro tio, Frei Francisco do menino Jesus, foi prior do Convento dos Carmelitas Descalços. Teve também duas tias que foram religiosas: Soror Josefa Teresa e Soror Filipa das Bernardas. A convivência com estes seus tios, e com a própria mãe, profundamente religiosa, iria reflectir-se na sua educação que se processou num "ambiente quase conventual, tridentino e barroco." (3) Contudo, foram as visitas às freiras, suas tias, que vieram proporcionar a sua correspondência com Soror Catarina Rosa de Figueiredo, e que, segundo parece, lhe ditaram a sua sina - e não a cigana Vitorina - uma vez que ele durante os dois anos em que manteve essa paixão, conta que lhe "caía muitas vezes a mão cansada de lhe escrever, dez, doze, e vinte vezes por dia!" (4)
O facto é que seriam as suas epístulas que o iriam fazer nascer para a posteridade na opinião de António G. Rodrigues que diz: as Cartas Familiares, são (...) a única das suas produções que lhe dá jus a figurar como artista da prosa na história literária nacional. (5)
Essa veia literária também a tinha o seu pai. Era dotado de inteligência e dedicou-se às letras, para além de ser "contador dos Contos do Reino e Casa."(2) Serviu "o marquês de Alegrete e conde de Tarouca em Utrecht e Viena, de 1708 a 1734, na qualidade de escrivão do tesoureiro e secretário da embaixada".(2) Segundo consta, possuía uma "preciosa e abundante Livraria." (6) Como autor de um "poemeto chamado: Epitalamio en los Felicissimos Desposorios,"...(2) "em honra de D. João V e D. Mariana de Austria," (6) virá a figurar na Biblioteca Lusitana.
Aquilino refere uma quadra desse Epitalamio poetado em espanhol, e que segundo este autor mostra "o gosto alambicado da época." Era assim:
"Llegára la espos al tlamo suyo/ En lazos de oro calsado el coturno/ Al ala sucedan la antorcha,y el mudo/ Y cante Hymeneo, pues calla Mercurio."(2)
Mas que influência teve o pai na sua educação? Que princípios e ensinamentos é que lhe legou se esteve quase sempre ausente da sua vida? verificamos pelas datas que se foi embora de Portugal tinha o filho seis anos. Onde estava o ombro, a mão que acarinha e educa, o ouvido que ouve todas as alegrias e tristezas, de um rapaz que se faz homem? Longe. Não soube o que era ter um pai que o aguarda e o afaga à noitinha, que lhe ensina o que sabe, que ri e brinca ou lê para ele um soneto ou redondilha! Talvez tenha sido essa falta que o levou a tanto gostar dos livros e a referir todos os seus mestres.
A primeira educadora que ele assume é a sua mãe. Que o ajudou a crescer e "a ela ficou a dever o melhor da sua formação moral e intelectual." (7) isso iremos ouvi-lo contar nas cartas. Dirá, recordando a idade escolar:
"Aos doze anos de idade sabia melhor do que agora sei, Vergílio, Horácio, Ovídio, Valério Maximo e Quinto Cursio... (...) Comecei a amar os livros com tanto excesso, que nem de dia nem de noite me tirava de cima deles. Esta é a razão porque conservo muitas ideias dos Santos padres, dos Expositores Sagrados, dos Historiadores antigos e modernos, dos Filósofos Peripatéticos e Estóicos, dos Moralistas severos e indulgentes, dos Teólogos tomistas e escotistas, dos Fabulistas idólatras e Cristãos, dos Poetas sacros e profanos e dos Pregadores missionários e apostólicos; sem me esquecer de alguns Juristas, Médicos e Astólogos de quem li os Reportórios, os Récipes e as Ordenações..." (7)
Quando o pai regressa da Holanda era ele adolescente. Devido à dedicação ao estudo e, possivelmente, à vida desregrada que fazia, caíra doente. Os médicos proibiram-lhe os livros. Após um repouso no campo em casa de um dos tios, regressa a Lisboa e vai começar a trabalhar. A família resolve torná-lo Morgado. Acrescentavam-lhe responsabilidades perante os seus e a sociedade.
____________________________________________________
Notas:
(3) RODRIGUES, Goncalves, António, O Protestante Lusitano, Coimbra, MCML, p.3.
(4) Idem, pp.4.
(5) Idem, pp.95
(6) Idem pp.3
(7) Idem, pp. 3,5,6. 
_______________
(Continua)

