Sá de Miranda marcará, doravante, o nosso teatro por novas ideias trasidas de Itália, onde viveu durante cinco anos e conviveu com os grandes espíritos humanistas de então. Lente em leis na Universidade de Coimbra, donde era natural, regressa a Portugal em 1526, após ter conhecido Lope de Vega em Madrid. Toda a sua experiência vivida irá dar frutos, quer na sua obra, quer na sua docência escolar, que foi renovadora. Um estilo formal e uma "nova arte" própria , que lhe advém do seu convívio com os clássicos, irão permitir a escrita de duas comédias, Estrangeiros, que foi "representada na Corte em 1523 e os Vilhalpandos em 1538", além de um esboço em verso Cleópatra. Plauto e Terêncio serão, segundo o próprio autor, arremedados e em "outras partes" louvados.
Assim se terá iniciado a comédia clássica em Portugal, com regras de unidade e ambiente específico, e, apesar de se passarem em Itália, as suas peças verberam "os desmandos da sociedade portuguesa". E se não conseguiu a "profunda e admirável graça vicentina", por caminhos diversos, como escreveu Rodrigues Lapa, lutavam quer Gil Vicente, quer Sá de Miranda, pela mesma causa: a dignificação mental e moral do País. (2)
No que se refere ao teatro deixado por Camões, e que apenas comporta três peças, é de um "relativo hibridismo", visto conciliar a Idade Média e o Renascimento "O Auto dos Anfitriões, de reminiscência plautiana, O Auto de El-Rei Seleuco, próximo duma tradição vicentina, surge imbuído de um espírito quase lisboeta; O Auto de Filodemo, que é a peça mais 'renascentista', onde terá Camões sentido mais a influência da dramartugia moderna tem sido, contudo, 'prejudicado pela projecção ímpar da épica e da lírica, apesar da qualidade teatral, e sobretudo, literária da sua dramaturgia."
Em 1560, numa altura em que "a universidade era o grande laboratório percursor de experiências teatrais", surgenos, representada em Coimbra, a "tragédia moderna" a Castro, tendo sido seu autor António Ferreira, "lente da Universidade de Coimbra (...) que teve a originalidade de ir buscar o seu tema à cultura nacional, erguendo o mito de Pedro e Inês", revelando "mestria e enorme talento literário, (...) e sobretudo a marca de uma visão conjuntural, que não ignora, sequer, a razão política (...) que precipita em tragédia esta história de amor."
Segundo Duarte Ivo Cruz, as suas duas outras comédias, Bristo ou Fanchono, e Cioso, ficam distantes do génio imorredoiro da Castro.
Pela mesma altura, Jorge Ferreira de Vasconcelos escreve obras dialogadas de arreigado nacionalismo e povoa o palco de figuras portuguesas da sua época: é a ambivalência de Quinhentos que vive nas suas páginas. (3) Porém, estas comédias são "autos longos e romances dialogados"; mesmo que seja de sublinhar a sua riqueza documental e etnográfica. O próprio autor afirmou "que substitui a cena pelo livro, o espectador pelo leitor".
Ainda em 1565 António Prestes terá sido um seguidor de Gil Vicente. Pensa-se que viveu em Lisboa e põe-se a interrogação se terá actuado nos pátios. Os seus sete autos conhecidos, serão "pouco tocados pelo renovo da Renascença, ou, talvez melhor ainda, sofrendo um inegável retrocesso, na evolução que liga Gil Vicente aos renascentistas." Por este motivo o carácter de transição é posto em causa, verificando-se que a história do teatro, como a da própria cultura, tem avanços e recuos que não se coadunam com tábuas cronológicas lineares.
O mesmo se verifica com a obra de Simão Machado, que publica duas comédias em 1601, onde mantém vivo o hibridismo vicentino, tentando, porém, conciliá-lo com "uma mentalidade expansionista que Camões glorifica n'Os Lusíadas, o barroquismo da mágica espanhola e a decorativa opulência das tragicomédias jesuíticas", anunciando, por esse motivo, uma fase de transição.
Quanto à divulgação da arte cénica, deram os jesuítas um enorme contributo porque "foram grandes e fiéis cultores do teatro", que utilizaram como forma de corrigir os costumes. "De Lisboa, Coimbra, Évora, Braga, Bragança, Portalegre e Santarém", o teatro foi levado aos povos que missionaram em "África, Ásaia e Brasil". O padre Anchieta escreveu autos evangelizadores em dialecto tupi-guarani. Muitos outros jesuítas, possuidores de uma vasta cultura, escreveram em latim as suas tragicomédias, apesar de, como escreve Claude-Henri Frèches, ao reconhecer "debaixo de linguagem da cultura, quase artificial , o génio português". (4) Mesmo nestes sóbrios jesuítas se encontra "o sarcasmo, a inventiva e a farsa, mas ela é temperada por uma nobre finalidade pedagógica" (1), o que levava a que as peças durassem "por vezes dois dias inteiros num didactismo que prejudicava a dinâmica teatral".
"Foi o drama o género que melhor se ajustou aos intuitos inacianos de acordo com a poética barroca. Rompendo na prática com as regras que dominavam a poética renascentista, embora em teoria as respeitasse, o teatro barroco introduziu novidades típicas, tais como o deslocamento do centro de interesse ou de gravidade, a multiplicação de pontos de vista e de protagonistas, a desproporção e a pompa ornamental, além de elementos operacionais, como a separação do palco e do auditório, o obscurecimento do teatro (adoptado pelos jesuítas), o diabo como personagem, o trovão, o relâmpago, o fogo e a fumaça, e outros artifícios para sugerir a acção do sobrenatural e do milagroso, ou de pompas e festins fúnebres para transmitir a impressão da morte ou do inferno. Não só os actores tomavam parte na peça, mas também o auditório, que não tinha vontade própria e era arrastado ao acontecimento dramático e por ele envolvido. Por toda a Europa os díscípulos de Loiola deram ao género grande eficiência."(5)
____________________________________
Notas:
(1) - Picchio, L. S., História do Teatro Português, pp.88.
(2) M. Rodrigues Lapa, in Prefácio às Obras Completas de Sá de Miranda, Col. Clássicos Sá da Costa, 2ª ed., pp. XIII.
(3) - Alves, Maria Odete Dias, A linguagem dos Personagens de Jorge Ferreira de Vasconcelos, Tese de licenciatura em Filologia Românica, Fac. de Letras de Coimbra, 1972.
(4) - Cfr. H. Frèches, La Tragédie Religieuse Néo-Latine au Portugal, Tomos IV e V, in Do Barroco ao Rocócó.
(5) - Do Barroco ao Rocócó, pp. 227.