quinta-feira, 31 de maio de 2012

V - Salvador Correia de Sá e Benevides

O seu grau de Cavaleiro da Ordem de Santiago, que figurava em Espanha como a primeira Ordem, não o satisfazia completamente e Salvador iria lutar por conseguir trocá-lo pela Comenda da Ordem Militar de Cristo, que era a mais importante em Portugal. Ainda levaria alguns anos a consegui-la para toda a vida, porque, inicialmente, foi-lhe concedida a administração da Comenda de S. Salvador de Lagoa, no arcebispado de Braga, temporariamente, na ambicionada Ordem de Cristo. Mas o facto é que conseguiu, quatro anos mais tarde, em 15 de Dezembro de 1632, que a Coroa confirmasse essa Comenda, pelo continuado trabalho em prol do Brasil, (e do Perú), mesmo sem chegarem a vir as "necessárias dispensas do Papa. (Boxer, pp.68)
Em breve, o governo castelhano pedia a Salvador C. de Sá e Benevides para, como militar e Almirante dos mares do Sul, cargo para o qual foi nomeado, pôr fim à rebelião nos domínios do Rio da Prata. A sua vitória incontestável, largamente patenteada pelos seus doze ferimentos por flechas, coroava-o de louros em 1635.
Uma junta presidida pelo Conde-Duque de Olivares, em Dezembro de 1635, decidiu nomeá-lo para governador. Mas foi só por decreto de 21 de Fevereiro de 1637, (*) que o Rei Filipe IV assinou a Carta Régia que o nomeava, por seis anos, governador do Rio de Janeiro. [(*) este decreto foi impresso, em 1º lugar, por Varnhagem, in: "Revista Trimensal," III, pp.112/113; Boxer, pp.112]
Enquanto Salvador tinha estado em campanha no Paraguai e Tucuman, os holandeses tinham desencadeado uma segunda invasão ao Brasil em 1630. Matias de Albuquerque, governador de Pernambuco, que estava na Metrópole, receando um ataque à capitania, regressou ao Brasil e levou três navios com alguns homens. Tentou resistir ao general Diedrik Wardembugh, mas perante três mil homens, e sem a ajuda do governador-geral D. Diogo Luís de Oliveira, que não estava em condições de o ajudar, verificou que a desistência se impunha, para organizar a resistência. Retirou para o "Arraial do Bom Jesus", entre Olinda e Recife.
A ajuda que a Metrópole enviou saldava-se em 600 homens comandados por Vasconcelos da Cunha, dos quais só chegaram a Serinhgem 200 homens. O ataque a Olinda saiu derrotado e Matias de Albuquerque perdeu Porto Calvo, Bom Jesus, e Nazareth. Conservou Serinhgem e retirou para Pernambuco. Escrevia-se uma das páginas mais dolorosas da história do Brasil.
Depois de cinco anos em guerrilhas, a Companhia da índias Ocidentais tinha preparado uma esquadra de setenta navios, comandada por Cornelius Lonck, cujo almirante era Pieter Adrians, com mil e duzentas bocas de fogo e sete mil e duzentos soldados para conquistar Pernambuco.
Matias de Albuquerque foi preso em 1636 e enviado para Lisboa, por ter tomado a iniciativa de retirar com as suas tropas. Só viria a ser restituído à liberdade em 1640. Os espanhóis enviaram uma expedição com 1600 homens, que desembarcou em Alagoas em 1636. Comandava-a D. Luiz de Rojas y Borba, que vinha como governador e substituiu Albuquerque. Foi um verdadeiro desastre para os portugueses, porque logo que desembarcou resolveu, a 18 de Janeiro de 1636, atacar os holandeses. O comandante Articofski resiste e, numa violenta batalha, morreu Rojas. O conde de Bagnuolo assumiu o comando, fortificou-se em Porto Calvo, e iniciou uma guerra de guerrilha que se mostrará inglória.
Pouco depois, o Príncipe Maurício de Nassau, neto de um irmão de Guilherme de Orange, chegava a 23 de Janeiro de 1637, ao Recife, como governador holandês do Brasil. As suas forças, num total de cinco mil homens, derrotaram Bagnuolo que teve que regressar à Baía. Erguia-se uma nova Holanda no Brasil, pela inteligência, cultura, e notável política de equidade e brilho administrativo, de Nassau. 
André de Negreiros, Camarão, Barbalho e outros, seriam os chefes de guerrilha que continuariam a luta pela unificação do Brasil, numa verdadeira gesta heróica de resistentes.
Nesse mesmo ano, regressava Salvador de Sá, de Portugal, onde conseguira um reforço de 300 homens para a guarnição do Rio, com algumas munições, artilharia e barcos para os transportar. Considerava que a guarnição da praça necessitava de 600 homens. As ofensivas dos holandeses faziam temer o pior e previa-se um ataque à Baía ou ao Rio. A importância atribuída ao Rio de Janeiro deve-se ao facto de que, invariavelmente, dos requerimentos que fazia, Salvador recebia tudo o que pedia.
Depois de uma calma viagem, tomaria posse, formalmente, como governador da capitania-mor do Rio de Janeiro, em 19 de Setembro de 1637. (Boxer, pp. 112)
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(continua)         

quarta-feira, 30 de maio de 2012

V - Salvador Correia de Sá e Benevides

O governador Diogo Luís de Oliveira mostrou-se um grande organizador da defesa, pois Piet Heyn voltaria a tentar entrar na Baía, em 1626 e por mais duas vezes, em 1627, onde viria a ser derrotado, depois de ter capturado e afundado alguns navios portugueses. Este almirante holandês, quando navegava ao largo da costa brasileira, capturou uma caravela do Rio de Janeiro e interrogou insistentemente a tripulação e os passageiros acerca da situação geográfica e económica do Rio.
Quando os prisioneiros foram libertados, contaram a Martim de Sá que o almirante se tinha mostrado amargamente vexado com a derrota que tinha sofrido em Espírito Santo às mãos de Salvador Correia de Sá e Benevides, onde tinha sido ferido com uma seta e uma bola de mosquete. Martim de Sá contou este incidente em Lisboa, para insistir na necessidade de se fortificar o Rio de Janeiro, porque, obviamente, os holandeses o tinham debaixo de vista. Estas notícias seriam confirmadas por Salvador quando regressou à metrópole, pelos anos 1627/28.
O historiador holandês, Wassenaer, afirmou que as "depredações" de Piet Heyn e outros holandeses no Atlântico Sul, reduziram a navegação portuguesa a uma condição tão precária, que, em dois anos, só o porto de Viana do Castelo tinha perdido 26 dum total de 29 navios utilizados no comércio do Brasil. (Boxer, pp.65) Este episódio dá-nos, hoje, a ideia da coragem de Salvador Correia de Sá e Benevides e dos perigos e dificuldades que enfrentou no Atlântico.
«Nenhum português, melhor do que ele, cursou conquistas e navegações na grande escola portuguesa dos séculos XVI e XVII. (...) Raro é o ano, desde 1615 até 1681, em que o seu nome não sobressai na crónica dos feitos memoráveis da colonização portuguesa do Brasil e de Angola, ou na obra do Conselho Ultramarino.» (Norton, pp. 27/33)
Sabemos que o general D. Juan de Benevides Y Bazan não conseguiu combater e resistir à captura da sua frota carregada de prata, ancorada no porto cubano de Matanzas. Regressava do México, quando Piet Heyn o atacou, em 1628. Os holandeses e a Companhia das Índias Ocidentais, obtinham assim, pelo saque, uma fortuna que lhes iria permitir uma nova invasão ao Brasil dois anos mais tarde. Este general espanhol viria a ser condenado e publicamente decapitado em Cádis, em 1634 (Boxer, pp.66)
Não se sabe se Salvador partiu para Lisboa logo a seguir à reconquista da Baía. Alguns historiadores dizem que provavelmente regressou a Portugal com o navio "Nossa Senhora da Penha de França", incorporado na Armada de D. Manuel. No entanto, Clado de Lessa, apoiado em Varnhagem, diz-nos que em 1630 estaria em Portugal onde, dois anos mais tarde, receberia a notícia da morte de seu pai, Martim de Sá, governador do Rio de Janeiro. Contudo, Boxer escreve que há indicações de que Salvador visitou Madrid em 1626 ou 1627. Os seus serviços na campanha foram recompensados por uma comissão de serviço, datada de 5 de Fevereiro de 1628, nomeado alcaide-mor do Rio de Janeiro "para todos os dias da sua vida." Estreitavam-se assim os laços que ligavam esta família ao Rio de Janeiro e a Portugal.
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(continua)     

terça-feira, 29 de maio de 2012

V - Salvador Correia de Sá e Benevides

P. Vieira descreveu na carta ânua de 1626, essa vitória de Salvador e dos seus homens:
«Salvador Correia de Sá...os acometeu com as canoas e apertou de maneira às frechadas que, sendo mortos quarenta, lançando uma lancha à força de remo, escaparam. Com estes ruins sucessos desesperado já da sua fortuna, o general inimigo mandou ao outro dia, que era o terceiro da entrada, um recado ao capitão, em que lhe pedia um sobrinho seu, que parece ficara preso entre nós, oferecendo regate, e que os padres da Companhia lhe mandassem algum refresco, pelo bom agasalho que ele fizera aos outros padres que na Baía foram tomados. Visto o que, respondeu o capitão que, enquanto ao sobrinho, devia morrer na briga, porque não o tinha preso, e ao segundo, que não havia na terra outro refresco senão o que nos dois dias anteriores tinham experimentado, e com ele estava aparelhado para os receber a qualquer hora. Ouvida a resposta, levaram ferro no mesmo dia e se fizeram na volta do Norte. Em um e outro encontro se acharam os nossos padres, no primeiro os que residiam na vila, no segundo, dois, que em companhia do capitão Salvador Correia vieram do Rio de Janeiro; e assim uns como outros não faltaram nem à guerra, nem aos soldados antes dela.» (Norton, pp.30/31)
A 18 de Março saiu Salvador Correia de Sá e Benevides, vitorioso, para a Baía, onde chegou a 15 de Abril. Entretanto, tinha chegado de Lisboa, a 29 de Março, véspera da Páscoa, reforços para reconquistar a cidade aos holandeses. D. Manuel de Menezes comandava a esquadra que tinha saído de Lisboa, com vinte e dois navios, em Novembro de 1624. Aos portugueses, deviam reunir-se espanhóis e napolitanos, nas ilhas de Cabo Verde e daí partiriam em conjunto. D. Manuel de Menezes teve de esperar seis semanas por estes contingentes de tropas e durante essa espera perdeu centenas de homens com febres. A Espanha, mesmo determinada, continuava a não ser suficientemente rápida no apoio ao Brasil. Esta armada combinada só sairia de Cabo Verde a 11 de Fevereiro de 1625. Levavam cinquenta e dois navios, 12.566 homens e 1.185 canhões, sendo a armada maior e a mais forte que até aí tinha atravessado a linha.
A impressão que a armada combinada causou na guarnição holandesa, quando entrou, majestosamente, no Domingo de Páscoa, na Baía de todos os Santos é descrita, segundo Boxer, (pp.61) pelo soldado alemão Aldenburg, com uma emoção semelhante à do padre António Vieira, que tão vivamente descreveu a entrada da armada holandesa no ano anterior.
O desembarque começou a 1 de Abril. A guarnição holandesa ainda reagiu, efectuando um ataque ao mosteiro Beneditino onde causaram cento e noventa e cinco baixas, mas os mercenários franceses e ingleses e também alemães e escandinavos, começaram a negar-se a lutar, e a praça rendeu-se a 1 de Maio.
Salvador Correia de Sá e Benevides só chegou quando os holandeses já estavam cercados há 15 dias e, por isso, as suas tropas ocuparam-se da guarda do mosteiro de S. Bento. Apesar da sua oferta para participar com os seus homens num ataque nocturno aos navios holandeses ancorados ao largo, D. Manuel mostrou-se relutante e, entretanto, o ataque não chegou a concretizar-se, devido às condições atmosféricas. Contudo, reconheceu a bravura de Salvador e dos seus companheiros colonos, assim como dos seus guerreiros índios, que eram preciosos arqueiros "capazes de furar a asa de um pássaro com duas setas antes de ele cair no chão". (Boxer, pp.63) Dava-se a capitulação dos holandeses, e era aclamada a vitória histórica da "Jornada dos Vassalos."
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(continua)

