quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

III - Os Tipos de Jornais

Dando cumprimento ao programa de trabalho que apresentei, vou enunciar resumidamente os tipos de jornais, quanto à sua periodicidade e aos seus temas (não incluindo os regionais, religiosos, partidários, etc.).
Existem oito jornais diários em Lisboa e seis no Porto, com uma temática variada na qual o leitor tem acesso ao noticiário do país e do estrangeiro, a diversas reportagens, crónicas e factos diversos, assim como a uma agenda útil, anúncios, etc. . São cinco os semanários, sendo de carácter específico, O Económico; O Jornal do Comércio e três desportivos. A Bola é o jornal de maior tiragem, seguido do Correio da manhã, de Lisboa, e o Jornal de Notícias, do Porto. O jornal Tal & Qual, é considerado de qualidade e tem um preço acessível. Segundo o jornalista Silva Costa, este jornal publica "certas histórias que pela sua expressividade e pela sua qualidade textual, merecem mais ficar na história do que muita pretensa literatura fixada em livro." Outros jornais mais dedicados à divulgação cultural, se por cultura entender-mos a arte de uma forma geral, são:  O JL, jornal de Letras, Artes e Ideias, que se publica em Lisboa, e o jornal Letras & Letras, do Porto. Apesar de estes jornais possuírem uma temática mais específica tendo por base a Literatura, encontro também na Revista do Expresso secções dedicadas à cultura, assim como na Revista do semanário O Jornal, que penso contribui para esta temática.
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(Continua) 

II Breve História sobre os Jornais em Portugal

Quanto aos jornais diários, que igualmente penso que têm um papel preponderante na cultura do nosso país, a situação é, para mim, deveras preocupante, uma vez que os mesmos são na maioria estatizados (os cinco de maior expansão, que representam 60,5% dos exemplares vendidos). As empresas jornalísticas só poderiam sobreviver independentes das mais diversas formas de pressão, mesmo subreptícias e disfarçadas, se lhes fosse possível possuir um fundo de maneio de forma a não recorrerem à venda de acções aos bancos e a sucessivos subsídios do Estado para a compra de papel, o que poderá, eventualmente, torná-los dependentes. E então, qual seria a solução? Seria uma maior venda de jornais, uma melhor distribuição por todo o país, fazendo os jornais chegar ao mais recôndito lugar, às mais longínquas aldeia de Portugal, rapidamente após a sua chegada, às bancas. Isso iria possibilitar, naturalmente, uma maior divulgação, e, ao mesmo tempo, contribuir para criar hábitos de leitura. Penso que, se um indivíduo tiver que se deslocar 5 a 7 quilómetros para comprar o jornal, vai dispensá-lo. Igualmente se verifica um deficiente investimento publicitário, sendo essa verba, por isso, diminuta nos problemas económicos que subsistem em quase todos os jornais. Também existe, possivelmente, um grande número de jornais, considerando que existe uma grande "taxa de analfabetismo", que é agravado pelos "fracos hábitos de leitura".
A crise da imprensa é sobretudo uma crise dos jornais diários, (...) uma vez que os semanários estão em expansão desde 1981. (13)
Ao terminar esta breve história dos jornais gostaria de encontrar resposta para esta crise: Será que, como nos dizem os autores que refiro ao longo do trabalho, existe "um divórcio do País real"? Será que é preciso fazer com que o jornalismo se aproxime mais do quotidiano das pessoas? "Torná-lo claro e torná-lo interessante," para cativar novos leitores? Para, assim, se tornarem visíveis as influências positivas do 25 de Abril, apagando paulatinamente um passado a esquecer, no que teve de negativo para a imprensa, e, assim se realizar um verdadeiro virar de página.
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(13) - K. AGEE, Varrem e TRAQUINA, Nelson, O Quarto Poder Frustrado, pp. 38 e seguintes.

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

II Breve História sobre os Jornais em Portugal (Continuação)

Após  o 25 de Abril voltou aos jornais o prazer do texto no sentido caracterizado por Barthes e com o qual estou de acordo: "inteligência, ironia, delicadeza, euforia, domínio, segurança: arte de viver." É esta a perspectiva pela qual vejo a função dos jornais: ajudar a que a palavra "cultura possa até ser descrita simplesmente como aquilo que faz a vida merecer ser vivida" (T. S. Eliot). Para isso devem escrever os jornalistas, devem contribuir os jornais? Esta é a minha questão, e interrogo-me se "o gesto de escrever foi realmente afectado até à raiz" com o 25 de Abril, ou se o quarto poder vive "frustrado"  em Portugal. A legislação portuguesa garante presentemente à imprensa a liberdade necessária para informar a opinião pública, no regime democrático, assim como garante aos jornalistas o direito de elegerem o conselho de redacção. As licenças aos profissionais são agora concedidas pelos sindicatos.
A deontologia profissional é preservada através de um código que, no seu artigo 9 (Estatuto dos Jornalistas), interdita legalmente qualquer espécie de constrangimentos internos ou organizacionais: 'os jornalistas não podem ser constrangidos a exprimir opinião ou a cometer actos profissionais contrários à sua consciência.' Enumera as obrigações profissionais.
Tudo leva a pensar que, realmente, hoje existem em Portugal as condições ideais para que se pratique um jornalismo activo, independente e capaz de exercer efectivamente o "quarto poder" em pleno; porém, parece que continua a não ser fácil a vida dos jornalistas, a própria existência dos jornais. Surgiram novos títulos:  além  do semanário Expresso, empresa privada que já existia em 1973, e que, por dispor de meios económicos estáveis, se tem vindo a impor nos meios de comunicação como um jornal de qualidade, mantendo-a através de um quadro redactorial bem constituído, assim como de diversos bons colaboradores espalhados pela Europa e América, contribuindo, por isso, para uma boa divulgação cultural.
Após o 25 de Abril vão surgir novos semanários, que trabalham com o objectivo de serem o mais independentes possível, podendo praticar um jornalismo moderno, de qualidade e ao nível dos bons jornais da Europa e do Mundo.  É o caso de O Jornal, empresa privada que surge a 1 de Maio de 1975, na qual um grupo de homens de valor se empenharam, através de imensas dificuldades, em criar vários jornais que, inegavelmente, têm contribuído para uma informação credível e a boa divulgação cultural que existe hoje, e não existia antes do 25 de Abril. O JL, jornal de Letras, artes e ideias; O Sete, jornal de espectáculos, são igualmente propriedade desta empresa.
As iniciativas deste grupo de jornalistas, penso que irão ficar na história da imprensa portuguesa, como Homens de mérito.
O Tempo surge em 1975 e o Semanário em 1984, mais recentemente o Independente, também são jornais privados, sobre os quais não me irei pronunciar porque, em parte, os desconheço, e aqui manifesto o problema que se põe quando nós, mesmo involuntariamente, vamos semanalmente comprando o jornal que mais nos agrada pessoalmente, quer porque tem uma escrita de qualidade, quer porque confiamos mais naqueles que escrevem e naquilo que nos dizem.
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(continua) 

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

II - Breve História sobre os Jornais em Portugal (Continuação)