quinta-feira, 19 de julho de 2012

Cartas Familiares de Cavaleiro de Oliveira

Mártir quer dizer testemunha...
Ortega Y Gassett

II

Corria o ano de 1702, tinham-se festejado as Maias e as giestas e outras flores disputavam entre si a beleza e a graça, nos mais variados tons e odores, quando nasceu, em Lisboa, Francisco Xavier de Oliveira. Passavam dois meses que se tinha iniciado a Primavera; ia no auge, transbordando em alegria como que a pôr-se de acordo com a felicidade daquela mãe, D. Isabel da Silva Neves.
Reinava D. Pedro II, e iniciava-se a Guerra da Sucessão de Espanha, em que Portugal irá tomar parte. Fundava-se a Casa dos Quintos, no Rio de Janeiro, onde era fundido o ouro em pó. Tinha quatro anos quando começa o reinado de D. João V, o Magnânimo. É sob ele que vai viver até partir para a Holanda. Tal como este período histórico de esplendor e miséria, Oliveira encarnaria estes dois subarquétipos: um, culto, eloquente, educado, cavalheiro; outro contundente, "fútil", convincente, e versátil. Ele próprio confessará:
"Conheço os meus defeitos e não quero emendar-me (...) rebelde à autoridade da minha razão, obro directamente contra as suas ordens. (...) Não posso deixar de lamentar a minha triste sina! (...) A minha melancolia procede (...) da irregularidade dos meus afectos." (1)
Camilo Castelo Branco, segundo Aquilino, "descobriu nele o seu irmão na sina de sofrer como o era já na arte de rir dos absurdos e necessidades do próximo;" (2) porque, acrescenta, "nenhum escritor português arrastou cruz mais pesada" (2) nem a "fortuna e a desgraça se revezaram com mais ardor a deprimir e a exaltar." (2)
Talvez pela cruz que arrastou, ele se tenha tornado uma estrela no firmamento histórico da nossa literatura. -Fonte para os nossos grandes escritores como Camilo, Garrett, Oliveira Martins, Aquilino e outros - Porém, apesar dessa cruz, as flores de Maio, margaridas do monte, açucenas, rosas e puros lírios, suavizaram-lhe os dias quando ele as deslumbrava com a sua melodia, "qual avena de sátiro pelos bosques." (2)
Seu pai, José de Oliveira e Sousa e sua mãe, frutificaram numa prole de mérito. Um seu irmão era frade beneditino, e outro missionário no Brasil e uma irmã, que faria um casamento rico, com "Araújo Banha, guarda-roupa do infante D. Pedro." (2) Tinha o autor uma herança fidalga, de que muito se orgulhava e a que irá fazer referência nos seus escritos:
"Todos os nobiliários do reino, histórias nacionais e estrangeiras são unãnimes quanto à nobreza da minha estirpe." (2)
O seu sangue era português como vem a provar "a sentença que pronunciou contra ele o Santo Ofício" (2)
____________________________________
Notas:
(1) RIBEIRO, Aquilino, O Cavaleiro de Oliveira, Colecção "Ontem e Hoje", Livraria Lelo, Ld., Editora, s/d. pp. 7,8,9,16,17,94.
(2) Idem, Introdução.
________________
(Continua) 

quarta-feira, 18 de julho de 2012

Do Carácter Histórico, Moral e Filosófico das Cartas Familiares de Cavaleiro de Oliveira