segunda-feira, 28 de maio de 2012

V- Salvador Correia de Sá e Benevides

Quando Filipe III se deslocou pela primeira vez a Portugal para, em Lisboa reunir cortes, corria o ano de 1619. Apesar de ser recebido com um enorme espectáculo de arcos triunfais "em louvor dos heróis portugueses, das nações estrangeiras, dos mercadores e dos ofícios mecânicos," (Serrão, pp.24) o estado do país era de pobreza e de situação financeira grave. Os moradores, ao serem desalojados das suas casas para se instalar o seu séquito, protestaram, houve conflitos, e o Senado apresentou um protesto ao Rei. Era evidente que, apesar de alguns nobres se arruinarem para o receberem com pompa, o povo aumentava o seu desejo de autonomia.
Por esta data, sensivelmente, regressava de Lisboa Martim de Sá, e, com ele, vinha Salvador, que, ao aportarem na Baía, receberam o convite do governador D. Luís de Sousa, para visitarem as minas de Itabayana, em Sergipe. O seu interesse pelo desenvolvimento mineiro nunca iria esmorecer, tal como tinha acontecido com o seu avô e pai que viriam a prosseguir os ensaios dos metais em S. Paulo.
Pouco depois de Filipe III deixar Lisboa, Salvador Correia de Sá e Benevides comandou um comboio de trinta navios, carregado de produtos do Brasil, de Pernambuco a Lisboa. A colónia alimentava, partilhava, já então, as suas riquezas com Portugal. Iniciavam-se para Salvador, as suas responsabilidades de comando e grandeza em prol do Portugal da Idade Moderna. Porque, mesmo apesar do facto de o Brasil ter jurado solenemente, em 25 de Maio de 1582, na Baía, a realeza de Filipe II de Portugal, quando os holandeses, ingleses e franceses começaram a quebrar a política do "Mare Clausum" e a ocupar a sua costa, os colonos, os missionários, alguns dos governantes e a população em geral, continuaram a reagir como portugueses.
Em 1624, quando os holandeses se apoderaram da Baía, organizou-se a resistência, pediram-se reforços ao reino e às outras capitanias. Esse reforço mostra bem as dificuldades que Portugal vivia debaixo da alçada dos espanhóis. Salvador Correia de Sá e Benevides, que estava na metrópole, regressa ao Rio, como comandante, partindo de Lisboa a 19 de Agosto de 1624, com um único navio, de apoio à Baía, o "Nossa Senhora da Penha de França." Levava oitenta homens e uma pequena quantidade de armas.
Chegado ao Rio, o seu pai, o governador, mandou-o para a capitania meridional de S. Vicente, para arranjar homens e mantimentos para os sitiados da Baía. Ele alistou um total de cem índios e oitenta brancos, aqui e no Rio, com os quais partiu para o Norte em duas caravelas e seis canhoneiras grandes, no princípio de Fevereiro de 1625. Na sua viagem pela costa, entrou no Espírito Santo, onde em 11 de Março, foi surpreendido pela aparição de quatro navios holandeses ao largo da barra. (Boxer, pp.57) Este navios eram comandados por Piet Heyn, que andava ao corso, depois de se terem gorado os seus objectivos, de se apoderar do depósito português de escravos, em São Paulo de Luanda e em Benguela.
Aí, Salvador teve o "baptismo de fogo" com os holandeses. A 13 de Março, Piet Heyn fez uma tentativa de desembarque e não conseguiu. No dia seguinte voltou a tentar e foi um desastre. Salvador, emboscado, frustrava-lhe qualquer tentativa. A 15 de Março, enviou a terra um grupo com uma bandeira a pedir tréguas, para tentar resgatar um prisioneiro que os portugueses teriam, e pedindo frutas e vegetais como reconhecimento por ter tratado bem os jesuítas que caíram nas suas mãos na Baía. Os portugueses recusaram e o holandês resolveu desistir e partir. Tinha perdido, nesses ataques ao Espírito Santo, mais do dobro dos homens dos que a força expedicionária holandesa perdeu na tomada da Baía. (Boxer, pp.58/59)
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(continua) 

sábado, 26 de maio de 2012

V - Salvador Correia de Sá e Benevides

«Alcaide-mor da Cidade de S. Sebastião do Rio de Janeiro,
Almirante da Costa do Sul e Rio da Prata,
Superintendente em Todas as Matérias de Guerra da Dita Costa,
Governador da Capitania do Rio de Janeiro,
Administrador de Todas as Minas do Brasil,
Conselheiro dos Conselhos de Guerra e Ultramarino,
Restaurador e Governador de Angola, &&&.» (*)

Os cargos exercidos por Salvador Correia de Sá e Benevides, dão-nos a dimensão do homem, do poder e da fortuna que granjeou. De certo modo intimidam, ainda hoje, quanto mais no seu tempo! Naturalmente que não podemos deixar de o ver como um herói da História de Portugal da Idade Moderna, mesmo que aos heróis, hoje como ontem, não possam deixar de ser imputadas culpas; «errare humanum est». Será, por isso, nessa perspectiva heróica do homem do século XVII, que continuaremos este trabalho, na veemente admiração desse grande feito que foi a construção do Brasil, da cidade do Rio de Janeiro e da Restauração de Angola. 
O nome de Benevides diz-nos da origem espanhola de Salvador, pois seguiu o apelido da mãe. No seu sangue corriam, aliás, várias nacionalidades, uma vez que a avó materna era inglesa, descendente de um ramo da família Bowerman, senhores do feudo de Brook na Ilha Wight, que se tinha fixado em Devon durante a primeira metade do século dezasseis, e de lá emigraram para Málaga. Segundo Boxer, um dos primos mais mais velhos dessa avó Cicely, foi presidente do conselho dos mercadores ingleses em Espanha, e um outro foi conselheiro do mesmo órgão. O seu avô materno foi governador de Cádis.
Sobre a sua família paterna dizia-se, mais tarde, quando o crepúsculo se fez sentir na sua vida, que a sua avó seria cristã nova, filha de judeus que se instalaram no Rio. No entanto, não foi devidamente esclarecido esse facto. Aquilo que o vate renascentista e grande humanista, Francisco Sá de Miranda, dizia valer no Portugal de então: - o sangue e o dinheiro -, reuniu-os Salvador Benevides, aliados a uma coragem indómita e capacidade de empreendimento, comparável à do Sá das Galés, à do capitão que comandou a armada do descobrimento de S. Tomé, à de Mem de Sá, de seus avós e pai, dos primos ingleses. Constitui um "feudo" no Rio de Janeiro de uma riqueza sem igual, e de um poder que lhe permitiu construir, ser, o "Padre eterno".
«Martim de Sá teve este filho, nascido no Rio de Janeiro no ano de 1594.» Estas são as palavras de Norton, de Lessa, e de outros autores que estudámos para escrever este texto, com as nossas e as suas palavras. Boxer aponta a data de 1602 para o seu nascimento e, o local, a cidade de Cádis. Os oito anos de diferença alteram a sua idade, no que concerne às datas em que Salvador Benevides praticou actos intrépidos.Intrigou-nos este facto, que foi esclarecido pelos documentos citados por Boxer, em que se incluem o próprio juramento de Salvador, em depoimentos que fez, no que se refere à data e local do seu nascimento. (1)
No que se refere à sua infância, também se encontram diversas contradições e poucas certezas. Os autores que pugnam como tendo nascido no Rio de Janeiro, imaginam a sua infância a estudar no Colégio da Companhia de Jesus, perto da sua casa, e a passar férias no engenho da Tijuca. Boxer diz que documentalmente não se sabe nada da infância de Salvador, além de que fez a primeira viagem ao Brasil quando tinha doze ou treze anos (2) e que foi educado durante alguns anos pelos Jesuítas, em cuja Sociedade ele estava desejoso de entrar. (3)
A idade com que foi para o Rio de Janeiro coincide com o ano de 1614, em que seu avô, Salvador Correia de Sá, regressou da sua viagem à Corte e a Lisboa. Poderemos supor que estudou em Lisboa, no Colégio de S. Antão, e viveu a primeira infância com os avós paternos, ou então, que estudou e viveu em Espanha com os avós maternos. Porém, a história não se faz de suposições e só nos podemos basear nos documentos até agora conhecidos. Esses primeiros anos não estão desvendados; os papéis ainda guardam segredos e esperam por novas pesquisas.
Sabemos que Salvador Correia de Sá e Benevides casou com D. Catarina de Ugarte Velasco, filha do vice-rei do Peru, que também teve o cargo de governador do Chile; depois de a ter conhecido quando comandou a campanha militar contra os Calchaquis, que estavam em rebelião, dirigidos por Pedro Chamay.
Esta revolta dos índios nos territórios espanhóis do Rio da Prata, principalmente na província de Tucuman, preocupou o rei Filipe III que escolheu Salvador para resolver a contenda. O cabecilha desta guerra foi preso em 1634, com a tomada da povoação de Singuil e a vitória final decidiu-se na batalha de Palingarta. A ordem voltou ao Paraguai. Recheada de emboscadas, numa situação territorial difícil, foi uma guerra que granjeou louros para Sá e Benevides, pois chegou a ser ferido com "numerosas frechadas".(4) Filipe IV viria a nomeá-lo Governador e capitão-general da capitania do Rio de Janeiro.
Este casamento, pelo seu dote, enriqueceria o já tão vasto património de Salvador em domínios, tesouros, poder e nobreza. D. Catarina descendia de fidalgos que há muitos anos serviam na América do Sul. Desde 1561 a 1564 que um seu antepassado tinha sido o 4º vice-rei, D. Diego Lopes e Velasco, conde de Nieva. Mais tarde, de 1596 a 1604, outro dos seus familiares, D. Luís Velasco, também foi vice-rei no "velho país dos Incas." às glórias dos antepassados da família dos Sás, juntavam-se outras, destas egrégias gerações.
Mais tarde, no Brasão de Armas do Visconde de Asseca, iriam figurar as armas dos Correias, dos Sás, Benevides e Velascos. 
Deste consórcio nasceram «Martim Correia de Sá, João Correia de Sá, Salvador Correia de Sá (que foi Chantre da Sé de Lisboa e morreu moço), Sebastião de Sá, jesuíta, e Teresa Velasco, mulher de Luís da Silva Telles, (depois freira de Santo Alberto).» Salvador Correia de Sá e Benevides teve uma outra filha, com "uma moça parda," que se chamou Joana Correia de Sá e Benevides. (Alencastro, pp. 365)
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Notas:
(*) In: Norton, pp.23
(1) Torre do Tombo, Habilitações da Ordem de Cristo, carta 8, maço 4; "consulta da mesa de consciência e ordens", 6 de Abril de 1644; AHU, Lisboa, cod. 253, "Lº1 das consultas da Bahia", fol. 43 ff.; relatório de Salvador para o Conselho Ultramarino de 3 de Maio de 1677.
(2) Relatório de Salvador, de 3 de maio de 1677, publicado em «Revista trimensal», LXIII, (1901),pp.5-13
(3) Carta de Salvador, de 2 de Junho de 1643, para o geral jesuíta, publicada in: Leite, História, pp. 423-4
(4) SAMPAIO, Albino Forjaz de , Salvador Correia de Sá e Benevides, O Restaurador de Angola, Lx, editora Ática, 1936, pp.8.
       