Após a implantação do Estado Novo, as liberdades de imprensa foram suspensas. Surgem, então, muitas "medidas repressivas, o regime salazarista não depositou confiança na imprensa, esta era vista como potencial veículo de oposição e não como parte do parelho ideológico do regime. Desacreditada e circunscrita, nunca lhe foi atribuído um papel positivo" Os jornais eram na sua maioria controlados por bancos, que "não faziam qualquer esforço para os redefinir e modernizar, (...) a posse dos jornais era usada para obter benefícios políticos e, indirectamente, económicos. (10)
A Constituição de 1933 conferia ao regime toda a legitimidade em questão ideológica e política, e, se garantia a liberdade de imprensa, depois no seu artigo 8º. autorizava a censura para impedir "a perversão da opinião pública". Os jornais eram diariamente vistos pelos censores. Até os boletins meteorológicos eram sujeitos à revisão para se poderem publicar. Estes censores eram arbitrários. os jornais viviam pendentes das palavras "retido", "cortado", "autorizado". A censura era total. (11)
Torna-se difícil o aparecimento de novos jornais. "Em meados da década de 60 o regime começou a sofrer pressões para liberalizar as suas práticas". A censura era uma nódoa particularmente negra e, após a morte de Salazar, a lei de imprensa de 1972 aboliu-a, excepto em caso de 'estado de sítio'ou 'emergência'. Porém, a censura continuou. "O Estado Novo fazia as suas últimas leis nesta questão. Dois anos volvidos, numa questão de horas, as liberdades básicas foram restauradas. Durante 48 anos os jornais haviam enviado os seus originais para os censores - mas tal não aconteceu no dia 25 de Abril de 1974". (12) A lei de imprensa de 1975, a Constituição de 1976 e os Estatutos dos Jornalistas aprovados em 1979, tornaram-se as pedras angulares de um edifício jurídico que conferia consistência à independência profissional, que se verificou a todos os níveis.
Eduardo Prado Coelho escrevia, em prefácio ao livro O Prazer do Texto, de Roland Barthes: escrever sobre ele (...) quinze dias após o 25 de Abril, como se nada tivesse acontecido, como se o acontecimento histórico não afectasse até à raiz o nosso gesto de escrever, (...) quando hoje sabemos que nada poderá ser como dantes e que nos é necessário que cada palavra trabalhe, activa e anonimamente, na construção da democracia e do socialismo que é esse horizonte utópico a que qualquer testo nos conduz. (...) Toda a ideologia se tece através de uma prática discursiva; (...) o universo cultural não escapa aos conflitos de sentido, o que anula um pouco o projecto dos que pretendem situar-se na cultura como num reduto que estaria isento das correntes ideológicas e dos ventos da história. A cultura que Barthes define dizendo que ela é tudo em nós excepto o presente, porque o que tínhamos nos nossos jornais era uma "cultura aos bocados, o prazer aos bocados, a língua aos bocados."
Ao conformismo cultural, racionalismo intransigente, moralismo político, à crítica do significante, que Barthes considerava os principais inimigos do texto, sucedia (...) o único prazer do texto, aquele que o mesmo Bartehes nos indica: "uma revolução radical, inaudita, imprevisível."
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Notas:
(10; (11); (12) - K.AGEE, Varren e TRAQUINA, Nelson, O Quarto Poder Frustrado, pp. 38 e seguintes.

sábado, 25 de fevereiro de 2012

II Breve História Sobre os Jornais em Portugal (Continuação)

Oito anos depois, com a chamada "Lei da Rolha" (6), imposta durante o Governo Cabralista, origina grandes protestos de escritores e homens da comunicação, assim como vários tipógrafos, e alguns do Porto advertem a Rainha de que "a proposta de lei apresentada às Côrtes pelos ministros  (...) equivale à suspensão da imprensa portuguesa." (7). 
"Esta lei triplicou o depósito monetário  necessário para iniciar uma publicação e proibiu até os jornalistas de venderem à noite. Revogada a lei, em  1851, viveu-se um novo período da história dos meios de comunicação portugueses que durou até 1890. Aumentam, assim, as publicações, apesar de terem uma tiragem reduzida e quase inteiramente limitada às áreas urbanas. Eram uma imprensa elitista e vista como uma tribuna para influenciar e não para informar o público. (...) Foi no meio desta imprensa retórica partidária que Eduardo Coelho lançou o seu Diário de Notícias em 1867." (8) Verifiquei, assim, que este jornal popular, que visava unicamente "interessar a todas as classes, ser acessível a todas as bolsas e compreensível a todas as inteligências", como, no editorial escreveu o seu autor, estava então a par do que se fazia em França pelo mesmo ano a venda de um jornal a um preço mínimo, de modo a atingir um grande número de pessoas. Então, surge uma pergunta: porque é que o nosso País se distanciou tanto da França em questão de informação livre e de qualidade? Só encontrei resposta novamente na censura, que veio ensombrar  parte da nossa história em várias etapas, e uma última, de longa duração, responsável talvez pelo atraso na divulgação cultural, pelo pouco gosto da leitura e pelo analfabetismo que continuamos a viver, quase em pleno século XXI, em relação aos outros  países da Europa. Verifiquei, assim, que "em 1904 as autoridades policiais assaltavam vários jornais republicanos...(...) em 1907 é aprovada (...) nova lei da imprensa, (...) que preconizava: censura prévia, suspensão de publicação e arresto administrativo."
Com a deposição da Monarquia, "e após os jornais terem desempenhado um papel fulcral como arma revolucionária dos partidos da República, (...) uma nova lei de imprensa era publicada, em 1910. Com a entrada de Portugal na I Grande Guerra Mundial, em 1914, a liberdade de imprensa vai sofrer novas restrições, (...) reforçadas, em 1917/18, com novas medidas censórias.  Em 1919, com o assassinato de Sidónio Pais, as liberdades de imprensa foram restauradas, após o que só tornaram a ser restringidas durante dois meses, em 1925, por causa de uma intentona para derrubar o Governo. Logo após os militares intervirem na política, em 1926, a censura é reinstaurada, e a primeira lei de imprensa, de 5 de Julho de 1926, autorizava a apreensão de jornais." (9)
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Notas:
(6) ; (8); (9) - K. AGEE, Varrem e TRAQUINA, Nelson, O Quarto Poder Frustrado, pp. 30/38/39/ 40.
(7)- RODRIGUES, Graça Almeida, Breve História da Censura Literária em Portugal, pp. 62.   

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

II - BREVE HISTÓRIA SOBRE OS JORNAIS EM PORTUGAL

Laurent Jenny diz-nos que não se pode deixar de perguntar, em relação a cada época, quem detém os "media" e como são esses "media" utilizados  (2),  quando nos fala da influência do "medium jornalístico" que se verifica na obra de John dos Passos e de James Joyce. Esta importante questão da intertextualidade leva-nos a verificar o poder de influência dos jornais e de como podem ser utilizados das mais diversas maneiras. Quem os detém pode fazer deles um veículo para conduzir, educar, ou manipular multidões.
"O jornal moderno é filho legítimo da primeira revolução industrial, com o seu duplo corolário de desenvolvimento da instrução e da urbanização. Porque,  segundo a expressão de Zola, 'a ideia de jornal está ligada à ideia de multidão'. Assim, à civilização oral e rural do Ancien Regime, fundada sobre a aliança entre o trono e o altar, sucedia-se uma civilização urbana e escrita na qual o jornal e o sistema representativo se substituíam mutuamente. Ou não declarasse Guizot que 'a liberdade de imprensa e o Governo representativo são inseparáveis'. Nessa época, os seus adversários desenvolveram a tese - atribuída a Burke (finais do séc. XVIII) - do 'quarto poder', com o propósito de denunciarem a influência perniciosa da imprensa. Em 1828, na Câmara dos Deputados, foi, pois, possível ouvir-se esta acusação inflamada: ' acreditou-se até agora que o Governo representativo era composto tão-somente por três poderes; vou designar um quarto que será, a breve trecho, mais poderoso que os outros três. (...) O seu nome genérico é licença de imprensa e o seu nome da guerra é jornalismo'. depois disto, o mesmo argumento seria igualmente invocado pelos próprios defensores do jornal, ansiosos por verem reconhecido o seu papel social." (3)
Isto passou-se em França, onde a empresa jornalística vai ser assegurada em 1865, através da venda directa de um jornal diário a um preço módico e que passa a servir todo um público popular, ao contrário do que se passava até aí, que se praticava uma imprensa elitista, quer pela sua difusão, quer pelo seu conteúdo. E em Portugal, desde quando é reconhecido o papel social do jornal? O 'quarto poder' é exercido em pleno? Creio que a imprensa em Portugal conheceu, através dos tempos, sucessivos actos de censura que dificultaram o seu papel social de divulgação. Os jornalistas, os escritores e colaboradores viveram proibições que coagiram a sua inteligência e toda a sua criatividade.
"O primeiro acto de censura precedeu o aparecimento dos jornais, quando, em 1627, o rei Filipe III suprimiu a publicação de panfletos." (4)
"Somente em 1641 foi lançado em Lisboa o primeiro órgão da imprensa portuguesa, a Gazeta, em que se relatam as novas todas, que houve nesta côrte, e que vieram de outras partes, no mês de Novembro de 1641, cujo primeiro redactor foi o poeta Manuel de Galhegos. 'O primeiro jornal é revolucionário; o seu aparecimento correspondia à ânsia de notícias sobre os sucessos militares portugueses e ao intuito de congregar o povo em torno do Governo que se formava.' (...) A Gazeta foi saindo até Setembro de 1647, e reapareceu em 10 de Agosto de 1715 [(cujo redactor foi José Monterroio Mascarenhas, durante quarenta e cinco anos ininterruptamente (*)],  mudando várias vezes de nome, até que, em 1820, se tornou Diário do Governo." (5)
Precisamente nesse ano, com "a fundação da monarquia constitucional" temos  a primeira lei da imprensa e, com ela, o fim da censura. Ao logo de trinta anos é um vai-vem de apertar e abrandar o controle sobre a imprensa.  Em 1842 novas medidas repressivas se abatem contra a imprensa. 