Cícero escreveu que Sócrates fez descer a filosofia do céu à terra. Creio que Cavaleiro de Oliveira foi um filósofo espontâneo que se interessou pelo céu e pela terra, na leitura que fazia daquilo que o rodeava, e do Homem em si mesmo. Possuidor de um "saber positivo," revestido "de autoridade histórica," possibilitado pelos estudos e as suas vivências, empírico - no sentido da palavra grega empeiria, que significa experiência - ele foi "alheio à especulação filosófica," (9) mas apelou à razão numa "atitude geral de simpatia pelo racionalismo crítico" (10) Mesmo que mais tarde nas suas Reflexões sobre política venha a contradizer-se dizendo que:
"a razão humana nos engana a cada passo, e que a ley de Deos não pode nunca enganar." (pp.54), (11)
Com sinceridade procurou resposta para todas as questões, que lhe eram colocadas pelos seus amigos, dando-lhes o seu parecer, entendimento e sensibilidade. Nestas Cartas encontrei "o homem honrado, o cidadão obediente, o cristão virtuoso" (12) que, no entanto, "gostava de viver." (13)
Neste convívio epistolar se ia grande parte do tempo que não sacrificava às exigências da sociabilidade, e se por vezes ele é apenas o sorriso artificial do homem do mundo ou do galanteador, outras vezes aproveita-o para discussão de temas eruditos ou morais, verdadeiros ensaios sobre mil e um assuntos de composição e interesse vários.
"Em seis anos, o número de cartas por ele escritas deve ter subido a milhares. De muitas guardava cópias" (14) que vieram a ser publicadas e deram origem às suas Cartas Familiares onde encontramos o seu gosto pela sabedoria, o seu próprio ser.
___________________________________________________________________________
Notas:
(9) RODRIGUES, António Gonçalo, O Protestante Lusitano, Estudo Biográfico e crítico sobre o Cavaleiro de Oliveira, Coimbra, MCML, pp.170.
(10), (11), (12)  Idem, pp. 185
(14) Idem, pp.94
(13) PIMENTA, Alberto, musa anti-pombalina, A Regra do Jogo, Edições Lda., 1982, Lisboa.

terça-feira, 17 de julho de 2012

Cartas Familiares de Cavaleiro de Oliveira

Interrogo-me se não será "na sua substância erudita (...) que devemos procurar a qualidade mestra das Cartas" (4) Se não terá sido essa erudição que lhe permitiu escrever com "gentil graça latina," (5) mantendo ao longo de toda a sua correspondência a "juvenil agilidade intelectual, (...) a graça difusa e fina, na arte perfeita de contar (...) no estilo nervoso e ductil," numa "atitude mental de racionalismo cosmopolita e céptico" e exprimir-se com "uma ironia ligeira e penetrante." (6)
Na dedicatória que faz à condessa de Vimioso, no Tomo I (p.3) das Cartas, o autor diz-lhe:
"Quem encontrar o meu carácter nestas cartas julgará que todas são minhas (...) do rocio de diversas flores forma a abelha a doçura do seu favo. O fruto da leitura consiste em emular o que mais agrada nos autores, convertendo em próprio uso o que neles mais se admira. Ordena Túlio que sigamos os melhores ditos dos escritores insignes. (...) O grande Lipsío fez admirável este género de escrever nas suas Políticas: falando com o discurso de todos, todos falam por ele. Tem muita graça e gravidade o estilo formado por muitos engenhos."
Ir ao encontro, à busca desse "carácter," desse "fruto da leitura" e aprofundar o conhecimento do autor como ser moral, historiador e filósofo é o desafio deste trabalho. Seguindo o exemplo de Túlio e Lipsío, irei falar "com o discurso de todos". Tentar mostrar que "nenhum outro escritor do seu tempo, ou anterior a ele, o excedeu na leveza espiritual e epigramática de certas epístolas, pequenas obras primas..." (6)
Não esquecendo que foi ele o primeiro a levantar a questão da censura literária e a rebelar-se contra essa atitude, "no prefácio das Mèmoires Historiques Polítiques et Litèraires Concernant de Portugal (1741)" naquilo que se considera "o primeiro manifesto de um escritor português em defesa da liberdade de expressão." (7) E que "O Amusement Periodique é a primeira obra em que um homem de letras português pratica abertamente o princípio do livre-exame; " (8) tornando-se também no "único que se preocupou com a crítica de costumes e a reforma da mentalidade em Portugal." (8)
________________________________________________________________
Notas:
(4) RODRIGUES, António Gonçalo, O Protestante Lusitano, Estudo Biográfico e crítico sobre Cavaleiro de Oliveira, Coimbra, MCML, pp.94
(5) Idem, pp. 282.
(6) Idem, pp. 93
(7) Idem, pp. 195
(8) Idem, pp. 221/222.    




segunda-feira, 16 de julho de 2012

Cartas Familiares de Cavaleiro de Oliveira

Do carácter  histórico, moral e filosófico das 
Cartas Familiares 
de
 Cavaleiro de Oliveira