sexta-feira, 25 de maio de 2012

IV Martim de Sá - Governador do Rio de Janeiro

No Espírito Santo não conseguiram a vitória, porque foram repelidos por 300 homens que aí desembarcaram vindos do Rio de Janeiro, comandados por Salador. O mesmo viria a acontecer quando a esquadra de Bonwijni Hendrikszoon chegou defronte da Baía a 1 de Maio de 1625. Os holandeses tinham capitulado, depois de resistirem um mês ao cerco dos portugueses e espanhóis. Albert Schouten faleceu e tomou o comando Hans Ernest Kijf, que retirou da Baía as suas tropas apenas com os alimentos suficientes para a viagem.
Quando faleceu, aquele que foi o primeiro filho nativo que se tornou governador do Rio, já tinha visto toda a costa Sul ser pilhada por Piet Heyn e Olinda e Recife serem tomadas pelos holandeses. No entanto, durante os dois períodos do seu governo,  o Rio de Janeiro não sofreu a invasão do inimigo.
D. Maria de Mendonça e Benevides não foi estranha a toda a obra que Martim de Sá deixou nos quase cinquenta anos em prol da colonização portuguesa. Assim como o não foi na força anímica e coragem que incutiu a seu filho, Sá e Benevides.
Duarte Correia Vasqueanes sucedeu-lhe no governo, apesar de se manter pouco tempo no cargo. Rodrigo de Miranda Henriques foi nomeado pelo governador da Baía, até que sua Majestade decidiu, novamente, entregar o Rio à chefia da Família dos Sás, que melhor tinha zelado pelos seus interesses durante gerações. Foram duas nomeações intermédias, enquanto Salvador não tomava o cargo.
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Nota:
(1) Padilha tinha conhecido Van Dorth e a sua filha em Lisboa, sem saber que este comandante holandês preparava o assalto à Baía. Esta filha, Bertha Van Dorth, apaixonara-se pelo homem que viria a causar a morte de seu pai. No entanto, o seu óbito terá sido acidental, uma vez que Francisco de Padilha, julgava estar a atacar um primo da mulher, que ambos amavam, e que era um holandês de mau carácter. Esse encontro com Van Dorth, teria sido uma cilada montada pelo próprio sobrinho do Coronel, que se dirigia ao porto e ia encapuçado. (não sabemos da veracidade desta história trágico-romântica que nos conta Eduardo Noronha.)
In: NORONHA, Eduardo, Com os Olhos na Pátria! Episódios Dramáticos da Lucta entre Portugueses, Brasileiros e Hollandezes no Século XVII, Porto, Civilização Editora, s/d.

IV Martim de Sá - Governador do Rio de Janeiro

Aos aspectos económicos juntou-se, novamente, uma política administrativa de divisão de governos. A partir de 1608, as capitanias do Norte são governadas por Diogo de Menezes e as do Sul por Francisco de Sousa. Quando, em 1612, Gaspar de Sousa substituiu Diogo de Menezes, um novo governo reunificado, trazia ordens imperiosas para colonizar o litoral norte do Brasil que começava a ser invadido por holandeses, ingleses e, sobretudo pelos franceses que se tinham enraizado e fortificado na região.
Durante todo o período de vida activa como governador do Rio de Janeiro, Martim de Sá irá partilhar desta situação. Do Rio é que foram muitas vezes navios carregados de alimentos e homens para ajudar na expulsão dos franceses e holandeses. Jacques Riffault quis apossar-se do Maranhão e aí deixou Charles Desvaux enquanto conseguia em França o apoio de Henrique IV. O rei, entusiasmado, enviou Daniel de La Touche, senhor de La Ravardière, para recolher informações, que foram das melhores. Entretanto, após o assassínio do rei francês, Maria de Médices, Regente na menoridade de Luís XIII, envia três navios de guerra: La Regente, La Charlott e La Saint'Anne, com mais de mil homens e alguns religiosos capuchinhos. Entre eles encontravam-se Cláudio D'Abbéville e Yves D'Eveux que, mais tarde, escreveriam a história da expedição. Iriam dar-se violentos combates e, entre armistícios e derrotas, os franceses foram expulsos em 1 de Novembro de 1615 depois de assinarem a capitulação.
A França Equinocial sairia malograda, tal como a Antártida, no Rio de Janeiro em 1567. Esta difícil guerra veio demonstrar aos portugueses dois aspectos relevantes: o primeiro, é que não bastava conquistar territórios: era necessário povoá-los; o segundo, era a demonstração de que os índios poderiam submeter-se sem ser pela escravidão e a violência como faziam, por vezes, os portugueses, mas sim, pela acção pacífica e pela benevolência, como fizeram os franceses. (O facto é que ainda,  em 2004, possuem território ultramarino, no Brasil.)
Martim de Sá, tal como os seus antepassados, continuava a assistir à invasão do Brasil pelas cobiçosas nações estrangeiras. O seu filho também irá ajudar nestas lutas que opunham portugueses a holandeses porque, de facto, Madrid deixava quase ao abandono a colónia. Quando em 1621 se funda a Companhia das Índias Ocidentais, com um capital de dezoito milhões de florins, os holandeses cobiçaram o Brasil.
Piet Heyn, Albert Schouten, Johan Van Dorth conseguiram tomar a Baía, a 11 de Maio de 1624, ao governador D. Diogo de Mendonça Furtado. No entanto, "o Coronel Von Dorth, foi emboscado e morto por um grupo de índios, ficando o seu corpo selvaticamente mutilado. Este grupo de índios era comandado pelo português Francisco de Padilha". (Boxer, pp.54) (1)
Como inicialmente, os moradores ficaram assombrados e receosos, abandonaram a cidade; "o Bispo, D. Marcos Teixeira deu o admirável exemplo de ficar, mas depois de uma inspirada liderança de guerrilhas durante cinco meses, morreu esgotado pelos seus esforços." (Boxer, pp.54/55) Os holandeses, cientes da vitória, resolveram levar até outros portos do Sul a maioria da esquadra. Alguns navios partiram para a Europa com os saques.
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(continua)     

quinta-feira, 24 de maio de 2012

IV Martim de Sá - Governador do Rio de Janeiro

Martim de Sá nasceu no Rio de Janeiro cerca de 1575. O seu pai, Salvador Correia de Sá, casou três vezes. D. Victória da Costa é a única esposa que figura no fragmento da árvore genealógica que nos fornece Clado Ribeiro de Lessa. A exacta categoria social da mãe de Martim de Sá parece estar envolta em mistério. (Boxer,pp.5)
Martim de Sá casou-se com uma senhora anglo-espanhola, chamada Doña Maria de Mendoza y Benavides, filha de Manuel de Benavides, o castelão, mais tarde governador de Cádis, e de sua esposa inglesa, Cicely Bowerman. Este enlace deve ter sido por volta do ano de 1600, durante uma viagem que terá feito à Europa, mas a data não está determinada por falta de registos. (Boxer,pp.7) Certo é, porque está documentado, que o seu filho Salvador Benevides nasceu em Cádis, em 1602.
No entanto, em Julho desse mesmo ano, Martim de Sá estava no Rio, uma vez que existem documentos por ele assinados com essa data. Depois de ter acompanhado o pai em algumas expedições de prospecções mineiras e de captura de escravos, toma posse como governador do Rio de Janeiro, a primeira vez, desde 1602 a 1608. A partir desse ano "voltaria a ser, como seu pai tios e primos, o administrador geral não só daquela antiga donataria, atribuída a Martim Afonso de Sousa, mas também o defensor das capitanias do Sul". (Norton. pp.19/20)
Corria o ano de 1617 quando Martim de Sá partiu para Lisboa. Durante esta estadia, requereu e obteve de Filipe II o cargo do pai, Administrador de Minas, quando este falecesse. Ao regressar, exerceu o cargo de capitão-mor de S. Vicente, desde 1620 a 1622. Em 1623, Martim de Sá iniciou nova governação e reatou a tradição familiar de receber o governo pela 2ª vez, e o cargo de defensor das capitanias do sul, que iria manter até à sua morte em 1632.
"Na carta ânua, escrita pelo Padre António Vieira de 1626, descreve-se o cuidado e a prudência que o governador usou para defender o Rio de Janeiro dos ataques holandeses. Fortificou-se a praia e ergueu-se uma fortaleza na entrada da barra com a ajuda dos Padres da Companhia a quem o governador recorreu para se fazer o recrutamento dos índios. Ao governo de Martim de Sá deveu a cidade do Rio de Janeiro não ser tomada pelos holandeses." (Norton,pp.20) Da mesma opinião é Boxer que aponta o seu mérito e diz que ele fez muito pelo desenvolvimento da cidade e provou ser um hábil e enérgico governador. A industria, a agricultura e o comércio prosperou e a cidade fortificou-se.
S. Schwrtz refere, que a indústria açucareira do Rio de Janeiro se expandiu rapidamente entre 1610-1612 e 1629, tendo o número de engenhos aumentado de 14 para 60, uma taxa de 8% por ano. Essa expansão terá sido provocada pela introdução de novas máquinas e tecnologias que tornavam mais barata e fácil a construção de novos engenhos a pequenos produtores. As grandes prensas ou gangorras eram substituídas pelo «engenho de entrosas», de «três paus» ou de «palitos», como por vezes se chamavam. O século XVII trazia consigo o predomínio da produção de açúcar à colónia, apesar do Rio de Janeiro também se especializar na produção de geribita.
Esta rápida industrialização também se explica pelo facto de o preço do açúcar branco na Baía ter subido de 500 reis por arroba, em 1570, para quase 1600 reis, em 1613. As tréguas entre a Espanha e as Províncias Unidas desde 1609 tinham conduzido a uma prosperidade e expansão harmoniosa. Essa expansão tinha contudo um preço. André de Gouveia alertava nesse mesmo ano de 1609: «Um engenho é inferno e todos os senhores deles são perdidos». O Brasil tornar-se-ia no maior importador de escravos.
O início da Guerra dos Trinta Anos, em 1618, irá conduzir à depressão a partir de 1620, uma vez que se iniciaram as hostilidades com os holandeses. Problemas cambiais provocados pela manipulação dos diversos governos da Europa, que tinham os armazéns bem abastecidos, afectaram duramente a economia açucareira do Brasil durante uma década. Em 1630 os lucros dos plantadores baianos tinham descido entre 30% e 50% relativamente aos níveis de 1612.
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(continua)      