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Notas:
(2) - Jenny, Laurent, A Estratégia da Forma, pp. 9 e 10.
(3) - Lavoinne, Yves,  A Inprensa, in Prefácio.
(4) -  K. Agee, Varren; Traquina, Nelson, O Quarto Poder Frustado, pp. 22, 29.
(5) - Neves, João Alves das, Jornalismo e Literatura, O Ensino da História da Imprensa de Língua Portuguesa no Mundo, pp.36.
(*)  Este parêntese não consta do trabalho entregue ao professor, foi acrescentado, hoje, por considerar uma informação importante para o leitor, e porque foi sobre a Gazeta de Lisboa de 1715 a 1760, que fiz a minha Dissertação de Mestrado.  

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

OS JORNAIS E A CULTURA

INTRODUÇÃO

T. S. Eliot diz no seu ensaio Notas para a definição de Cultura: O principal canal de transmissão de cultura é a família. Isto diz-nos que a família é a célula mais importante na transmissão da cultura, e que esta será deteriorada se o papel daquela se deixar de exercer. O que se aprende na infância ficará sempre como reduto no inconsciente e, mais tarde, isso reflectir-se-à nos gostos ou maneira de estar na vida, na sociedade.
E porque refiro isto? Porque da infância longínqua, e tão perto, me vem o gosto pelos jornais. Eram quatro os títulos que todos os dias entravam na nossa casa (onde vivia uma família de 14 elementos); dois títulos de manhã e outros dois à tarde. À falta de televisão, eram os jornais e uma imensa e variada rima de livros (que se trocavam no Alfarrabista) que ocupavam um tempo de lazer e de crescer entre a infância e  a adolescência até à idade adulta. Na sequência de um breve passeio pela baixa, ao domingo de manhã, íamos os três mais novos, buscar o jornal directamente à tipografia. Aquele ruído das máquinas, o cheiro da tinta, o passar corrido dos jornais, eram o meu encanto! Era o reboliço da redacção, o acertar das letrinhas pelo tipógrafo, a cor preta das máquinas imensas (comparadas com os meus oito /dez anos) e o papel branco que, dentro delas, ia tomando forma, caracteres, fotografias, estampas, que faziam o meu deslumbramento! Depois era ver quem disputava para si primeiramente o suplemento infantil, que fazia as delícias dos domingos, frios ou escaldantes, como companheiro certo. Discutiam-se os folhetins, as crónicas, viviam-se as notícias intensamente. Os heróis de banda desenhada eram adoptados e por eles esperávamos pacientemente quando, chegados ao fim de página, líamos: "Continua no próximo domingo". Mais tarde fui verificando que o próprio gosto que tinha pela história, a curiosidade pelos outros povos, pela política, a arte, a música, me vinham afinal através desse gosto da leitura do jornal.
Os jornais são a história breve, factual, mas viva. Eles estão, graças ao esforço e à vontade do homem, todos os dias nas bancas, com o desejo secreto de serem lidos. São comunicação, fazem parte integrante do homem que se dá ao homem, num desejo de partilhar aquilo que viu, ouviu, aquilo que sabe. São portadores de cultura, ajudam a formar as próprias sociedades; são uma força. Como são utilizados pelo homem? Despertam agora os jornais esse prazer de leitura, essa curiosidade? Esse quarto poder é convenientemente aproveitado para ser veículo de cultura, elo de ligação entre os povos e as diversas culturas? Leva-nos a ler livros, ver filmes, exposições, a amar o belo e o gosto pelo conhecer? Ou é fruto das mais diversas manipulações por homens que visam o lucro, ou o sucesso fácil e que fazem dos jornais um produto falseado que tristemente faz perder o gosto pela leitura?
Almada Negreiros acusa os burgueses portugueses de só pensarem pelos jornais(1). Queixava-se de que o País moldava o seu espírito pelos jornais. Hoje preocupa-me que o País não compre e não leia jornais. Que cultura divulgam os nossos jornais? Este é o porquê do meu trabalho, a minha preocupação. E apesar de cada vez serem menos os leitores de jornais, eu pugno pela informação isenta, quero acreditar nos jornais e que eles podem ocupar o lugar a que têm direito. E, ao iniciar faço minhas as palavras de Mário de Sá-Carneiro, no seu poema Manucure:

- Hurrah! por vós, indústria tipográfica!
- Hurrah! por vós, empresas jornalísticas!

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Nota:
(1) - Lopes, Óscar, Entre Fialho e Nemésio, pp. 554.


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Recordar!

Recordar é voltar a viver um passado que foi, para nós, repleto de trabalho, mas também de Esperança. Estes escritos, que tenho vindo a partilhar convosco, foram realizados com um imenso gosto e uma inexperiência a todos os títulos desarmante pela inocência com que foram produzidos. Hoje, não os escreveria da mesma forma, possivelmente, porque a experiência faz o mestre. Nesse tempo escrevia com a razão e o coração. Era uma livre pensadora e pensava que podia "mudar o mundo," Por em prática  os meus ideais sobre o ensino público, que o queria de óptima qualidade, era uma utopia. Em breve tempo verifiquei que era uma tarefa ciclópica e que as minhas ideias não poderiam ser postas em prática. Porquê? Porque o sistema instalado não permite a diferença, nem as ideias, nem a a boa fé. Depois não é possível ao professor que percorre uma vida de contratos a prazo, de substituições periódicas, por em prática seja o que for. Cada ano conhecer uma escola, duas, três ou quatro, como foi o nosso caso, torna impossível trabalhar com os alunos como devia ser. Apesar da frustração sempre tentei dar o melhor de mim mesma pelas escolas por onde passei. Mas,- há sempre uma adversativa -, este esforço contínuo pôs-nos doente e sem Esperança de algo mudar na colocação de professores. Por isso, voltar ao passado, é recordar um tempo em que se acreditava que o trabalho seria reconhecido e que o futuro seria risonho pela perseverança contínua no labor sério e honesto. As calúnias que grassam nas sociedades quando querem destruir qualquer elemento que traga ideias "frescas" e puras depressa avassalam tudo e não nos permitem sermos nós próprios, mas sim o retrato que eles querem fazer de nós. Este é também um problema dos jornais actuais, porque, ao lê-los, nunca sabemos se podemos confiar no que dizem. Depois há os desmentidos, há a correcção, mas entretanto já se destruíram completamente as personas non gratas. Por isso, aqui estou para vos falar desse "quarto poder frustrado," .que é vítima destas sociedades em convulsão e em busca de um caminho novo.

Os Jornais e a Cultura foi um trabalho realizado no 1º ano da Faculdade, no ano lectivo de 1988/1989, para a cadeira de Introdução ao Estudo das Ciências da Cultura. Aqui fica.     

