quinta-feira, 10 de maio de 2012

Ancestrais - Apogeu e Declínio

CONCLUSÃO

Ao terminar esta breve resenha continuo ainda com as palavras dos autores que nos dizem: "A história da África Atlântica está intimamente relacionada com as transformações do tráfico internacional de escravos. O então denominado comércio de almas esculpiu o recorte geográfico africano, cuja posse foi disputada por vários reinos europeus. ...Como vimos, a compra e venda de cativos, no início da Época Moderna, não consistiu num desvio de sociedades empobrecidas, nem muito menos numa resposta a crises económicas conjunturais. Muito pelo contrário, o tráfico compôs a espinha dorsal de prósperas companhias comerciais europeias e de fortunas acumuladas por mercadores coloniais que, bem antes do surgimento do capitalismo, contribuíram para a criação de circuitos de troca à escala mundial. ... De disputa em disputa, o tráfico internacional de escravos cresceu até fins do século XVIII. Por essa época começam a surgir vozes discordantes. Os movimentos liberais e democráticos europeus viam na escravidão a forma mais condenável de exercício de poder absoluto. A desaprovação dessa forma de trabalho havia deixado de ser um fenómeno periférico, de intelectuais ou religiosos isolados, passando a contar com o apoio de multidões."
Os movimentos abolicionistas nasciam em Inglaterra e na França. Ligados a estes movimentos surgiam motivos de ordem económica. Adam Smith, Na Riqueza das Nações, condenava a escravatura. Uma nova ordem mundial deixava de necessitar da mão-de-obra escrava. A revolução industrial, em breve, iria levar a um excedente de trabalhadores que viam o seu ofício manual passar a ser exercido pelas máquinas. Os campos cultivados vão dar lugar a imensos prados para a pastorícia do gado ovino que abastecia de lã a indústria dos lanifícios ingleses. O mesmo se irá passar na França e noutros países, embora mais tardiamente.
A França aboliu o tráfico entre os anos 1794 a 1802. A Inglaterra e os Estados-Unidos proíbem-no em 1807/1808. "Entre 1803 a 1836, da Dinamarca a Portugal, praticamente todos os países europeus se desligam dessa prática. Até 1850, o tráfico deixará de existir no Novo Mundo."
A instituição que existia em África muito antes de se instalar na Europa e na América continuou a fazer-se através das antigas rotas esclavagistas. "Especialistas da escravidão do 'mundo árabe' datam do século XIX como o do apogeu do tráfico transaariano, que existia desde o século VII. ... No Congo, a escravidão, reconhecida por lei, dura até 1889; até 1892, na Gambia; na Nigéria, até 1900; na Serra Leoa, até 1928... e somente em 1962 a Arábia Saudita aboliu a escravidão, e nos sultanatos de Muscat e Oman a instituição sobrevive até 1970. Dessa forma, concluem os autores, nos anos sessenta do século XX, os organismos internacionais calculam a existência de 100.000 a 250.000 escravos circulando em mercados árabes. Quantos deles seriam provenientes da antiga África Atlântica?"
Esta é a interrogação com que os autores concluem o seu trabalho. Outro terá que ser feito para responder a essa pergunta.
Em 1857 um viajante francês dizia-nos da realidade na antiga África esclavagista:
«Quando podiam vender seus prisioneiros, os reis os engordavam, cuidavam deles, e os faziam trabalhar pouco; agora, não sabendo o que fazer com eles, os degolam aos milhares por não terem que alimentá-los ou os trancam nas suas cabanas, acorrentados, sem roupa, sem um grão de milho, esperando o seu dia...»
Não podemos saber da total veracidade destes factos registados. No entanto, por tudo o que nos foi dado ouvir nas aulas da História da Escravatura e ler nos diversos estudos que fizemos e que reputamos como factos históricos, ficámos com uma profunda e dolorosa visão, deste inferno que foi o sistema esclavagista.
Fica-nos a convicção que todas as etenias que vieram para a construção do Novo Mundo deixaram mesmo um Mundo Novo, nos contributos dos seus cantos e danças, na sua alegria, na sua vasta cultura que legaram por herança, nas suas lágrimas e dores e no seu perdão por tantos infortúnios sofridos. Que os povos, que nós próprios sejamos merecedores das suas dádivas, da sua vida.

Lisboa, 30 de Setembro de 2004
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BIBLIOGRAFIA

ALENCASTRO, Luís Filipe de, O Trato dos Viventes, Formação do Brasil no Atlântico Sul séculoXVI e XVII. S: Paulo, Companhia das Letras, 2002.

BETHENCOURT, Fancisco e Kirti Chauduri, História da Expansão Portuguesa, Lisboa, Círculo dos Leitores, 1998.

PIMENTEL, Maria do Rosário, Viagem ao Fundo das Consciências, A Escravatura na Época Moderna, Lisboa, Edições Colibri, 1995.

PRIORE, Mary Del, e Renato Pinto Venâncio, Ancestrais, Uma Introdução à História da África Atlântica, Rio de Janeiro, Elsevier Editora, Lda, 2004.
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