quarta-feira, 23 de maio de 2012

Salvador Correia de Sá (O Velho) -Governador do Rio de Janeiro

Quando Manuel Teles Barreto assumiu o Governo-geral, em Maio de 1583, a sua principal preocupação foi fortificar o Brasil. A segurança dos portos era primordial, porque a Espanha em guerra com a França, a Inglaterra e a Holanda sublevada, teria o Brasil cercado de inimigos, como viria a acontecer. A conquista da Paraíba, que tinha sido frustrada para Luís de Brito e Lourenço Veiga foi conseguida em 1586 e a influência dos portugueses estendeu-se ao Maranhão.
O Padre Joseph Anchieta, a quem o Brasil deve, para sempre, gratidão, falecia em 1597 e deixava, entre muitos escritos de valor, um que descreve o Rio do seu tempo, numa perspectiva geográfica, administrativa, religiosa e sócio-económica:
«O Rio de Janeiro é capitania de El-Rei tem governador sujeito ao da Baía. É Cidade intitulada de S. Sebastião, que fundou el-rei D. Sebastião, de boa memória, que ele determinava fazer muito nobre por ser de seu nome e primeira que havia fundado. Dista Do Espírito Santo 50 léguas e da Baía 180, e da Equinocial 23 graus no Trópico austral.
É porto de Mar, a cidade não mui bem assentada em um monte, mas de muito bom prospecto ao mar, tem uma baía mui formosa e ampla cheia pelo meio de muitas ilhas, não tão grandes como aprazíveis, e é a mais airosa e ampla baía que há em todo o Brasil, tem um circuito mais de 20 léguas e o porto é tão fundo que as naus mui grandes estão com a proa em terra em 14 braças.
Tem uma fortaleza cheia de muito boa artilharia, com outros três ou quatro fortes que a fazem muito defensável; terá 150 vizinhos de Portugueses e tem seu vigário com outro coadjutor somente, aqui reside de ordinário o Administrador, que é como bispo.
É terra de grandes e altissímos montes e penedias, e ao entrar da barra tem uma pedra mui larga ao modo de um pão de açúcar e assim se chama, e mais de 100 braças em alto, que é cousa admirável. Destas terras descem muitos rios caudais que se vêm despenhar e correr ao mar de duas e três léguas, e por estar debaixo do Trópico tem calores e frios quase tão rijos como em Portugal. O Inverno é mui aprazível e como Primavera na Europa, no Verão chove muito e quase cada dia; é terra rica, abastada de gados e farinhas e outros mantimentos, tem três  engenhos de açúcar; achou-se agora  nela noz moscada e pau de áquila, tão fino com o da Índia Oriental mas de mui suave olor e em tão grande quantidade que fazem os navios dele; é abundante de cedros e árvores de sândalos brancos mui finos; dão-se nela uvas, trigo e outras cousas de Portugal; de pescado é mui abundante e o clima é muito saudável.» (P.Coelho; pp.19)
Salvador Correia de Sá deixou o governo da capitania do Rio de Janeiro um ano depois, em 1598, e, por esse tempo, já Francisco de Sousa tinha para notabilizar o seu governo do Brasil, a conquista do Rio Grande do Norte. No entanto, os corsários de diversas nações atacavam os seus portos e não encontravam resistência possível que evitasse as suas destruições e rapinas. Em 1591, Thomaz Cavendish saqueou e incendiou a vila de Santos, e em 1595, outro inglês, Lencastre, com o holandês Venner atacaram o Recife, praticando o roubo e o saque durante um mês. Os colonos sentiam-se em permanente estado de insegurança e o medo assombrava o quotidiano da população em geral.
«Os limites impostos ao conhecimento, decorrentes do profundo abalo psíquico provocado pelas crises e rápidas transformações ocorridas entre os séculos XVI e XVII, tinham como causa maior o medo que, camuflado ou manifesto, estava presente em toda  a parte.» (1)
Realço este aspecto, porque apesar do Rio de Janeiro não ter sofrido saques nem Invasões desta natureza, neste período espanhol, também aqui se viveu em constante sobressalto.
«A aventura do conhecimento que se iniciara com o desenvolvimento da astronomia no início do século XVI, tinha na figura do navegador  que viajava para descobrir, arriscando a vida, o símbolo dessa experiência viva» - o medo. «O facto é que o século XVI preparou uma sociedade de mercadores, navegadores e viajantes que realizando uma grande epopeia, romperam com fantasias e profecias, desafiando a imprecisão dos dados astronómicos, em busca de uma espécie de eterno mistério dourado»(2)
Salvador Correia de Sá partiu para a corte em Agosto de 1601 e chegou a Lisboa em Outubro do ano seguinte. Desde 1598 que era administrador de minas e ambicionava conseguir "o supremo governo das minas da terra do Brasil que veio a receber." Coroava-se de glória, pois deixaria a seu filho, Martim de Sá, o governo da capitania do Rio de Janeiro que iria, por sua vez, passá-lo a seu filho, Salvador Correia de Sá e Benevides. Voltaria ao Rio em 1614, para se dedicar às Minas e ao "sertão."
Eram gerações que se sucediam e se eternizavam na memória dos vindouros pelas suas obras em prol de Portugal, do Brasil e da sua "Fortuna".
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Notas:
(1) e (2) In: FLECK,  Eliane, C. Deckmann, O Imaginário dos Séculos XVI e XVII suas Manifestações e Alterações na América, Sociedade Portuguesa de Estudos do Séc. XVIII, XI Congresso Internacional, Lisboa, 1997.
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(continua)      

terça-feira, 22 de maio de 2012

III - Salvador Correia de Sá (O Velho) Governador do Rio de Janeiro

As bandeiras, verdadeiros bandos organizados, que integravam centenas de pessoas, constituíram-se assim como uma forma, praticamente legítima, de angariar escravos. D. Luís de Brito informado por Fernando Tourinho da existência de minas de esmeraldas, enviou uma expedição de bandeirantes dirigida por António Dias Adorno, para o sertão. No regresso, traziam amostras de esmeraldas e outras pedras preciosas e mais de sete mil índios Tapiguains, como escravos.
Muitos dos bandeirantes, como por exemplo António Raposo Tavares, que durante dois anos fez um percurso terrestre que o levou a Santos, a S. Paulo e a Belém e regressou depois à Baía, contribuíram para desbravar o território brasileiro. Certas vezes levavam mulheres e filhos, missionários e escrivães que traçavam as rotas e tomavam notas de toda a expedição. Alguns, dada a grande extensão destas viagens, fixavam-se temporariamente, não só para semear e colher os alimentos, feijão, milho, etc., mas para caçar, criar gado, construir canoas e formar povoados que mais tarde deram origem a vilas e cidades.
Os missionários, os bandeirantes e os criadores de gado, foram dos pilares básicos da colonização do Brasil. Outros conquistadores como Frutuoso Barbosa, de infeliz destino, Simão Rodrigues Cardoso, que conseguiu estabelecer-se na margem direita de Paraíba, ou João Coelho de Sousa, que como explorador, subiu o rio de S. Francisco e fundou a povoação de Quebrobó, deram o seu valioso contributo. Quando, em 1581, António Dias Adorno regressou de uma exploração a Minas Gerais, feliz porque tinha encontrado minas de pedras preciosas, que se propunha explorar, ficou sem o apoio para continuar o seu trabalho por ter falecido o governador geral Lourenço da Veiga.
Salvador Correia de Sá, logo que teve o cargo de Administrador de Minas, também foi bandeirante - «no sentido de sertanista» - pois, com os filhos varou os sertões da Paraíba, ultrapassou a serra da Mantiqueira até ao Rio Verde e marcou o itinerário às futuras bandeiras do século XVII. Chegou a recorrer ao governo de Lisboa para que lhe enviassem mineiros.(Norton, pp.15)
Ele, os seus três filhos, dois dos seus irmãos e três primos, serviram de exemplo abnegado da criação e desenvolvimento da cidade do Rio de Janeiro.
O Brasil, quando passou para o poder político dos espanhóis, tinha cerca de 150 engenhos de açúcar e a produção ascendia a duzentas mil arrobas. Essa principal mercadoria de exportação e de riqueza era conseguida com muito e pesado trabalho. Padre António Vieira dirá mais tarde que sem escravos não havia açúcar, e sem açúcar não havia Brasil. Laboravam os engenhos de dia e de noite e os campos de cultivo estavam também dependentes dos escravos africanos e índios.
O Oceano Atlântico funcionava como uma plataforma giratória no século XVI: era algo que unia, e não que separava, e facilitava o comércio bipolar entre o Brasil e a África. Tansportavam-se homens e técnicas. No entanto o Brasil do séc. XVI e XVII é, por assim dizer, vários "brasís", ainda com dificuldades em comunicar entre o Norte e o Sul. Os ventos e as correntes permitiam a ligação entre a costa brasileira, Cabo Verde e a Guiné e dava-se continuidade entre Angola e a Mina, onde os escravos capturados eram tidos e vendidos como prisioneiros de guerra. Os portugueses eram amigos do rei do Congo e compravam estes homens, mais valiosos que as mulheres, com os mais diversos produtos: conchas, "panos de lei", animais domésticos, cavalos, aguardente, etc. Estes negociantes ligados ao tráfico negreiro eram homens de grande poder económico e cultos, porque podiam ter bibliotecas actualizadas e discutiam sobre tudo, inclusive literatura. Por vezes também foram perseguidos pela inquisição.
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(continua)        

segunda-feira, 21 de maio de 2012

Salvador Correia de Sá (O Velho) - Governador do Rio de Janeiro

O avô de Salvador Correia de Sá e Benevides, que iniciou no Rio de Janeiro uma verdadeira dinastia, com breves interregnos, em poder, riqueza e iniciativa, nasceu em Vila Nova de Famalicão, ou em Barcelos, conforme outros autores, na quinta de Pena Boa, em 1547.
Salvador Correia de Sá começou a sua vida oficial no Brasil como tantos outros colonos, com uma Carta de Sesmaria. E foi como sesmeiro da ilha do Gato que a partir de 4 de Março de 1568 e até 1571, se tornou governador da nova cidade do Rio de Janeiro. Deixava de ser sesmeiro para ele mesmo atribuir as Cartas de Sesmarias a outros colonos, uma vez que a emigração ibérica continuava a ter como principal "mobile" a posse de terras e uma mão-de-obra imediata nos índios, ou nos escravos africanos que depressa faziam enriquecer os que chegavam. Os colonos iam com intenções diferentes: uns para enriquecer, outros para ficar e permanecer, no entanto, até 1560 quase todos pretendiam voltar à metrópole.
Assim, com uma política de atribuição de Cartas aos sesmeiros, - logo no primeiro ano de governo distribuiu vinte e uma -, conseguiu atrair muitos moradores. A cidade desenvolveu-se e Salvador Correia de Sá estabeleceu um núcleo urbano que assume primazia com o seu próprio bispado. Ainda em 1568, teve de fazer guerra a quatro naus francesas em Cabo Frio, mas com a ajuda dos Tamoios, e de Araribóia, deu-se o ataque e a posse do recheio das naus, que surpreendeu tudo e todos. As naus transportavam artigos de luxo, desconhecidos dos moradores e dos índios, que vestiam, com alegria, as roupas e desfrutavam do saque.
Os engenhos do açúcar em grande desenvolvimento e a produção de aguardente iriam facilitar a ligação a Angola e a compra de escravos, cada vez mais necessários. Na mão-de-obra escrava estava a promessa do desenvolvimento do Brasil. O Rio de Janeiro assumiria um papel importante no tráfico, inclusive como fornecedor das minas de ouro de Potósi das colónias espanholas.
A Colónia brasileira, segundo Serafim Leite, desenvolveu-se culturalmente porque em 1575, atribuiram-se os primeiros graus de Bacharel em Artes. "Foram os primeiros a que ninguém até ali tinha subido no Brasil, desde todos os séculos." E diz-nos que, em 1598, havia no Colégio da Baía um curso de Artes com 40 estudantes. Os Jesuítas tiveram a seu cargo a educação e a cultura, uma vez que só mais de 30 anos depois de terem ido para o Brasil é que vieram a estabelecer-se outras ordens. A seguir a 1580 vieram os Beneditinos, os Franciscanos (agora de modo fixo), e os Carmelitas.
Com uma breve interrupção, Salvador Correia de Sá assumiu um segundo governo da capitania em 1577 (que irá até 1598) quando, nesse mesmo ano, o Brasil voltava a ter um único governador, D. Luís de Brito. Antes, em 1573, o governo da Colónia tinha sido dividido por dois governadores. As capitanias do Norte, a partir do Espírito Santo, até à Baía e S. Salvador, ficaram sob a alçada de Luís de Brito e as restantes do Sul, foram governadas por António Salema com sede no Rio de Janeiro. 
Viveram-se durante estes anos verdadeiros perigos, pois os Tamoios, instigados pelos vários franceses que tinham ficado a viver entre eles, revoltaram-se. A. Salema organizou uma bandeira com mais de mil homens bem armados, comandada por Cristovão de Barros, e fizeram-lhes guerra. Para além de imensos mortos, os índios foram submetidos à escravatura num número para cima dos dez mil. Todos os que conseguiram escapar foram para norte e refugiaram-se nas margens do Amazonas.
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(continua)     