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

O TEATRO - Sua influência no imaginário colectivo e nos ideais estéticos portugueses.- (Conclusão)

O Teatro, arte directa e imediata por excelência,
não pode conceber-se sem o público ao qual
se destina a obra que,  para ele um poeta imaginou, 
actores interpretam e um encenador animou
sobre as tábuas  de um palco.
Luís Francisco Rebello

CONCLUSÃO

Ao concluir este trabalho para Cultura Portuguesa I, queria referir a minha surpresa, por ter encontrado na história do teatro, praticamente, os nomes de todos os nossos maiores escritores. Eles escreveram influenciando esse universo fabuloso do teatro, e, através dele, o imaginário colectivo do nosso povo, da nossa cultura, contribuindo para a formação de novos ideais estéticos. A prova mais evidente é o "talento multimodo de poeta, de romancista, de ensaísta e de dramaturgo, Garrett (...) que foi estruturalmente, e antes de tudo, um homem de teatro", que em temas como a "liberdade ou morte", confronto entre o passado e o presente, paixão pecaminosa ou dividida, renúncia, religiosidade, (...) tornou possível aquilo que não tinha acontecido ainda em Portugal, dar tanta ductilidade à prosa, tanta verdade ao diálogo, com tanta simplicidade de léxico."(1)
Esta simplicidade, este exemplo, deve ser dado a conhecer à infância, à juventude, fomentando a ida e a prática do teatro às e nas escolas. Incentivar a admiração pelos seus actores e o gosto pelo teatro será construir um futuro em que a Cultura Portuguesa sairá vitoriosa. Tudo se deve fazer para que isso aconteça: o futuro não é amanhã, é hoje.
É urgente a dignificação dos artistas não só do Teatro Nacional, mas principalmente das companhias independentes, o que só será possível com um público interessado na frequência normal dos seus espectáculos. Para isso, o factor fundamental e ideia fixa é a educação na arte e pela arte.
Só a vivência do teatro nos faz gostar do teatro.
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Nota:
(1) - in Prefácio de A. C. Rocha, a Catão, de Almeida Garrett.


Posfácio
(aos Anexos)
Fabricador de instrumentos de trabalho,
de habitações de culturas e sociedades,
o homem é também agente transformador da História.

Col. Lugar na História.

Tal como no recente filme de Giuseppe  Tornatore, «Cinema Paraíso», em que se assiste, no final à demolição dessa casa espectáculo (que tinha exercido, durante anos, o fascínio pelo mundo das imagens), também é com pesar que verificamos as casas, que se edificaram às centenas (para aí se representar o teatro, lírico, de cordel, ou ópera popular), se foram extinguindo e, com elas, a história de épocas em que o teatro viveu pontos altos.
É um retalho dessa história da nossa cultura que aqui deixo, em forma de remate a este trabalho.
Ao folhear o Dicionário do Teatro Português, de Sousa Bastos (1908), foi  grande a alegria de conhecer um passado, para mim  nem imaginado, e grande também a tristeza de ver reduzidas essas centenas de casas de espectáculos a umas escassas dezenas. Fica a história; ficam igualmente aqui expressos alguns programas de espectáculos, que também exemplificam como é possível transmitir cultura em simples papéis, que se entregam ao espectador anónimo.
Por fim, folhas de jornais, que contribuem para divulgar as artes, numa ajuda quotidiana para construir um mundo melhor.
E ainda, por que não, endereçar os parabéns ao Museu do Teatro,  desejando que continue as suas exposições com sucesso.

Lisboa, Maio de 1990

OS TEATROS - O TEATRO D. MARIA II

Iniciado o século XVIII  será o "Teatro da Ajuda (...) construído em 1739, com o apoio de D. João V, que inicia, por assim dizer, uma 'sala estável' para a realização de espectáculos". A inauguração do Teatro de S. Carlos, em 30 de Junho de 1793, veio fixar a linha do teatro, quer o da ópera, quer de outro género. "O antiquíssimo Teatro do Bairro Alto representou as óperas de António José da Silva (...) assim como ali também se estreou Luísa Todi, primeira representante de cantores líricos portugueses que fizeram carreira internacional."
Por fim, no séc. XIX, caberá a Garrett a tarefa de elaborar os planos para a criação do Teatro Nacional D. Maria II, que, após longos trabalhos, será inaugurado em 12 de Abril de 1846.
"O   prestígio do teatro repercute-se num movimento notável de construção de salas de espectáculo, em praticamente todo o país. No princípio do séc. XX, contavam-se em Portugal para cima de cento e cinquenta teatros, muitos deles  de notável traça e equipamento: restam hoje, da época, cerca de duas dezenas em muito desiguais condições de manutenção." (1)
Aos artistas, aos empresários, e a todos que trabalham no teatro para garantir a sua manutenção e o seu funcionamento, ao longo do tempo, para eles que aqui não posso mencionar, por número tão extenso, aqui deixo expresso o meu reconhecimento, pelo seu empenho em prol do teatro.
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Nota:
Ivo Cruz, Duarte, História do Teatro Português - O CICLO DO ROMANTISMO, Guimarães Editores, Lx., 1988.

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

OS TEATROS - O TEATRO D. MARIA II

Para se conhecer bem o teatro é indispensável a prática que fornece a sua direcção e administração, 
ou, pelo menos, ter passado grande parte da vida dentro de um teatro, observando como ele
 caminha, quais as dificuldades, os embaraços e os meios a empregar para tudo resolver.
 Raros são os que conhecem bem o teatro, porque, além da prática
 na sua direcção e administração, é indispensável 
conhecer bem a literatura dramática, a história do teatro em geral
 e em especial a do seu país, estar ao facto de todo
 o movimento teatral da Europa, conhecer os principais autores
 dramáticos e todas as suas obras, não ser estranho à história dos costumes,  
 às épocas, ao progresso da pintura e de todas as artes 
que com o teatro se relacionam...

Sousa Bastos

Os Teatros - O Teatro D. Maria II


Falar sobre o teatro como edifício onde regularmente se realizam espectáculos é ter que recuar muitos anos na nossa história e verificar desde quando se estabeleceu o hábito de assistir ao teatro em local próprio. Efectivamente, o teatro mais antigo que existe em Portugal é o Teatro Romano de Lisboa, que data do ano de 57 d.C. (e que só conheci durante uma aula de Cultura Latina, dada no próprio local, no ano lectivo de 1988/89.)
A própria palavra "theatron", em Grego (de théan, ver), e em Latim "theatrum", significava "locais de espectáculo"; porém, desde milénios que se pensa existirem nas civilizações antigas "espaços reservados, no interior das cidades" considerados, inclusivé, sagrados, em que se realizariam danças, cantares, mímica, primeiramente rodeados de público e, mais tarde, em barracas que eram desmontáveis, assim como as bancadas, fazendo lembrar o sistema ainda hoje utilizado pelos espectáculos de circo. Contudo, a presença deste teatro romano antecede em muitos séculos a formação de Portugal como reino, não sendo, porém, de esquecer que a tradição do teatro remonta efectivamente a milénios antes de Cristo, e que ele existiu por todo o mundo romano de então.
Na nossa história do teatro registam-se como primeiros lugares fixos e próprios para a representação os chamados Pátios, que verificamos pelas datas serem já dos finais do séc. XVI, e que a maioria se expandiu durante o séc. XVII.