INTRODUÇÃO
I
Vive e  acorda  -  a Morte é morta, ele não.
Shelley, in:  Adonais (0)

Será que Cavaleiro de Oliveira "Vive e acorda " neste trabalho? É esse o objectivo que me proponho: dizer que "a  Morte é morta, ele não."
Tentarei deixá-lo falar, ser ele mesmo. Ouvir-lhe a voz na música das suas palavras, mesmo que as notas sejam intercaladas por outros tons menores.
Nas Cartas Familiares escolhi seleccionar este tema, porque me cativou no mesmo instante em que delas tomei conhecimento. A sua erudição vem da infância, poderei, talvez, dizer que a bebeu no leite materno. E porquê? Porque "parece compor-se como as regiões montanhosas, de materiais diversos acumulados desordenadamente." (1) Onde prefiguramos a sua "natureza, já compósita, formada em partes iguais de instinto e cultura." (1) O autor como "criador" da "sua própria vida", onde "o estilo é a criação da dignidade." (2) Por isso, creio que, "não há tempo nem força que destrua" (3) aquele que evoluiu vivendo.
_______________________________________
Notas:
(0) HISTÓRIA ILUSTRADA DAS GRANDES LITERATURAS, Literatura Inglesa, VI Vol., Editorial Cor, Lisboa, 1959. 
(1) YOURCENAR, Marguerit, Memórias de Adriano, seguido de Apontamentos sobre as Memórias de Adriano, Tradução de Maria Lamas, 6ª edição, Editora Ulisseia, 1988, pp. 26.
(2) HELDER, Herberto, (a mão negra), in: Photomaton e Vox, 2ª edição, Assírio e Alvim, Editora, Lisboa, 1987, pp.56.
(3) HISTÓRIA ILUSTRADA DAS GRANDES LITERATURAS, Literatura Alemã, VII Vol., Goethe, "Poesia e Verdade".

Voltar de novo!

Depois de vários dias sem comunicar, porque se intercalaram outros afazeres, volto novamente à companhia dos meus leitores para vos falar Do carácter histórico, moral e filosófico das Cartas Familiares de Cavaleiro de Oliveira. Espero que gostem deste trabalho, que foi apresentado no Seminário de Literatura Moderna I, no primeiro semestre de Mestrado, concluído em Março de 2003. 
Agradeço, aos eventuais utilizadores do meu labor, o favor de  anotarem, em bibliografia, o nome do blogue, o endereço e o nome da autora da pesquisa.

quinta-feira, 5 de julho de 2012

Lições de Cultura e Literatura Portuguesas (Conclusão)

CONCLUSÃO

Hernani Cidade diz-nos que esta obra da Reforma do Ensino foi a de "mais incontestável mérito do futuro Marquês de Pombal e do Reitor e futuro Bispo de Coimbra, D. Francisco de Lemos." A filosofia de Newton permitia a aproximação ao real, nos estudos teológicos fazem-se análises exegéticas dos textos bíblicos à luz da história e da filologia. Nos estudos jurídicos para além da análise legal conta a interpretação inteligente das leis e o apoio de todas as ciências subsidiárias. Os estudos médicos possuem teatros anatómicos e trabalham-se cadáveres, abandonam-se Galeno, e quase Hipócrates pelo estudo directo de doentes em hospitais. A Filosofia estuda o Homem em toda a sua complexidade e a interagir no meio que o rodeia. Desenvolvem-se as Ciências matemáticas. Faltou uma faculdade de letras, ou de artes como se chamava então. Temos por fim o depoimento de A. Ribeiro dos Santos: «Este ministro quis um impossível político; quis civilizar a nação e ao mesmo tempo fazê-la escrava; quis espalhar a luz das ciências filosóficas e ao mesmo tempo elevar o poder real ao despotismo.»
Mas, o facto é que R. Santos reconhece que as luzes foram dadas ao povo, e como diz bem H. Cidade:
O marquês tirânico passou - e as cadeiras de Direito Natural e das Gentes, de Direito Público Universal e - acrescentaremos - de Direito Pátrio, continuaram, depois dele, a formar as gerações que lhe haviam de corrigir os excessos da obra cesarista. Passou a Mesa Censória, que, segundo lembra Lúcio de Azevedo, proibia, ainda sob Pombal, a publicação do Elogio de Descartes.
Em 1791 Fr. Manuel do Cenáculo vai publicar o seu livro Cuidados Literários, e manterá o meio literário em permanente actividade cultural da cidade e na própria Corte organizou um curso de Humanidades. Quando havia uma viva reacção contra Pombal ele manteve-se coerente com o seu passado de reformador.
"A defesa da Universidade fá-la D. Francisco de Lemos no livro que apresentou ao sucessor do Marquês - Relação Geral do Estado da Universidade. (...) A impressão que o livro causou no Paço, exprime-a o Marquês de Ponte de Lima, ao entregá-lo ao principal Castro, na ocasião em que este se preparava para ir tomar conta do governo da Universidade: - Leve V. Ex. para a Universidade este livro, que foi quem a salvou da ruína." A obra dos Estatutos mantinha-se apesar do desterro e condenação do Marquês de Pombal.
O prolongamento desta reforma universitária iria frutificar com a fundação da Academia Real das Ciências, pelo Duque de Lafões e o Abade Correia da Serra em 1779, à semelhança da Inglaterra e da França.
_________________________________________________________________________________