sábado, 19 de maio de 2012

II - Estácio de Sá - A fundação da cidade do Rio de Janeiro

Villegagnon não foi capturado porque tinha regressado a França em 1559, para conseguir reforços. Henrique II já se tinha desinteressado do Brasil e pouco depois vinha a falecer. O rei que lhe sucedeu, Carlos IX, não ajudou Villegagnon e  este nunca mais tornou à América. "O sonho da França Antárctida" tinha-se desvanecido perante a coragem dos portugueses. Estácio de Sá foi ferido na face com uma seta envenenada e veio a falecer um mês depois.
Mem de Sá decidiu mudar a cidade para um local mais afastado da barra, para um outeiro a que chamaram "Monte do Castelo", e onde se levantou uma fortificação.Construiu-se de seguida a igreja matriz, o colégio dos jesuítas, a Casa da Câmara, alfândegas, armazéns, etc. Anos depois o próprio Padre Anchieta iniciou a construção dum grande hospital que mais tarde teria o nome de Santa Casa da Misericórdia. O governador doou terras à volta do Rio e contemplou o índio Araribóia, amigo e colaborador dos portugueses. À Companhia de Jesus ofereceu um terreno para construir o 3º colégio onde em 1570 viria a morrer o P. Manuel da Nóbrega.
A sua boa relação com os jesuítas permitiu que a educação e a instrução progredissem, pois as cartas de D. Catarina a Mem de Sá autorizavam que se ensinasse latim num curso que reabriu em 1564, e além do latim estudavam a Eneida. Durante o Século XVI não houve outros mestres, pois onde houvesse uma casa de jesuítas logo se abria uma escola, diz-nos Serafim Leite.
Em 1568 Mem de Sá partiu para a capitania do Espírito Santo, mas antes de partir nomeou capitão e governador do Rio de Janeiro o seu outro sobrinho, Salvador Correia de Sá. No mesmo ano era aclamado o rei D. Sebastião.
Organizada a colónia, em 1570, Mem de Sá pediu para regressar à metrópole, mas o governador que o veio substituir sofreu um ataque de corsários franceses, Sória e Capdeville, e foram mortos quase todos os que faziam parte da expedição, inclusive 40 missionários. Este desastre fez com que tivesse de continuar mais dois anos no governo. Veio a falecer a 8 de Março de 1572 sem voltar à sua terra natal.
Pode-se, talvez dizer que a Mem de Sá ficou Portugal a dever a posse da colónia. Teria sido o "Afonso de Albuquerque do Ocidente", como lhe chamou Luís Norton.
Corria o ano de 1576 quando foi impressa a História da Província de Santa Cruz, de Pêro Magalhães Gândavo e, em censos da época, o Brasil tinha, incluindo os escravos, cerca de 57.000 habitantes. Nesse mesmo ano instituía-se o monopólio da venda do sal a favor da coroa. O sal que, nessa altura, era uma verdadeira moeda de troca, uma vez que ia de Portugal para a Holanda e para outras partes dos continentes, fazia parte das imensas riquezas territoriais deste país de aquém e além-mar.
O rei D. Sebastião encontrou-se com Filipe II no Santuário de Guadalupe e propôs-lhe uma acção militar conjunta no norte de África. A cobiça dos espanhóis por Portugal incentivou esta jornada fatídica. Não fizeram acordo, mas os apoios foram concedidos. Filipe II, neto de D. Manuel I, sabia que não havendo herdeiro ao trono, poderia reclamar para si a coroa de Portugal. Em 1577, o cardeal D. Henrique não aceita a regência e discorda da jornada marroquina. Morreria em 1580, quando foi aclamado rei D. António Prior do Crato. Seguiram-se as lutas pelo poder que conduziriam à anexação de Portugal pela coroa de Espanha. Filipe II deu início à dinastia filipina em 1581 como Filipe I de Portugal. O desastre de Alcácer-Quibir iria trazer muitas desgraças ao território metropolitano e ultramarino. Tinha-se perdido grande parte da melhor nobreza portuguesa e alguns foram resgatados por moeda espanhola, quantias que tornariam os fidalgos devedores, da própria vida e honra militar a Filipe I.
Iniciava-se um novo dealbar que, novamente, esqueceria por longos períodos as necessidades do Brasil. Voltaram os estrangeiros às suas costas e a cobiça era redobrada. Todos os países que estavam em guerra com o "império onde o sol nunca se punha", sentiam-se legitimados em atacar, saquear e conquistar território do inimigo espanhol. Os Holandeses iriam possuir grande parte do território brasileiro durante mais de vinte anos e em África, conquistaram Luanda, e outras partes do território, por quase oito anos, onde negociavam abertamente com as populações. Só em 1631 é que Filipe III ofereceu 500.000 cruzados da sua fazenda para a constituição duma esquadra de socorro ao Brasil. É nessa situação política que se irá desenrolar a gesta dos Sás.
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(continua)   

sexta-feira, 18 de maio de 2012

II Estácio de Sá - A fundação da cidade do Rio de Janeiro

Quando a prosperidade da colónia parecia desenvolver-se, os índios, instigados pelos franceses, reuniram-se  na célebre confederação dos Tamoyos, planeando arrasar a cidade de S. Paulo. Apenas os índios de João Ramalho, Tibiriçá e os seus mamelucos se  conservaram fiéis aos portugueses. A rebelião dos naturais alastrava por toda a colónia, povoações inteiras eram incendiadas e a situação era cada vez mais aflitiva. Nesta ocasião a abnegação dos jesuítas pôde mais que os recursos dos portugueses.
Nóbrega e Anchieta dirigiram-se aonde estavam reunidos os chefes indígenas e com grande dificuldade conseguiram um armistício. Anchieta ficou como refém e partiu Nóbrega com as condições de paz. Estas foram aceites e voltou a firmar-se a paz definitiva, obrigando-se os índios a retirar para os sertões do Oeste e os portugueses a respeitar a sua tranquilidade.
Havia novamente epidemias que alastravam e ficaram tristemente célebres. A que viria a ficar assinalada como a mais grave, pois "morreram 30.000 pessoas no espaço de dois ou três meses" foi a da varíola em 1563. Outra foi a de bexigas em 1597.
Também nestas situações eram os padres que valiam às populações. Anchieta conta na "Carta annua" de 1581 que numa epidemia que durou três meses, chegavam a morrer nas aldeias 5 pessoas por dia. Serafim Leite narra que os padres não descansavam e que, nestas ocasiões, nisso gastavam a vida. A fundação das Misericórdias era, por isso, quase coeva da fundação das cidades, defende o mesmo, porque onde quer que os portugueses se instalassem as fundavam. "Aliás consta que a Misericórdia do Rio de Janeiro já existia, pelo menos, desde 1570."
Em fins de 1564, Estácio de Sá, sobrinho do governador, chegou ao Brasil com os reforços pedidos. Esteve em S. Vicente e poucos dias depois fundou, junto do Pão de Açúcar, na praia vermelha diz-se, uma povoação. O Bispo D. Pedro Leitão, testemunha ocular, afirma porém, que essa povoação se fundou na ilha Carioca.
Enquanto aprontava a esquadra, Nóbrega convidou-o a visitar as casas jesuítas em S. Vicente e S. Paulo e apresentou-lhe os índios principais, sendo que "a maior parte dos índios que a armada levou consigo a povoar o Rio" eram discípulos de Piratininga.
Durante dois anos houve uma guerra de guerrilhas, inútil, porque Estácio de Sá apenas conseguiu manter as posições estabelecidas: Decidiu então Mem de Sá partir para o Rio, onde chegou a 18 de Janeiro de 1567, com três galeões, dois navios costeiros e três caravelões e ainda outras forças vindas de S. Vicente.
Em 20 de Janeiro, enquanto Mem de Sá atacava o forte de Coligny, Estácio de Sá fazia por terra o assalto ao forte de Uruçu Mirim, na foz do rio Carioca, forte que rapidamente tomou. Os franceses retiraram para a ilha de Paranapeçu (do Governador), onde foram derrotados novamente e tiveram de abandonar aquelas paragens onde tinham vivido 12 anos.
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(continua)

I - Mem de Sá, Governador Geral do Brasil

Joaquim Veríssimo Serrão diz-nos que o homem que se instalou na baía do Rio de Janeiro, nos finais de 1555, procurando formar uma colónia como núcleo de uma futura França ultramarina, constitui uma das figuras mais apaixonantes do Séc. XVI.
«Homem de toga e espada» foi um universitário de formação, e um militar de temperamento. Um seu biógrafo, Paul Gaffarel, definiu-o como um «homem universal», voltado para todas as realidades da vida, com um espírito rico e multiforme: «soldado, marinheiro, diplomata, historiador, erudito, agricultor, e mesmo filósofo» - é o retrato daquele que se qualificou como o «roy d'Amerique».  
Villegaignon fora colega de João Calvino nos estudos gerais parisienses. Quando a sua estrela estava a declinar, para reaver o antigo prestígio ergueu o ousado projecto de fundar, na terra do Brasil, uma nova dimensão para o reino francês.
Convenceu Coligny, e ao cardeal de Lorena prometeu o respeito pela doutrina da igreja católica. Para Coligny, o aventureiro abrira o coração à nova doutrina; para o cardeal de Lorena era um católico sem mácula.
Assim conseguiu obter as graças de Henrique II, que lhe deu dois navios armados e 10.000 francos para as despesas e o material de guerra que se julgava suficiente para a instalação em terra firme. O rei, para não abrir um conflito com Lisboa, ignorava oficialmente a empresa, uma vez que estava em estado de guerra com Filipe II. Não se avizinhava ainda a paz de Chateau-Cambrésis, que só seria assinada em 1559. (1)
Mem de Sá era um jurista, licenciado no ambiente cultural de Salamanca, que exercia o cargo de desembargador da Casa de Suplicação e que, desde 1532, fazia parte do Conselho real. A carta de nomeação para o governo do Brasil concedia-lhe o título de «fidalgo de minha casa e do meu concelho». A este "fidalgo" não faltaria brio e coragem para enfrentar o «roy d'Amerique».
Chegado ao Brasil em meados de 1558, encontrou os índios em completa rebelião, a peste grassando por toda a colónia e os colonos em constantes lutas com os religiosos. No entanto, encarou serenamente a situação e tomou medidas enérgicas. Era resoluto sem ser violento, justo e dotado de muita inteligência e cultura, e conseguiu harmonizar as autoridades civis e religiosas.
Aliás, uma das características da família dos Sás foi a constante harmonia com os religiosos e um especial saber viver com as populações. O P. Manuel da Nóbrega, grande figura humanista, o P. Anchieta e, mais tarde, o P. António Vieira, foram figuras determinantes no aconselhamento e constante ajuda para estes governantes.
Logo em 1559 conseguiu um alvará a autorizar a importação de escravos do Congo. Manuel da Nóbrega lamentava-se: Esta gente do Brasil não tem mais conta que com seus engenhos e ter fazenda, ainda que seja com perdição das almas de todo o mundo. (Leite, 1955:346) Também chegou, nesse ano, uma armada comandada por Bartolomeu de Vasconcelos da Cunha, que permitiu a Mem de Sá executar o plano de expulsar os franceses. A Regente escrevia de Lisboa ao novo governador para que este não tardasse a fazer uma frota «e com a brevidade possível fosse ao Rio e lançasse os franceses dele».
Auxiliado pelo bispo D. Pedro Leitão e pelos Jesuítas estabelecidos em S. Vicente (onde Nóbrega tinha ido recrutar índios combatentes), reuniram-se à esquadra na entrada do Rio e atacaram o forte de Coligny. O combate durou três dias, findos os quais os franceses fugiram para o continente deixando cem prisioneiros nas mãos dos portugueses. Convencido que os franceses não voltavam, arrasou o forte e tomou a ilha de Sergipe. Regressou a S. Vicente a 31 de Março de 1560, e enviou cartas ao reino para insistir na colonização do Rio de Janeiro. 
Logo que o governador se retirou, os franceses voltaram ao litoral, porque contavam com o apoio dos índios Tamoyos, e recuperaram Sergipe, reconstruíram o forte, fizeram mais fortalezas e ali ficaram.
Mem de Sá, quando soube, comunicou para Lisboa e entretanto pediu reforços às capitanias para poder expulsar os franceses definitivamente. Visitou o colégio de S. Paulo e conseguiu que os colonos de Piratininga se mudassem para as suas imediações. Ao praticar uma política de cooperação entre padres e colonos, dava início a um maior desenvolvimento do Brasil.
Todo o tempo que lhe sobrava das lutas com os índios, (Goitacás, Adymorés) empregava-o a fazer progredir os trabalhos agrícolas e a cultura da cana-de-açúcar, estabelecendo numerosos engenhos. Desenvolveu as capitanias do Espírito Santo, Ilhéus e Porto Seguro e contribuiu para o desvendar dos sertões enviando exploradores em busca de ouro e outros minerais preciosos.
As primeiras bandeiras foram chefiadas por Vasco Rodrigues Caldas, Braz Cubas, António Dias Adorno e António Ribeiro. Trouxeram ouro e pedras preciosas mas os resultados destas expedições foram fracos.
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(continua)