O CONSERVATÓRIO NACIONAL

Partindo do princípio que Fialho fazia uma crítica demasiado dura e que têm saído bons profissionais do nosso Conservatório, em relação aos que se fizeram na "rua" e no palco, eu vou continuar com palavras de hoje, proferidas pelo professor José Valentim Lemos sobre o "ensino da arte do teatro," que começa por citar Ernest Bloch: "pensar significa transpor, passar além, mas também atravessar, saltar por cima, vencer, superar, percorrer," o que, segundo este professor da Escola de Teatro, se aplica ao que é necessário fazer para "reflectir abertamente sobre a "realidade do nosso teatro", porque o teatro português está em crise, (...) porque os aspectos da crise são forçosamente múltiplos (...) do ponto de vista artístico, saldou-se e salda-se, porque em certos casos persiste, na drástica limitação da qualidade dos espectáculos. Do ponto de vista do público, saldou-se num afastamento das salas de teatro. Do ponto de vista humano, vai saldar-se no desgaste de quantos acreditaram ter um futuro na actividade teatral: a curto ou médio prazo o que espera esses profissionais insuficientemente preparados para o desafio do futuro é o desemprego e a frustração."  (9)
Para que isto não venha a suceder, é necessário "pensar" para "transpor", "superar", "revalorizar os valores, partindo da nossa própria língua. Não é por acaso que Portugal deu ao mundo um Gil Vicente, um António Ferreira, um Padre António Vieira, um Almeida Garrett, um António Patrício, um Jorge de Sena, etc.. E os poetas e autores não existem para ficarem apenas impressos. Existem para comunicar (...) como dizia Miguel Torga, «a palavra é a grande comunicação» (10). Garrett amou acima de tudo talvez, a palavra e, através da criação do Conservatório e da Escola de Teatro, se propôs expressá-la, uni-la "entre si os gestos ao movimento verbal, os acontecimentos esparsos à acção (...) talvez que, na era dos deuses subterrâneos e sombrios, o poético se tivesse revelado no eco troante do actor mascarado, mais bufão dionisíaco do que persona teatral. Dito e ouvido, porém, num lugar sagrado, era ainda a expressão de um Deus, o eco de uma energia divina." (11)
É pelo apelo a esta energia divina que devemos pugnar, para que o Conservatório e as escolas que lá funcionam se realizem. "aspirando (...) a uma educação pela arte generalizada, e à escala nacional, desde os jardins de infância às escolas superiores."(12) "Não isolar as escolas secundárias das escolas superiores: queríamos que houvesse um cordão umbilical, (...) com vista ao progresso do ensino artístico em Portugal." (13).
Este era o espírito de Garrett ao criar o Conservatório. E o seu espírito continua ali mesmo, na que foi a sua casa, na Rua dos Caetanos, vivo, "deambulando", viajando através da sua terra, no coração daqueles que dia a dia frequentam a sua escola, eternizando o nosso Garrett.
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Notas:
(9) - Lemos, J. Valentim, "Paradoxos de um ensino da Arte do Teatro", pp.91.
(10) - Germana Tanger, "Teatro, veículo da língua".
(11) - Botelho, Afonso, "A língua e a Máscara".
(12) - Santos, Arquimedes da Silva, "Acerca de uma experiência de  'Pedagogia e Arte' no Conservatório Nacional".
(13) - Perdigão, Madalena, "Aspectos da experiência pedagógica". 

     

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

O CONSERVATÓRIO NACIONAL

O Teatro é uma espécie de sombra que o homem projecta sobre si próprio.

J. Listopad

O Conservatório Nacional foi fundado a 15 de Novembro de 1836, abrindo especialmente para o teatro. Porém, foi-lhe agregada seguidamente a Escola de Música, que já existia, e era dirigida por Domingos Bontempo, sendo igualmente fundada a Escola de Dança. Efectivamente, verificamos que, desde o início, coexistiram ali, no Convento dos Caetanos, as três escolas, que se completam, pois o teatro em si, desde tempos imemoriais, comporta o ritmo, a voz, a música, a dança, que são complemento da palavra.
"Talvez, nunca uma revolução artística se tenha feito tão amplamente," (1) e foi conseguida porque, pela primeira vez, esta incumbência foi atribuída ao homem certo: um artista, que foi Almeida Garrett, "homem de múltiplos talentos". (2)
Saindo vencedores os liberais da revolução de Setembro de 1836, Passos Manuel, em nome da Rainha, encarrega Garrett de preparar um plano de "reforma do teatro português".  Este, que beneficiara das suas estadias no estrangeiro, durante os seus dois exílios, vem repleto de novas ideias para um  "teatro renovado", que já lá fora se praticava.  Então, irá apresentar "o plano completo para a criação e organização do teatro português", (3) composto, não só do projecto de se construir um edifício para o teatro nacional, mas também, da "criação de uma escola para formação de actores, o Conservatório. " (4) O aspecto da formação de actores, a criação de uma escola de arte dramática, era a  sua preocupação fundamental; por esse motivo, aceitou criar e dirigir a Inspecção Geral de Espectáculos, para poder, efectivamente, orientar todo o teatro português. Promoveu um concurso anual como estímulo para a criação de peças, com atribuição de prémios. E, porque era um homem cosmopolita, convidou "para professor de arte de representar o actor Paul, que integrava uma companhia francesa, de Émile Doux, que se encontrava em Lisboa. Este actor   principal foi que, juntamente com o actor Lisboa, dirigiu, na prática, a Escola , levando a que, no espaço de poucos meses, se representasse uma peça "que obteve enorme sucesso". E convidou, também, para organizar a Escola de Dança, o brasileiro York.
"Almeida Garrett foi o primeiro a saber que o teatro em si não existe como disciplina, que o teatro tem que se apoiar noutras disciplinas, ao que nós hoje chamaríamos Ciências Humanas, como a História ou História do Pensamento; por isso, Herculano foi aqui professor. Mas, também graças a ele, música e dança se tornaram complemento do próprio teatro.  Portanto,  Garrett é um homem extremamente moderno (...) achou que o teatro não vive só de actores; vive também de textos e os textos têm de se provocar, tem de criar uma nova dramaturgia. Portanto, mandou fazer os concursos." (5)
Por tudo isto que pude transcrever, verifica-se a preocupação que Garrett manifestou em "criar um reportório português que esses actores pudessem interpretar;" para isso "dotou o País com a primeira lei portuguesa em matéria de direitos de autor, que foi promulgada em 1851."  (6)
Se nós considerarmos a reforma estrutural de Garrett como um todo, extremamente moderno, (...) verificamos que o ensino do teatro (...) logo de início ficou muito aquém da modernidade e do sentido global e estrutural que Garrett imprimiu à sua reforma. (7)
Esta questão pertinente que Duarte Ivo Cruz levantou, levou-me às palavras de Manuel Rio-Carvalho, que diz:  o ensino artístico foi durante muito tempo uma aprendizagem prática. Estas palavras actuais vão de acordo àquilo que Fialho de Almeida referia: em todos os tempos do teatro português, os grandes actores e actrizes se fizeram na rua, em plena multidão, estudando a vida em plena liberdade. (...) Manuela Rey, Emília das Neves, Emília Adelaide, etc., estudaram a ciência de visionar tipos dramáticos em laboratórios psicológicos (...) em plena multidão, e foi sofrendo, trabalhando e chorando, que esses grandes artistas surpreenderam da vida os lances, que, com tanto brilho, souberam exteriorizar. (8) Era no palco que se completava a aprendizagem do futuro actor. (M. Rio-Carvalho) (9)
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Notas:
As notas deste capítulo sobre o Conservatório Nacional são, na sua maioria, do livro realizado com o apoio da Comissão de Reforma do Sistema Educativo pelo Centro de Documentação e Investigação Teatral, E. S. T. C., 1988, Conferências realizadas no âmbito da Comemoração dos 150 anos do Conservatório Nacional. 
(1) - Lisboa, Eurico, "Escola de Teatro, da fundação aos nossos dias".
(2) - Garrett, Almeida, Catão, Teatro 1, 7ª edição, Parceria A. M. Pereira, Lx., 1972, in prefácio de Andrée Crabée Rocha.
(3); (4); (6) - Rebello, Luís Francisco, "Garrett e a Reforma do Teatro".
(5) - Listopad, J., "A procura da palavra".
(7) - Ivo Cruz, Duarte, "Estudo do Ensino de Teatro de Garrett a 1970."
(8) - Fialho,  Almeida, Actores e Autores,  Clássica Editora, 3ª ed..1970. 
(9) - Rio-Carvalho, Manuel, "Notas sobre o ensino actual na área do Teatro, da E.S.T.C.



domingo, 19 de fevereiro de 2012

De Garrett aos Nossos Dias (conclusão)