BIBLIOGRAFIA

CIDADE,Hernani, LIÇÕES DE CULTURA E LITERATURA PORTUGUESAS, 2º Vol., 7ª Edição, Coimbra Editora, Limitada, 1984.
__________________________ 

quarta-feira, 4 de julho de 2012

Lições de Cultura e Literatura Portuguesas

Houve, porém, apóstolos da nova filosofia e para além dos Reis D. João V e D. José I, que sempre apoiaram, ainda no reinado de D. Maria a sua obra era considerada de mérito. A revolução intelectual iria fazer-se com verdadeiras inteligências, como Frei Manuel do Cenáculo, que foi Bispo de Beja e Arcebispo de Évora. O padre F. J. Freire (Candido Lusitano), o padre António P. Figueiredo da Congregação de S. Filipe de Neri, que teve vultos como o padre Manuel Bernardes. Iriam ser, como se calcula, concorrentes da Companhia de Jesus, onde todo o valor era atribuído à obediência. O facto é que os frades do Oratório tinham um estatuto "sobretudo residindo no «self-controle», na ausência de predomínio pessoal, na perfeita igualdade perante a Criação - segundo ainda os termos do fundador, que pensava só os princípios deveriam governar na terra, não a vontade versátil, falível dos homens. (...) A modernidade da cultura dos Néris envolvia a instituição de um prestígio que a Corte não podia deixar de reconhecer." (pp.161)
Houve ainda outros emissários da cultura Moderna como João Jacinto Magalhães, que em "Memória" nos conta "os últimos dias de Rousseau de que foi testemunha, em casa do Marquês de Girardin" (pp.187), Jacob Rodrigues Pereira, que foi o primeiro mestre de surdos-mudos, padre João Chevalier, e padre Teodoro de Almeida entre tantos outros.
Todo este movimento intelectual viria a conduzir à reforma pombalina da Instrução. Ele foi o homem com a coragem necessária pela sua "omnipotência da teimosia inteligente" que conduziu Portugal a uma "mais aberta comunicação espiritual com a Europa." Controlou tudo. Desde escolher as telhas que deviam cobrir os telhados até à colocação de professores e à selecção das matérias a ensinar. Esta reforma da universidade data de 1772, "todavia, já em 1759, quando do encerramento das aulas dos Jesuítas, que de pouco precedeu a expulsão destes padres, tinha o Primeiro Ministro lançado com a lei de 28 de Junho desse ano, as bases da grande reforma, pela organização dos Estudos Menores (secundários), regulamentada e definitivamente executada, com a da Instrução Primária e Superior, em 1772." (pp.196)
As dificuldades foram múltiplas desde monetárias, à falta de professores habilitados para as novas disciplinas como Filosofia Natural e Grego, ou à falta de alunos que não se inscreviam com receio de serem recenseados para a guerra de 1763. A própria expulsão da Companhia de Jesus deixou um vazio no que se refere a mestres para os diversos graus de ensino. "Apesar de tudo, em 1762 são 379 os mestres de letras, (...) são 236 os professores de Latim, 38 de Grego, 49 de Retórica, 35 os de Filosofia. (...) A língua pátria entra pela primeira vez nas escolas oficiais, sendo exigidos seis meses de preparação em Português a quem quisesse frequentar o Latim."
A organização do ensino secundário caracterizou-se pelo predomínio das Humanidades Clássicas, uma vez que não se ensinavam as línguas modernas, e a Filosofia tinha muito menos carga horária que o Latim e o Grego.
A Reforma da Universidade foi elaborada por uma Junta de Providência Literária, que se preocupou de imediato em fazer um libelo acusatório contra o ensino ministrado pelos Jesuítas. Destruía-se para construir. O que prenunciava já os tempos difíceis que se iriam seguir.
Duas criações pombalinas foram as Faculdades de Filosofia e de Matemática. Os professores vinham de Itália, e estavam abertas as portas a todos os autores, filósofos, e cientistas que até aí não tinham sido ensinados. Os projectos de Verney e de Ribeiro Sanches, e de outros Iluministas, eram colocados, em grande parte, em execução. 
____________________
(Continuação) 