quinta-feira, 17 de maio de 2012

I - A Família dos Sás. Mem de Sá, Governador-geral do Brasil

Os textos estudados sobre Mem de Sá não são unânimes quanto à sua filiação. Um diz que era filho legítimo do Cónego da Sé de Coimbra, Gonçalo Mendes de Sá, e de Inês de Melo e que seriam quatro filhos reconhecidos, conforme «Carta Régia  de el-rei D. João II,» (1) dos nove que tiveram. Outro diz que o pai não o legitimou, como aliás o terá feito com outros seus oito filhos, num total de treze. (2) Teríamos que pesquisar os documentos para tentar esclarecer estas divergências, mas pensamos que não cabiam no contexto deste trabalho. Sabemos que o Cónego, seu pai, provinha dos Condes de Caminha, - cujo primogénito capitaneara a armada do descobrimento de S.Tomé -, e dos Sás da Anadia.
Descendia Mem de Sá de homens que já tinham realizado feitos heróicos em gerações passadas. O seu sangue era o mesmo de João Rodrigues de Sá, o Sá das Galés, que tinha recebido este cognome porque venceu os Castelhanos no Tejo, em 1385. Mesmo ferido quinze vezes, conseguiu afundar os navios inimigos. Combatente em Aljubarrota, viria a ser embaixador junto do papa Bonifácio IX. (1)
O poeta Sá de Miranda, irmão de Mem de Sá, perdeu o seu primeiro filho em Ceuta na luta contra os mouros, e, num combate em Tetuão, morrera um seu outro sobrinho João Rodrigues de Sá (que tinha o mesmo nome do seu antepassado). O seu próprio filho, Fernão de Sá, viria a morrer numa batalha contra os índios "tamoios," que se tinham revoltado em Espírito Santo. Mem de Sá, com a coragem que lhe era conhecida, aparelhou uma frota e entregou o comando a seu filho, que aí morreu.
Por fim, seria o seu sobrinho Estácio de Sá, fundador do Rio de Janeiro, que viria a morrer na batalha contra os franceses, pela libertação daquela cidade.
Salvador Correia de Sá, Martim de Sá, Salvador Correia de Sá e Benevides, e outros Sás iriam continuar a lutar pelo Rio de Janeiro, e, pelos séculos, a deixar o seu nome vivo na história do Brasil e de Portugal. O filho de Salvador Correia de Sá e Benevides, Martim Correia de Sá, primeiro Visconde de Asseca, foi combatente nas batalhas de Ameixial e Montes Claros, e acabou por falecer em Setúbal em 28 de Outubro de 1678, em consequência de graves ferimentos recebidos "no assalto a Badajoz" (3) 
Em 1710, quando da nova invasão francesa ao Brasil, vamos ainda encontrar um descendente desta família, Martim Correia Vasqueanes, que era mestre-de-campo no Rio de Janeiro, e morreu no seu posto, em combate. Na continuada pesquisa, iremos deparar com a referência a um manuscrito de um seu familiar, que nos deu gosto registar e que transcrevemos:
«Luís Corrêa de Sá, Governador Capitão General da Capitania de Pernambuco em carta de vinte e quatro de Agosto de mil setecentos e cinquoenta representou a S. Mag. por este Conselho a grande opersão em que se acha aquela prasa, e em consequência toda aquela capitania com a extraordinária falta de dinheiro, procedida de haver muitos annos q. ali se extinguio a Caza da Moeda, e de se ter extraído no Curso deles hua grande parte da moeda provincial no comércio dos gados e couros do Certão de donde não tornava a girar naquela Prasa o produto que dali se navegão para o Rio de Janeiro, e para a Bahia hia todo reduzido a dobras de seis mil, e quatrocentos reys, nem uma sô aparece na terra para ouzo cumum por q. se guardão para os pagamentos dos géneros q. hião deste Reino» ( Providência para que o Conselho da Fazenda mande fazer moeda provincial de prata, ouro e cobre para ser remetida na frota de Pernambuco - 2 de Novembro de 1752) (Documento nº 781, caixa nº 2, Rio de Janeiro, A.H.U.) (4*)
"(...) Os Correia de Sá, viscondes de Asseca, viram-se por decreto de 1 de Junho de 1753, recompensados de três mil cruzados de renda para sempre, de terras que possuíam no Rio de Janeiro, e os momarcas jamais hesitaram em prestar a tão ilustre descendência, homenagens no avivamento dos feitos do seu maior avoengo." (4)
Verificamos assim que, apesar de trágica, "a dinastia dos Sás no Brasil" iniciou-se com Mem de Sá, ele sim um verdadeiro 'avoengo.'"
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Notas:
(1) In: MARTINS, Francisco José da Rocha, Vida de Salvador Correia de Sá Benevides, capitão mor do Rio de Janeiro e libertador de Angola, Separata das «Memórias», (Classe de Letras-Tomo V) Academia das Ciências de Lisboa, 1948, pp.3 e 6.
(2) In: SERRÃO, Joel, direcção de, Dicionário de História de Portugal, Porto, Livraria Figueirinhas, 1999, Vol. V, pp.397.
(3) SAMPAIO, Albino Forjaz de, Salvador Correia de Sá e Benevides, O Restaurador de Angola, Lisboa, Divisão de Publicações e Biblioteca - Agência Geral das Colónias, 1936, pp.20.
(4) CORTE-REAL, João Afonso, SALVADOR CORRÊIA DE SÁ E BENEVIDES, De Governador das Capitanias do Sul do Brasil a Restaurador de Angola, Braga, Separata do nº 17 da Revista «Independência», da Sociedade Histórica da Independência de Portugal, 1957, (4*) Providência para que o Conselho da Fazenda mande fazer a moeda provincial de prata, ouro e cobre para ser remetida na frota de Pernambuco, 2 de Novembro de 1752.
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(continua)                                    

quarta-feira, 16 de maio de 2012

O Contributo da Família dos Sás para o Portugal da Idade Moderna

Na Universidade de Salamanca discutia-se a escravidão dos índios. Em 1545, a descoberta das minas de prata de Potosi levou à apropriação da mão-de-obra dos índios. A necessidade da libertação dos índios levava à aceitação natural da escravização dos africanos que eram vistos como "filhos de Caim." O tráfico de escravos vindos de África tomava uma nova proporção.
Os "assientos" eram contratos entre espanhóis e portugueses que levavam a que estes vendessem escravos africanos para as minas. Cartagena. Vera Cruz, Rio, são os pontos de entrada principais. Os escravos eram muitas vezes da confiança dos senhores. Tidos como fieis serviçais de que os espanhóis não se queriam separar. Empregavam-se na exploração da prata, do ouro e nos engenhos. Os africanos praticavam a agricultura e trabalhavam os metais, o que os tornava mais importantes que os índios. Atingiam preços elevados em leilão e o dinheiro destes "assientos" foi fonte de receita para pagar as lutas na Flandres durante o período do Imperador Carlos V e até Filipe II.
Em 1548 o rei D. João III resolveu abolir as capitanias, esgotadas que estavam as tentativas de todos se unirem para um bem comum. As diversas divergências entre capitães donatários, a entrega das explorações a terceiros que as não faziam prosperar, o abandono das terras e a sucessiva corrida às minas, fez com que se decidisse a submetê-las a um governo-geral que teve a sua sede na Baía.
No Brasil estava tudo por fazer: povoar, fundar vilas, aldeias e cidades. Este sistema de capitanias não obteve os benefícios esperados por D. João III.
«Na Baía, à chegada do Governador -Geral, estavam o Caramurú, com alguns portugueses, e os seus filhos e netos. Dois dias depois, a 31 de Março de 1549, celebrou missa o P. Manuel da Nóbrega, superior dos Jesuítas (e foi a primeira que eles disseram no Brasil). ... Assistiu Tomé de Sousa e todo o arraial.
A companhia de Jesus, passados 9 anos de ter sido fundada oficialmente, em 1540, mandou os Jesuítas para o Brasil. O padre Manuel da Nóbrega iria ter um papel muito importante e "a história da Companhia de Jesus no Brasil, no séc. XVI, é a própria história da formação do Brasil nos seus elementos catequéticos, morais, espirituais, educativos e em grande parte coloniais. (...) Em 1550, trouxe a segunda expedição de Jesuítas alguns meninos órfãos, colhidos ao acaso na Ribeira de Lisboa, educados no Colégio que fundara Pêro Domenech. Estes órfãos seriam os agentes de ligação com os meninos índios do Brasil." (5) Cantavam as mesmas canções, aprendiam a língua, tinham o mesmo corte de cabelo, participavam nas festas indígenas e mesmo nos funerais tradicionais dos índios. Fundiam-se num mesmo espírito cristão sem abandonar na totalidade os ritos naturais.
Tomé de Sousa, 1º governador-geral, conseguiu em 1551, a elevação do Brasil a bispado independente do Funchal. O primeiro bispo foi D. Pedro Fernandes Sardinha, que contrariou e se opôs à maneira de educar dos Jesuítas. Nóbrega respondeu que a experiência da Índia não se podia invocar no Brasil. (...) A conversão dos índios do Brasil não era questão doutrinária: era questão de costumes.» (5)
A antropofagia começou a ser combatida de imediato e certa vez os padres foram salvos por Tomé de Sousa, quando estes proibiam uma velha de comer um índio.
Este 1º governo foi dos mais benéficos para o Brasil e quando em 1553 regressou a Lisboa, o governador deixou as mais agradáveis recordações, pela sua administração e honradez.
De 1553 a 1558, governou Duarte Costa que, apesar de ter prestado importantes serviços ao Brasil, prejudicou o seu desenvolvimento devido a problemas que surgiram entre os colonos, que praticavam abusos, e os jesuítas. Como o Brasil tinha sido elevado à categoria de província da Ordem de Loyola, foi nomeado provincial da Companhia, o P. Manuel da Nóbrega, que fundou um colégio em Piratininga com o nome de S. Paulo.
João Ramalho, cuja influência nos índios era enorme, não viu com bons olhos estes afluírem à vila que se formava em redor do colégio. Daí nasceram as primeiras rivalidades entre os colonos e os jesuítas. O governador pôs-se ao lado dos colonos contra o Bispo e fez acusações para o reino. D. Pedro Fernandes Sardinha resolveu vir a Lisboa para apresentar as suas razões, e sofreu um naufrágio. Ele e a maior parte dos seus companheiros foram comidos pelos índios Caetés. Esta desgraça foi atribuída ao governador e este perdeu todas as simpatias.
Entretanto começavam as epidemias de sarampo na Baía, com a chegada de um navio infectado. Morria-se de paludismo, e os próprios padres eram atingidos. Corria o ano de 1555 e em Novembro os franceses ocupam a baía de Guanabara, no Rio de Janeiro, com a intenção de transformar o enclave numa colónia francesa. Nicolas Durand Villegagon sonhava com a França Antárctica e tinha o apoio do rei francês, Henrique II. Instalaram-se sem dificuldades, estes 100 homens, patrocinados por Colingny, Calvinista, que queria um refúgio para os da sua religião se fosse preciso. Começaram a pesquisar a costa e a fazer amizade com os índios. Na ilhota de Sergipe, construíram um forte a que deram o nome de Colingny.
Duarte da Costa preferiu a inacção a uma derrota certa, tanto mais que os franceses haviam recebido reforço de armas e homens. Para maior embaraço, Caramurú morreu em 1557, e sem a influência do seu prestígio o governador viu surgir por toda a colónia a desordem e a indisciplina. Resolveu pedir a Lisboa a sua substituição.
D. João III também morreu nesse ano de 1557. Sucedeu-lhe, como regente, D. Catarina da Áustria, durante a menoridade do seu neto, o futuro rei D. Sebastião. A regente aceitou o pedido de Duarte da Costa e nomeou Mem de Sá como 3º governador do Brasil.
Esta era a panorâmica da sociedade de então e que antecedeu a ida para o Brasil de Mem de Sá, como governador. Homem de grande e nobre valor, glorificou a família e ajudou a preparar o Portugal da Idade Moderna. Engrandeceu o Brasil, a quem dedicou a sua vida e sacrificou a do filho, Fernão de Sá e do sobrinho Estácio de Sá.
Nesta introdução houve a intenção de fazer um breve resumo do historial do descobrimento e ocupação inicial do Brasil e da situação social, económica e cultural do Portugal de então, que precedeu a ida da família dos Sás para a Baía e o Rio de Janeiro.
Abordaremos mais demoradamente a figura do governador do Brasil e a figura do governador do Rio de Janeiro e Restaurador de Angola, Salvador Correia de Sá e Benevides. Contudo, seguiremos tanto quanto possível, como até aqui, uma breve  sequência cronológica acerca do contributo histórico da descendência dos Sás no país, que tanto engrandeceu Portugal e que se constituiu como a coroa de glória na sua história da colonização.
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Notas:
(1) In: SERRÃO, Joel, direcção de, Dicionário de História de Portugal, Porto, Livraria Figueirinhas, s/d, Vol. IV, pp.382.
(3) Idem, Vol. V, pp.545.
(2) In: ALMEIDA, A. Duarte, História do Brasil, Lisboa, L. Ed. João Romano Torres, 1936, pp.8.
(4) In: COELHO, Jacinto Prado, O Rio de Janeiro na Literatura Portuguesa, Lisboa, ed. da Comissão N.C. do IV Centenário do Rio de Janeiro, 1965, pp. 11.
(5) In: LEITE, Serafim, Páginas da História do Brasil, S. Paulo, "Brasiliana", Edições da Companhia Editora Nacional, 1937, pp. 14, 15, 41,46...     