Com José Régio considera o autor (D. Ivo Cruz) que se atinge "um dos mais elevados cumes de todo o teatro português, (...) verbo e cena, literatura e espectáculo, ideação e realização, fundem-se na harmonia admirável de um todo contínuo, de um bloco íntegro de arte, (...) que nasce da sensibilidade e da razão do seu criador."  O importante era para José Régio que "na forma e no conteúdo" existisse uma verdadeira qualidade estética; por esse motivo tornou a sua obra liberta dos "condicionalismos locais" e imprimiu-lhe a "consciência e sensibilidade do homem universal". São, por isso, perenes "as personagens de Régio, porque são eternos os conflitos e eterna é a dualidade entre o bem e o mal, o positivo-negativo, a luta entre Deus e o diabo, que o homem vive, que Régio construiu de uma forma superior." Se o seu teatro é de alcanse universal, as suas raízes são inegavelmente portuguesas, porque, como ele próprio admitia: "as minhas produções teatrais são criações (...) nasceram de mim como se fossem meus filhos." Todas as suas peças "são na verdade teatro, espectáculo e literatura, dinâmica e poema."
O ambiente cultural e social que se viveu após 1945 teve consequências diversas para o teatro português, que percorreu caminhos experimentais no campo do espectáculo e outros de "criação dramatúrgica de elevada qualidade". Por outro lado, "diminui a trave mestra do profissionalismo teatral, como diminuirá a qualidade e a quantidade do público; dá-se o afastamento generalizado dos dramaturgos portugueses da cena, seu meio e modo natural." Porém continuam os nossos escritores a escrever para o teatro, apesar de todas as crises vividas: Jorge de Sena que recupera o género de peça histórica, em O Infante desejado, em que descreve "a tagédia (...) do infeliz Prior do Crato. Além deste, utilizou outros processos na sua escrita dramatúrgica .
Luís Francisco Rebelo, segundo Duarte Ivo Cruz, abre perspectivas de maior relevo para o atribulado teatro português. De uma maneira geral, a sua obra realça o aspecto da vida com uma realidade que nos conduz a outra realidade, que é a morte, que identifica com o vazio. Por outro lado, também é marcada "por uma finalidade de permanente crítica social de visão ou revisão dos problemas do homem (...) numa perspectiva pessimista", constituindo, no entanto, a globalidade da sua obra "um esforço coerente e culto, de amor ao teatro."
Bernardo Santareno é um autor que tem como origem do seu teatro a regionalidade, onde a raiz popular expressa   "A rudeza dos conflitos (...) na crueza desmedida das situações. (...) Fortes são as peças, fortes são as personagens". É um teatro que fala da nossa cultura, "do povo, a massa, a terra; (...) rico de símbolos da natureza: o almur, o toiro, os lobos, os cães, as ondas, os ventos, a tempestade, a neve, o fogo, a terra outra vez." Cumpre-se o eterno retorno, vive-se uma "intensidade extrema de psicologias e situações." (...) O sexo é o catalizador mais forte deste combate essencial. A mulher assume assim relevância, no teatro de Santareno; surge-nos violenta no amor, como nas maldições. Nas suas obras, através da beleza da sua linguagem,  tenta a conciliação entre o meio urbano popular e o meio artístico ou burguês, repetindo-se nos temas de psicologias e condutas.
Em termos de conclusão, e admitindo algumas omissões, não queria deixar de registar os nomes dos autores : Tomás de Figueiredo, Luís de Sttau Monteiro, Natália Correia, José Augusto França, Agustina Bessa Luís, José Rodrigues Miguéis, Augusto Abelaira, Miguel Franco, Maria Teresa Horta, Fiama Pais Brandão, José Gomes Ferreira, que contribuíram com diversas correntes e amplos caminhos para o alargar de horizontes do teatro português.

De Garrett aos Nossos Dias (continuação)

Quase a terminar, vou falar sobre as personalidades que poderá dizer-se constituíram um renovar do Teatro em Portugal, dos quais o maior expoente, como escritor de teatro, foi José Régio.
João Gaspar Simões não terá sido um "inovador da temática e da estética, que se revela convencional". Porém, Branquinho da Fonseca  foi "um verdadeiro dramaturgo quando se sujeita à disciplina cénica". Um outro autor que deixou "uma copiosoa série de textos dramáticos", numa perspectiva estética marginal, foi Olavo d'Eça  Leal.
João Pedro de Andrade era reconhecido por José Régio, em 1940, quando alertava o público para esse dramaturgo "desconhecido". Efectivamente, a sua obra revelou-se vasta, com uma temática que denota "um conflito dialectal: verdade-erro, positivo-negativo, bem-mal, que lhe dá fogo e razão de ser". A sua obra tem um "carácter modernizante,"  surgindo "entre nós a influência de Pirandello, a qual destrói o sentido pessoal desta fábula de um autor à procura (e em conflito) com os seus personagens." Desdobramentos de planos, "que são permanentes na dialéctica  de valores, aglutinantes desta dramaturgia", onde, por vezes, "só o amor parece redimir". Sobre estes desdobramentos e esta influência de Pirandello na nossa dramaturgia, diz Luís Miguel Cintra: o novelista que Pirandello era viu os processos do teatro para com eles construir uma nova personagem de ficção; o autor-encenador, correspondência decadente e mais brilhante e ambígua do habitual narrador de novela.
Fascinante descoberta técnica, que, pelo seu lado espectacular, veio marcar toda uma época do teatro contemporâneo. A partir de Pirandello começamos a ver actores na plateia, cenas nos camarotes,  (...) os actores a serem apanhados de surpresa antes da representação, os actores a irromperem por detrás das suas máscaras, as histórias a estilhaçarem-se numa meditação sobre a ilusão.
Fascinados pelo brilho filosófico e espectacular de Pirandello em Portugal, João Pedro de Andrade, Pedro Bom, ou António Pedro instauraram uma moda que cedo se esgota, ao fechar-se, como se fechou, nos seus conflitos imaginários.
No teatro de Pirandello, estamos no limite da estética aristotélica. O seu teatro é a decadência (a crise da dúvida) dos pressupostos aristotélicos. A dúvida estética dos anos trinta para sempre se fixou, como num auto-retrato. (7)
Voltando a Duarte Ivo Cruz, e ao seu livro que serviu de guia, introduzo Miguel Torga, que, como autor diz: "consegue fazer-se iluminar por uma luz bem pessoal", e, das quatro peças que escreveu, Mar e Terra Firme são as que merecem referências como formando uma "interessante dramaturgia". Situadas ambas num dado ambiente sócio-geográfico conseguem trazer "para o palco" não só a "paisagem física e social", mas também a forma de agir, pensar e sentir, dessas comunidades que o meio ambiente condiciona, imprimindo-lhes, quer o mar, quer a montanha "causalidades psicológicas", que informam as condutas. "Outro factor comum" a ambas as peças é o tema da ausência, que se torna motivo de poetização e criação artística. A viagem é tão penosa e sofrida "na aldeia de pescadores" como na "pequena aldeia da montanha".
O universo cultural português sofre esta "ausência" desde o tempo das descobertas e será motivo de saudade e de esperança, de um regresso que se poderá concretizar ou não. Tema que se repercute no nosso teatro, na nossa lírica, desde as Cantigas de Amigo, de D. Diníz, ou da Menina e Moça, de Bernardim Ribeiro, a Gil Vicente, Camões, ou, mais perto de nós, na obra de Ferreira de Castro, com especial relevo para os Emigrantes; dor sentida e expressa dos que partem e dos que ficam.
Miguel Torga soube traduzir a experiência da ausência com autenticidade que em "Mar tem um dos seus mais altos momentos ... com uma das mais belas falas do teatro português de hoje, fala essa materializada pelo pescador Domingos, na descrição da sereia mítica". É a nossa cultura, a vida dos pescadores, que está expressa no poema dramático Mar, e que traduz Miguel Torga como um homem livre, aquele que, no seu poema Sísifo, nos revela: o logro da aventura/ És homem, não te esqueças!/ Só é tua a loucura/ Onde, com lucidez, te reconheças. (8)
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Notas:
(7) - Pirandello, Luigi, Esta Noite Improvisa-se, Ed. Estampa, Seara Nova, Col. Teatro, 1974, in Prefácio, pp.19.
(8) - Torga, Miguel, no poema Sísifo, inserto in Colóquio Letras, 1980.