terça-feira, 3 de julho de 2012

Lições de Cultura e Literatura Portuguesas

Todas estas ideias iriam provocar uma imensa polémica. Os peripatéticos insurgem-se contra ele, quer no que se refere ao estudo da história, jurisprudência ou teologia. Quanto ao estudo desta última, Verney formula "a verdadeira doutrina científica: «O Principal ponto da nossa religião é a verdade de ambos os Testamentos; esta não se prova senão com a fundada notícia da história profana»" (pp.137). Isto era quase uma heresia porque "as Escrituras são verdadeiras, são Verbum Dei Scriptum, segundo afirmam a tradição apostólica"... A independência  do seu espírito e da sua inteligência não estava de acordo com o magister dixit dos que o contestavam. Ele defendia que se deviam ler os textos bíblicos na língua original e para isso era preciso que os padres possuíssem um grau elevado de cultura o que não acontecia. O moderado F. de Pina e de Melo observa com a sua lucidez de visão e moderação de linguagem: «Os eclesiásticos das outras nações têm a vantagem de beber as doutrinas nas fontes, nós bebemos nos tanques, onde a qualidade dos aquedutos poderá trazê-la com algum sabor estranho" (pp.141). Poucos eram os moderados. Mas "o Barbadinho afirma que em Roma «onde os Jesuítas não tinham um único lente» florescia com a protecção do Papa, a Filosofia Moderna.» (pp.144)
H. Cidade chama a atenção para o aspecto de se sacrificar o ensino da língua materna ao estudo do latim. Diz-nos: Lembremos que o estudo do latim, de que se obtinham tão poucos resultados ao fim de sete anos, não era, como é hoje, embaraçado pelo da Geografia ou da História; e muito pouco o era pelo das Matemáticas ou das Ciências Físicas e Naturais, cujos programas secundários actuais só são comparáveis aos antigos programas do ensino superior, mesmo da reforma pombalina. Nem sequer eram os alunos distraídos pelo estudo da língua materna - que não se ensinava (...) o sacrifício do ensino da língua vernácula ao da língua latina, prática comum a todos os colégios de Jesuítas, portugueses e estrangeiros, desde o início da sua actividade ensinante, até ao segundo quartel do século XVIII. Foi preciso que institutos seus rivais - os padres de Port-Royal e os Oratianos - abrissem os seus colégios, para que, já no séc. XVII, começasse a fazer-se o ensino da língua materna, e o seu uso, em vez do latim. (pp.146) Verney também defendia que: «...na verdade, o princípio de todos os estudos deve ser a gramática da própria língua.» O que já se fazia há um século em Port-Royal, com o ensino do francês. 
O iluminismo constituía uma "perigosa aventura intelectual" em Portugal, onde segundo o que escreve Macaulay o ensino da Companhia de Jesus "procura atingir o ponto a que se pode levar a cultura, sem chegar à emancipação intelectual." (pp.156)
Apesar de todo o seu labor, só no reinado de D. Maria I, Verney "foi nomeado deputado honorário do Tribunal da Mesa da Consciência e Ordem" (pp.97). Faltavam dois anos para falecer, o que ocorreu em 1792.
__________
(Continua)