terça-feira, 15 de maio de 2012

O Contributo da Família dos Sás para o Portugal da Idade Moderna

Esta política da França, de continuamente ignorar os acordos diplomáticos, esteve na origem da decisão de D. João III em enviar ao Brasil uma nova expedição, em 3 de Dezembro de 1530, comandada por Martim Afonso de Sousa, com o título de Capitão-Mor e governador do Brasil. O objectivo era expulsar os estrangeiros.
No rio Solis aparecera grande quantidade de prata - o que deu ao rio o novo nome - Rio da Prata. Franceses e espanhóis encaminhavam-se para ali. Resolveu Martim Afonso de Sousa ir para lá, mas ao passar primeiro em Pernambuco, aprisionou três navios franceses que carregou de produtos da terra e enviou para Lisboa. Ao passar na Baía, encontrou-se com Caramurú, e em fins de Abril de 1531 chegou à baía do Rio de Janeiro, onde se demorou três meses e aí construiu uma casa forte na foz do rio comprido. Em S. Vicente construiu-se a fortaleza de Bertioga.
Para se encontrar com João Ramalho, há 20 anos no Brasil, foi para o interior, subiu a serra e fundou no planalto de Piratininga a povoação de S. André do Campo, hoje S. Paulo. Confiou o governo de S. Vicente ao P. Gançalo Monteiro e o de de Piratininga a João Ramalho.
Martim A. de Sousa partiu para Lisboa em 1533, e deixou firmadas as bases da colonização do Brasil. As cartas de Sesmarias iriam atrair colonos para povoar o Brasil.
«A Lei das Sesmarias (de 1375), que foi incorporada às Ordenações Afonsinas, livro IV, foi conservada nas Ordenações Manuelinas (1524), Filipinas (1603) e na recompilação ordenada após a Restauração, por D. João IV, iniciaram-se no Brasil, de um modo geral, desde a estada de Martim Afonso em S. Vicente, em 1532, e nas doações e forais dos donatários, bem como nos regimentos do governador geral e provedores da Fazenda (1548). Era o sistema reforçado e recomendado com o fim de povoamento e aproveitamento de terras. (...) O sistema seria abolido pela resolução de 1820, mas só foi regulamentado em 1854.» (3)
Pêro Lopes de Sousa, regressado da viagem, fez publicar um Diário da Navegação pela Costa do Brasil até ao Rio Uruguai - 1530 a 1532, onde descreve com acuidade a chegada ao Rio, a sua localização, grandeza e qualidade das gentes.
«Sábado 30 dias d'abril, no quarto d'alva, éramos com a boca do Rio de Janeiro,e, por nos acalmar o vento, surgimos a par de huma ilha, que está na entrada do dito rio, em fundo de 15 braças d'aria limpa. Ao meio dia se fez vento do mar, e entrámos dentro com as naus. Este rio é mui grande; tem dentro 8 ilhas, e assi muitos abrigos: faz a entrada norte sul toma da quarta do noroeste sueste; tem a sueste 2 ilhas, e outras 2 ao sul, e 3 ao sudueste; e entre elas podem navegar carraças; é limpo, de fundo 22 braças no mais baixo, sem restinga nenhua e o fundo limpo. Na boca de fora tem duas ilhas da banda de leste, e da banda d'aloeste tem 4 ilhéus. A boca não é mais do que um tiro de arcabuz; tem no meio hua ilha de pedra rasa com o mar; pegado com ela há fundo de 18 braças d'area limpa. Está em altura de 23 graus e 1 quarto. (...) A gente deste rio é como a da Baía de todolos Santos; senão quanto é mais gentil gente. Toda a terra deste rio é de montanhas e serras mui altas. As melhores águas há neste rio que podem ser. Aqui estivemos três meses tomando mantimentos, para 1 ano, para 400 homens que trazíamos; e fizemos dous bargantins de 15 bancos." (4)
Em 1534, D. João III doou a capitania de Itamaracá a Pêro Lopes, e resolveu aplicar ao Brasil o mesmo sistema das capitanias hereditárias que havia nos Açores e na Madeira, dando-as a fidalgos da sua confiança. Era-lhes concedido, não a posse das terras, mas apenas os direitos de capitães. Cabia-lhes a defesa destas e o fornecimento de armas e munições. Tinham plenos poderes outorgados pelo soberano. Nomeavam juízes, proviam os cargos públicos, regulavam serviços, pertencia-lhes uma parte dos tributos, tinham a última instância em todos os delitos, o monopólio de quase todas as indústrias, e o privilégio de submeter à escravatura os índios para o trabalho agrícola. Foram quinze os lotes em que se dividiu a costa, e treze os donatários porque os irmãos Martim Afonso de Sousa e Pêro Lopes de Sousa ficaram com dois quinhões, num total de mais de cento e setenta léguas. Em 1535 é feita a doação de uma capitania a João de Barros e em 1536 chega à Baía, como primeiro donatário, Francisco Pereira Coutinho.
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(continua)

segunda-feira, 14 de maio de 2012

O Contributo da Família dos Sás para o Portugal da Idade Moderna

Em Maio de 1501 saiu a primeira expedição de reconhecimento que iria percorrer grande parte do litoral do Brasil desde o Cabo de S. Agostinho até ao porto de S. Vicente. Os navegadores foram dando os nomes de santos, conforme o dia do calendário em que avistavam as terras. O nome do Rio de Janeiro foi talvez porque ali chegaram a 1 de Janeiro de 1502 e por suporem que a Baía de Guanabara fosse um rio. Cinco dias depois de avistarem o Rio de Janeiro, a frota ancorou numa bela enseada e, como era dia de Reis, puseram-lhe o nome de Angra dos Reis. No dia 22 de Julho de 1502, a primeira expedição enviada ao Brasil entrava em Lisboa.
Em Agosto de 1502 Américo Vespúcio, que integrava a expedição de Gonçalo Coelho, escreveu a Lorenzo de Medici a narrar a viagem. Esta carta, soube-se mais tarde, foi arquivada no Códice Strozziano, na biblioteca de Florença. Assim, o nome do novo continente - América - terá tido origem no nome do autor desta carta.
Logo a partir de 1508, os franceses rondaram as costas do Brasil. No início do século XVI, as cidades de Dieppe e Rouen tornavam-se os maiores pólos da indústria têxtil da França. Os seus portos misturavam uma longa tradição de pirataria com a intensa procura de corantes naturais para a indústria local. A esses factores juntava-se o facto de a França e a Inglaterra se recusarem a aceitar o Tratado de Tordesilhas. Ao Mare Clausum opunham o Mare Liberum. Por isso, os franceses decidiram enviar os seus navios para o Brasil. Numerosos aventureiros de todos os países partiam na mira dum tráfico rendoso, sobretudo do pau-brasil.
Francisco I de França, conhecido como um dos primeiros reis absolutistas, quando subiu ao trono em 1515, tratou de romper com todos os tratados e acordos de paz com Portugal. Isso permitia-lhe passar cartas de corso, para os corsários poderem actuar no aprisionamento dos navios com carga, vindos do Brasil, ou mesmo irem buscar as mercadorias à origem.
A morte de Fernando de Aragão levou ao trono de Espanha um dos netos de Francisco I, que era arquiduque da Áustria. Carlos I, de Espanha, foi aclamado imperador, passando a chamar-se Carlos V e tornou-se senhor das colónias da América, Flandres, Áustria, Alemanha e parte da Itália. Com as fronteiras ameaçadas, Francisco I decidiu, em 1521, atacar Milão e fazer a guerra contra Carlos V. Esta guerra, que seria longa, iria endividar a França. Nesse mesmo ano, em 1521, morre D. Manuel I e D. João III sobe ao trono. O Brasil tinha sofrido muitos anos de quase abandono, o que permitia o saque das suas riquezas; por isso, D. João III, que tinha casado com D. Catharina da Áustria em 1525, decide mandar preparar uma armada comandada por Cristhovão Jacques. Dava-se assim o início da fundação das feitorias e pensava-se mais seriamente na colonização do Brasil. Partiu a armada em 1526 e durante três anos foram fundadas as feitorias de Itamaracá e de Pernambuco. Chegaram até ao rio Solis, no sul.Voltaram ao norte e, na Baía de Todos os Santos, tiveram o primeiro encontro com três navios franceses que tiveram de combater, aprisionar a tripulação e afundá-los. Esta situação iria verificar-se ao longo de muitos anos e a intervenção da família dos Sás no Brasil iria ficar, para sempre, ligada à expulsão dos franceses do Rio de Janeiro, onde chegaram a permanecer 12 anos, embalados no "sonho" da França Antárctica. Em 1529, Francisco I de França fazia a paz com Carlos V, pelo Tratado de Cambrai. Contudo, apesar de ter feito um acordo com D. João III, em Janeiro de 1530, e de se ter comprometido através do comandante da marinha francesa, Philippe Chabot, em castigar as acções dos piratas normandos, Francisco I ignorou o acordo e continuou a conceder autorização legal, ou "carta de corso" a um conhecido corsário, Jean Ango, para interceptar e saquear os navios portugueses. Francisco I não aceitava o Tratado de Tordesilhas e defendia o princípio da liberdade dos mares. Este conflito permanente levou a que D. João III assinasse o Tratado de Lion (1536) que serviu de prólogo à reunião dos juízes das duas nações que decorreu em Baiona, de 1537 a 1544, e pôs fim ao primeiro período de assédio dos franceses ao Brasil.
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(continua)