sábado, 18 de fevereiro de 2012

De Gil Vicente A Garrett (continuação)

Todo o teatro português contemporâneo é marcado de uma maneira geral por "uma linha de evolução realista-naturalista," que origina uma permanente dialética crítica, surgindo, assim, "o teatro como documento das crises psicológicas e sociais de uma época de grandes transformações," em que se atravessam duas guerras mundiais, que originaram mudança de ideias e de atitudes, que afectaram o teatro. Várias são as companhias teatrais e as salas de espectáculo que resistem a estes períodos perturbantes, porque continua a haver autores que fizeram na sua vida uma escolha pelo teatro: Ramada Curto é disso exemplo, pois, durante cinquenta anos, escreveu para o teatro, "mais de trinta títulos", todos eles com carácter específico da preocupação com a sociedade e o seu semelhante.
Outro autor de relevo terá sido Vasco de Mendonça Alves, que igualmente teve uma carreira e um número de obras como Ramada Curto. Porém, tinha por tema a lição de moral e os problemas familiares, sendo, por isso, o seu teatro de uma linha estoicista com um "ritmo popularizante e genuinamente português. Escreveu uma peça que se mantém ainda hoje muito conhecida, O Meu Amor é Traiçoeiro, de 1935."
Vitorino Braga, de cariz realista, "criou teatro encarnando as qualidades e os defeitos do seu tempo cultural".  António Botto deixou um teatro populista e, das suas peças, Alfama   foi a mais conseguida  "na dinâmica teatral da acção, no sentido equilibrado dos ritmos e das expressões." Outro autor que deu o seu contributo para o conhecimento da nossa cultura popular e regionalista, foi Carlos Selvagem, que tem como protótipo da sua obra "o drama  rural", criando ambientes da Beira Baixa e reflectindo as suas personagens "características etnográficas" num teatro em que se inscreve o problema do conflito entre o indivíduo e a sociedade, com uma crítica implícita a esta e uma análise perfeita às "psicologias dominantes". Joaquim Paço d'Arcos através de uma "construção naturalista" descreve os ambientes e as condutas de Lisboa, observadas da realidade e colocadas "no tempo e no espaço".
Quanto à corrente neo-realista, e ainda, segundo o autor Duarte Ivo Cruz, não deixou para o teatro uma obra que se considere expressiva. Vergílio Ferreira, José Cardoso Pires e Manuel da Fonseca,  foram escritores que escreveram teatro, de "diverso sentido e valor". Romeu Correia investe no teatro "a maior parte do seu talento", seguindo uma dramaturgia "populista de raiz". Alves Redol terá sido o que se revelou de maior valor dentro desta corrente.
Vários são os escritores que se propõem escrever teatro, e enumerá-los todos, assim como às suas peças, seria uma tarefa impossível neste esboço que me propus fazer sobre a história do teatro e o seu contributo para  a cultura portuguesa. Contudo, o que muito me apraz registar é que "num País sem tradição de escritores de teatro" surgem mulheres a escrever para o teatro, que ficarão inscritas na  sua história "com valor apreciável" e um contributo para o enriquecimento da nossa cultura. Podemos citar Laura Chaves, Virgínia Vitorino, Maria da Graça Ataíde, Isabel da Nóbrega, Graça Pina de Morais, Fernanda de Castro, Olga Alves Guerra e, eventualmente, outras de que não possuo registo.  

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

De Garrett aos Nossos Dias (continuação)

"Várias correntes coexistem e dominam" neste princípio do séc. XX, que terá que ser visto por uma perspectiva diferente, pois factos e textos são ainda tão recentes, que por vezes não foram suficientemente ensaiados, testados pelo tempo histórico, que melhor o julgará.
António Patrício, Almada Negreiros, Fernando Pessoa impõem praticamente o realismo naturalista. Júlio Dantas será o que, com o seu teatro de ambiente histórico percorrerá todas as "escalas e épocas". Peças como A Ceia dos Cardeais, e Severa, são ainda temas românticos, apesar de as suas obras mais válidas serem efectivamente de corrente naturalista.
Vários são os autores que caracterizam este período e fizeram sentir a sua voz no ambiente cultural português. Augusto de Castro opta por um realismo naturalista, numa obra coerente e homogénea e com um sentido irónico inconfundível.
Casos há, porém, na história da evolução do teatro que se revelam difíceis de encaixar em paradigmas, uma vez que são férteis em criatividades diversas. A obra de Raúl Brandão é, realmente, um caso típico e paradigmático, uma vez que percorre várias correntes e que se impõe, apontando caminhos novos, que levarão a um futuro longínquo do seu tempo.  "Traços de simbolismo, de surrealismo e de existencialismo, que marcam forma e conteúdo." E, apesar de ser patente o aspecto naturalista, a obra de Raul Brandão é reveladora do talento criador que nos dá, sobretudo o homem que foi Raúl Brandão, " percursora e quase única no nosso teatro", a exigir uma vida arejada, esperançosa, confiante e consciente. Raul Brandão merece lugar  de destaque "nas primeiras linhas do teatro português".
Dentro da corrente simbolista portuguesa, temos Eugénio de Castro,  com uma "obra poética de difícil distinção entre textos dramáticos e não dramáticos" (L. S. Picchio).
Como paradigma simbolista, encontramos em António Patrício um dos melhores momentos, "e no campo teatral, a mais completa e característica expressão (...) sobretudo verbalmente espectacular, próprio da corrente simbolista que valorizava o verbo, a fala, a literatura teatral."
Na evolução dramatúrgica também se manifestou através de Teixeira de Pascoais o saudosismo, que é a síntese de "obra única oferecendo-nos um texto de alta qualidade literária", capaz de ser posto em cena. Afonso Lopes Vieira, que ao teatro deixou a sua Campanha Vicentina, assim como Jaime Cortesão, que igualmente pertenceu ao grupo de Pascoais, deixou-nos dois dramas: em verso, Infante de Sagres, de 1916, e Egas Moniz, de 1918, "uma peça realista em prosa", que já não se liga ao saudosismo, o que torna Teixeira de Pascoais, ele próprio, o expoente do movimento que em Jesus Cristo em Lisboa se aproxima da técnica de Raul Brandão. Na sua obra deixou-nos  "o mistério, a profecia, o amor pantaísta da pátria, a ância e luta de redenção, enfim, o apelo às forças telúricas e espirituais do devir histórico português.
Muitos dos nossos  poetas foram dos  "nossos melhores dramaturgos"; porém, muitas das peças escritas em verso, quer realistas, quer sobre temas históricos, hoje são esquecidas, apesar de no seu tempo, principalmente o teatro histórico, ter sido bastante representado. E, como tal, os nomes dos poetas "passado o momento de fama (...) caíram, com as suas peças, no esquecimento.  Rui Chianca, D. João de Castro, João de Castro Osório, Carlos Amaro, que escreveram teatro poético, são disso exemplo."
Da geração do Orfeu, Fernando Pessoa escreveu um poema dramático em 1913, O Marinheiro, que serve como único "suporte válido" na apreciação do talento teatral de Pessoa, para além de "episódicas notas por ele deixadas sobre a essência do drama - de que ele mesmo daria um significativo exemplo, ao criar os seus heterónimos, a que chamou algures, na sua inconfundível maneira de dizer, 'um drama em gente, em vez de em actos'". (6)
Quanto a Mário de Sá Carneiro, deixou-nos "uma série de títulos (...) com a marca do seu talento, (...) sendo porém a sua obra de uma técnica irregular".  São ainda desta corrente Armando Cortes Rodrigues, Raúl Leal, e António Ferro. Porém, a figura que se tornou um grande dramaturgo foi Almada Negreiros. "Com ele se alcansa, na arte teatral, o mesmo valor objectivo, e excepcional, que a cultura portuguesa regista, com o pintor, o poeta, o escritor, o inventor artístico, (...) sendo a síntese dramatúrgica o corolário lógico dos esquemas da sua intuição e saber."
Alfredo Cortês foi aquilo que Duarte Ivo Cruz chama de "um autor universal", que se realizou "integralmente na arte teatral, o que é muito raro entre nós, (...) visando a sua obra o homem, a psicologia, a ética do ser consciente". Fazendo uso da sua "experiência regional", dá-nos cenas da "Comunidade mirandesa" na qual nos "encontramos frente" à heterogeneidade de uma sociedade com usos e costumes de características particulares.
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Nota:
(6) - Rebelo, Luís Francisco, Imagens do Teatro Contenporâneo, Editora Ática, 1960, Lx., pp.15.         