sábado, 12 de maio de 2012

O Contributo da Família dos Sás para o Portugal da Idade Moderna

INTRODUÇÃO

Na "BULA ROMANUS PONTIFEX", de 8 de Janeiro de 1455, o Papa Nicolau V, falecido a 24 de Março de 1455, declarava "que as terras e mares já conquistados ou a conquistar, possuídos ou a possuir," pertenceriam "para o futuro, e perpetuamente, aos reis de Portugal, como propriedade exclusiva." Continuava-se, com o patrocínio papal, a grande gesta dos descobrimentos que deixariam na História Universal a marca indelével de um povo heróico - O Povo Português. Esta Bula era considerada "um instrumento jurídico de direito internacional," que estabelecia, "em plena luz, a cruzada e a  espiritualidade dos descobrimentos henriquinos, «usque ad Indos» (1)
A Escola de Sagres saia vitoriosa e quando D. Afonso V, O Africano, atingiu a maioridade em 1446, já os seus navegadores tinham descoberto Bijagós, na costa da Guiné. Para isso tinham contribuído as técnicas de construção de caravelas, de cartografia, de sistema de ventos e correntes e muitos segredos de navegação que possuíram antes de outros povos, os estudiosos da Escola do Infante D. Henrique.
Em 1474 o príncipe herdeiro, D. João, encarregou-se de dirigir a política Atlântica, e, quando o pai partiu para França em busca de socorro para a sua política contra Castela, D. João ficou como regente do Reino. Seria um político que continuaria a obra dos descobrimentos. Todas as pesquisas foram incentivadas. "O Príncipe Perfeito" iria ser o obreiro de quase todos os preparativos para a descoberta do caminho marítimo para a Índia e para o Brasil. A sua política da divisão dos mares e o célebre Tratado de Tordesilhas foi que permitiu a Portugal a posse do Brasil. Do "Mare Liberum" ir-se-ia passar ao "Mare Clausum."
Em 1481 chegavam a Marselha carregamentos de açúcar da Madeira. Nesse mesmo ano, morreu D. Afonso V. D. João II subiu ao trono e deu-se a descoberta do rio Zaire por Diogo Cão. Os reinos da Europa ouviam o rei de Portugal e admiravam a sua política de secretismo e decisão diplomática. Em 1485, D. João II fez um tratado de Aliança com Carlos VIII de França. E logo no ano seguinte, em 1486, deu-se a fundação da casa dos escravos, em Lisboa. Armadores, financeiros e comerciantes, estavam ligados a este trágico trato, que então não levantava questões éticas ou morais. Por esta mesma data, Cristovão Colombo transferiu-se para Espanha porque D. João II rejeitou os seus préstimos. Em 1492, Colombo descobriu a América, enviando índios aos reis católicos para provar as conquistas conseguidas. A captura de índios para vender na Europa, como escravos, tornava-se habitual e não chocava a sociedade.
Continuando a sua política diplomática, o rei fez confirmar e renovar o tratado de Windsor com a Inglaterra em 1489 e estreitou as relações com os reis católicos. Com a expulsão dos Judeus de Espanha, D. João II permitiu que entrassem em grande número em Portugal e o país tornou-se mais próspero. Em 1493, iniciaram-se as negociações sobre o domínio dos mares, que viriam a culminar em 1494 com o Tratado de Tordesilhas. Entretanto, D. João II faleceu, em 1495 e D. Manuel I foi aclamado rei, em Alcácer do Sal. Estavam lançadas as bases para que a viagem ao Brasil se realizasse. D. Manuel I continuou, no que se refere aos descobrimentos, a política grandiosa do seu antecessor e, em 1498, Duarte Pacheco Pereira foi encarregado de dirigir uma expedição secreta ao Brasil. Nesse mesmo ano a Rainha D. Leonor decidiu a criação das Misericórdias, que iriam ter, igualmente, um papel fundamental no Brasil. Ainda antes de 1500 publicou-se o Livro de Rotear do qual constavam todas as informações fornecidas por Vasco da Gama para bem conduzir uma frota. Nesta viagem, que marcaria uma nova etapa na História de Portugal, Pedro Álvares Cabral beneficiou da experiência dos navegadores que o antecederam, para comandar as 14 naus e uma caravela com que se fez às agruras do mar.
Reza a história que "a 21 de Abril...encontrou o Almirante indícios de terra próxima, que no dia seguinte se definiu. Avistaram ...um monte a que chamaram Monte Pascoal e uma linha escura que indicava o prolongamento da costa. A 23 chegaram à costa do rio Frade... velejaram e no dia seguinte encontraram um magnífico abrigo a que chamaram Porto Seguro. No dia 25 entraram nesta baía os navios maiores e no dia 26 foi celebrada missa. Pedro Álvares Cabral pensou que fosse uma grande ilha e deu-lhe o nome de Vera Cruz, mais tarde Cruz e ainda Santa Cruz." (2)
O nome Brasil, que depois prevaleceu, estaria ligado ao pau-Brasil que ali abundava e constituiu a primeira fonte de comércio utilizada pelos que demandavam aquelas paragens.
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(continua)        

O Contributo

Hoje vou começar a inscrever na minha "Biblioteca," O Contributo da Família dos Sás Para o Portugal da Idade Moderna, trabalho realizado para a História dos Descobrimentos e Expansão - Brasil I e Brasil II, que apresentei no Departamento de História da minha Faculdade, no primeiro e segundo semestre do ano lectivo de 2003/2004, como cadeira de opção, do meu Mestrado em Estudos Portugueses. Esta pesquisa foi realizada com imenso gosto e tudo o que aprendi nas aulas destes seminários só acrescentaram os meus conhecimentos sobre a História de Portugal e muito especialmente sobre a História dos Descobrimentos. Penso que foi um contributo valioso que acrescentei ao meu curso de Estudos Portugueses. Espero que seja, igualmente, um contributo para os meus leitores, para que fiquem a conhecer esta família tão importante na Época Moderna e, principalmente, a figura de Salvador Correia de Sá e Benevides  que somou ao seu nome muitos títulos de mérito; senão vejamos:
"Alcaide-Mor da Cidade de S. Sebastião do Rio de Janeiro, Almirante da Costa do Sul e Rio da Prata, Superintendente em todas as matérias de Guerra da dita Costa, Governador da Capitania do Rio de Janeiro, Administrador de todas as Minas do Brasil, Conselheiro dos Conselhos de Guerra e Ultramarino, Restaurador e Governador de Angola, &&&."
Venham daí comigo que terei muito gosto em repartir convosco estes conhecimentos, e espero que vos acrescentem um pouco mais de saber sobre o Portugal do Século XVII e da vivência e Cultura de então.
         

sexta-feira, 11 de maio de 2012

As Palavras

As palavras são seixos
Perfeitos que formam
Seres viventes escorreitos
Variáveis, Invariáveis
Quais gostam mais?
As primeiras são insatisfeitas
Querem ser sempre mais,
Diferentes, não iguais!
As Invariáveis são contentes,
Alegres, satisfeitas
Com o que são.
Queríamos ser como elas
Mas não!
Somos uma mistura das duas,
Pêndulo que oscila entre o Sol
E a sombra nos dias infindos
Do sonho e fantasia
Vida do princípio ao fim.

Ó Criação!

Ó criação
que tudo prometes!
És alva Aurora pela manhã
És dourada ao Sol médio
És negra ao Ocaso findo.
Tudo prometes! Palavras
De enlevo, de Amor puro,
De sonhos perenes; abraços
Fechados, sentidos,
Perdidos enlevo d'alma
És a Morte querida.
Desejo-te mesmo assim,
Ó criação!

O Amor e a Palavra

O Amor e a palavra
São crimes sem perdão
Amei a Palavra
Incorpórea como experiência nova
Dei-lhe corpo, dei-lhe nome,
Ai de mim!
Foi o fim do desenho
O lápis ardeu num queixume
A palavra crime
Inventariou!

quinta-feira, 10 de maio de 2012

Ancestrais - Apogeu e Declínio

CONCLUSÃO

Ao terminar esta breve resenha continuo ainda com as palavras dos autores que nos dizem: "A história da África Atlântica está intimamente relacionada com as transformações do tráfico internacional de escravos. O então denominado comércio de almas esculpiu o recorte geográfico africano, cuja posse foi disputada por vários reinos europeus. ...Como vimos, a compra e venda de cativos, no início da Época Moderna, não consistiu num desvio de sociedades empobrecidas, nem muito menos numa resposta a crises económicas conjunturais. Muito pelo contrário, o tráfico compôs a espinha dorsal de prósperas companhias comerciais europeias e de fortunas acumuladas por mercadores coloniais que, bem antes do surgimento do capitalismo, contribuíram para a criação de circuitos de troca à escala mundial. ... De disputa em disputa, o tráfico internacional de escravos cresceu até fins do século XVIII. Por essa época começam a surgir vozes discordantes. Os movimentos liberais e democráticos europeus viam na escravidão a forma mais condenável de exercício de poder absoluto. A desaprovação dessa forma de trabalho havia deixado de ser um fenómeno periférico, de intelectuais ou religiosos isolados, passando a contar com o apoio de multidões."
Os movimentos abolicionistas nasciam em Inglaterra e na França. Ligados a estes movimentos surgiam motivos de ordem económica. Adam Smith, Na Riqueza das Nações, condenava a escravatura. Uma nova ordem mundial deixava de necessitar da mão-de-obra escrava. A revolução industrial, em breve, iria levar a um excedente de trabalhadores que viam o seu ofício manual passar a ser exercido pelas máquinas. Os campos cultivados vão dar lugar a imensos prados para a pastorícia do gado ovino que abastecia de lã a indústria dos lanifícios ingleses. O mesmo se irá passar na França e noutros países, embora mais tardiamente.
A França aboliu o tráfico entre os anos 1794 a 1802. A Inglaterra e os Estados-Unidos proíbem-no em 1807/1808. "Entre 1803 a 1836, da Dinamarca a Portugal, praticamente todos os países europeus se desligam dessa prática. Até 1850, o tráfico deixará de existir no Novo Mundo."
A instituição que existia em África muito antes de se instalar na Europa e na América continuou a fazer-se através das antigas rotas esclavagistas. "Especialistas da escravidão do 'mundo árabe' datam do século XIX como o do apogeu do tráfico transaariano, que existia desde o século VII. ... No Congo, a escravidão, reconhecida por lei, dura até 1889; até 1892, na Gambia; na Nigéria, até 1900; na Serra Leoa, até 1928... e somente em 1962 a Arábia Saudita aboliu a escravidão, e nos sultanatos de Muscat e Oman a instituição sobrevive até 1970. Dessa forma, concluem os autores, nos anos sessenta do século XX, os organismos internacionais calculam a existência de 100.000 a 250.000 escravos circulando em mercados árabes. Quantos deles seriam provenientes da antiga África Atlântica?"
Esta é a interrogação com que os autores concluem o seu trabalho. Outro terá que ser feito para responder a essa pergunta.
Em 1857 um viajante francês dizia-nos da realidade na antiga África esclavagista:
«Quando podiam vender seus prisioneiros, os reis os engordavam, cuidavam deles, e os faziam trabalhar pouco; agora, não sabendo o que fazer com eles, os degolam aos milhares por não terem que alimentá-los ou os trancam nas suas cabanas, acorrentados, sem roupa, sem um grão de milho, esperando o seu dia...»
Não podemos saber da total veracidade destes factos registados. No entanto, por tudo o que nos foi dado ouvir nas aulas da História da Escravatura e ler nos diversos estudos que fizemos e que reputamos como factos históricos, ficámos com uma profunda e dolorosa visão, deste inferno que foi o sistema esclavagista.
Fica-nos a convicção que todas as etenias que vieram para a construção do Novo Mundo deixaram mesmo um Mundo Novo, nos contributos dos seus cantos e danças, na sua alegria, na sua vasta cultura que legaram por herança, nas suas lágrimas e dores e no seu perdão por tantos infortúnios sofridos. Que os povos, que nós próprios sejamos merecedores das suas dádivas, da sua vida.

Lisboa, 30 de Setembro de 2004
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BIBLIOGRAFIA

ALENCASTRO, Luís Filipe de, O Trato dos Viventes, Formação do Brasil no Atlântico Sul séculoXVI e XVII. S: Paulo, Companhia das Letras, 2002.

BETHENCOURT, Fancisco e Kirti Chauduri, História da Expansão Portuguesa, Lisboa, Círculo dos Leitores, 1998.

PIMENTEL, Maria do Rosário, Viagem ao Fundo das Consciências, A Escravatura na Época Moderna, Lisboa, Edições Colibri, 1995.

PRIORE, Mary Del, e Renato Pinto Venâncio, Ancestrais, Uma Introdução à História da África Atlântica, Rio de Janeiro, Elsevier Editora, Lda, 2004.
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