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

De Garrett aos Nossos Dias (continuação)

A partir daqui surgirão as "Paródias", nas quais Francisco Palha se especializou. "Desde a Lisboa de 1850, até aos nossos dias, a revista mantém uma das constantes mais genuínas do teatro português".
Quanto à geração de setenta, curiosamente não criou teartro que perdurasse. Apesar de Eça de Queirós ter participado no teatro estudantil em Coimbra, só fez traduções, assim como Ramalho Ortigão. Teófilo Braga escreveu três peças,  e Oliveira Martins deixou só esboços. Guerra Junqueiro deixou apenas textos de operetas e revista.
O teatro atravessa então uma fase de conflito social de base - um histórico, outro actual. Manuel Pinheiro Chagas escreveu doze peças, onde, através de uma delas, A Morgadinha de ValFlor, em 1869, tenta conciliar as duas linhas teatrais. Entretanto, outros autores escreveram para o teatro. Porém, só surge um novo renovador com D. João da Câmara, que é "uma das mais interessantes personalidades do teatro português", pois "no que respeita a géneros dramáticos, deve-se-lhe a introdução em Portugal, do realismo e do simbolismo". Psicologias, ambientes, a problemática económica e modernizante do país, tornam-se tema e conteúdo das suas peças. Um simbolismo místico ressalta no seu texto, Meia Noite,  com "um anceio fremente de ascender a Deus pela fé, a beleza e o amor". Escreveu mais de quarenta títulos, entre adaptações, traduções e dezenas de originais, que, como legado, abriu caminhos para o novo século XX, que serão os mais variados, numa tentativa permanente de recriar o teatro, através de uma subjectividade paradigmática.




De Garrett aos Nossos Dias (continuação)

A tragédia Xerxes teria sido a sua primeira iniciativa teatral escrita em 1816. Porém, no seu prefácio de Mérope, de 1820, (peça que dedica com imensa ternura a sua mãe) Garrett diz que tinha 18 anos quando  a escreveu , mas que tinha doze quando começou a pensar nela. Daqui podemos verificar que, efectivamente, viveu toda uma vida, desde a mais tenra idade, 'sonhando' com o teatro, criando dentro da sua alma de adolescente as estruturas sólidas de uma  cultura clássica e humanística que lhe iriam permitir fazer "sobressair a posição ideológica, a procura de uma expressão de liberdade que anuncia  coordenadas pessoais e nacionais, e mostrar que qualquer coisa esteticamente de novo vai nascer."
Catão, escrito em 1821, tem já o fôlego da "consciência cívica da geração liberal" (Vitorino Nemésio) e foi representado pelo próprio autor, que por diversas vezes incarnou as suas personagens. A sua lista de obras é muito vasta, mas "a primeira peça romântica portuguesa é uma evocação de um Auto de Gil Vicente  (1838), em que o enredo é pretexto para um reaportuguesamento da literatura cénica nacional, finalmente livre de peias clássicas (...) o autor será responsável por um filão de dramaturgia historicista que durará décadas" e através do seu "agudíssimo senso irónico, crítico, acerado e fino, que apurou ao longo de quarenta anos de mundanismo, criará personagens igualmente  cómicas com maior modernidade."
Porém, a sua obra prima é, efectivamente, Frei Luís de Sousa, que, segundo Edgar Quinet, é "a mais perfeita tragédia do século XIX,"  assim como para Otto Antscherl é " a obra mais brilhante que o teatro romântico pruduziu". (3)
"A segurança da acção, a economia de meios, a austeridade da condução, o doseamento do presságio, fatalidade e suspense, o rigor de algumas psicologias - tudo isto leva alto Frei Luís de Sousa". Esta peça é aquela que "se aproxima mais do talento carismático e tão desaproveitado do autor!"  A vivência de dois exílios políticos, os cargos de responsabilidade que assumiu, tudo terá contribuído para que, como ele próprio dizia, só se desse "ao labor literário nas horas vagas". Foi, porém, um  "um semeador de ideias" (J. Prado Coelho), genial pelo que descobriu e indicou" (Afonso Lopes Vieira). (4)
Gera-se, então, a dificuldade de surgirem autores que sucedam em espírito e estética  a Garrett, e, assim, "tudo  o que se escreveu e representou a partir de 1839 já é considerado ultra-romântico e de qualidade inferior." Garrett foi efectivamente responsável pelo esforço frustado de reconstrução histórica que se prolongou até aos nossos dias.
O teatro pós-garrettiano assume duas perspectivas: uma histórica e outra da actualidade. O mais representativo desta corrente histórica foi Mendes Leal, autor de cerca de trinta e nove títulos, tendo sido teorizador do movimento e iniciador, quer da corrente histórica, quer do teatro social  neo-romântico.
Alexandre Herculano deixou uma única comédia, um texto musicado, e um drama histórico.
António Feliciano de Castilho legou-nos unicamente traduções.
A tradição ética e histórica vai esgotar-se e a partir do meio do século, com as mudanças político-sociais, o teatro vai seguir novos rumos: aqueles que  se viviam com a industrialização e a modernização do País. Seria o próprio Alexandre Herculano que incitaria os jovens dramaturgos a analisar a realidade, em 1842. Porém, só em 1849, Mendes Leal o faria - "ataca" em os Homens de Mármore  "a insensibilidade dos ricos, as maneiras frias e desapiedadas de enriquecer",  obra que foi um sucesso.
Ernesto Biester foi convicto teorizador desta corrente e defende em 1856, na sua peça Viagem, "um teatro que seja reprodução verdadeira dos costumes do nosso tempo, da sociedade actual". Um  teatro de cariz criticista, não só do social, mas também do próprio teatro.
Gomes de Amorim, no ano de 1857, em Fígados de Tigre, cria uma obra singular em todo o teatro português, que só surgirá "em certas experiências surrealistas em França, passados quarenta anos."
Camilo Castelo Branco escreveu o Morgado de Fafe em Lisboa, e,  Amoroso, que  atinge os costumes sociais da época (diferente do restante teatro que escreveu) e, nos seus Esboços de Apreciações Literárias, escrevia que  "o drama, chamado realista, deveria ser antes chamado o drama espiritual." (5)
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Notas:
(3) - Rebelo, Luís Francisco, O Teatro Romântico, pp.45, obr. cit.
(4) - Prado Coelho, Jacinto, Dicionário de Literatura, II Vol., pp.364/365, Edi. Figueirinhas, Porto, 1985.
(5) - Rebelo, L. F., O Teatro Naturalista e Neo-Romântico, (1870-1910), Biblioteca Breve, I.C.L.P., 1ª ed., 1978, Lx., pp.19.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

De Garrett aos Nossos Dias

O Teatro é um grande meio de civilização, mas não prospera onde a não há. Não tem procura os seus produtos, enquanto o gosto não formar os hábitos, e com eles a necessidade.

A. Garrett

DE GARRETT AOS NOSSOS DIAS

O século XIX teatral abre com Garrett, diz Duarte Ivo Cruz. Efectivamente, o que podemos constactar, através do livro que nos serviu de guia, é que mesmo aquelas peças que foram representadas, quer as dos Arcades, quer as do Teatro de Cordel, não vincularam os nomes dos seus autores para a posteridade e ficaram irremediavelmente sepultadas no mau final do séc. XVIII, no péssimo princípio do séc. XIX.
Falar do teatro português do séc. XIX, é como falar da fénix das cinzas renascida, após um longo sono letárgico. Certamente que poderemos sumariar peças teatrais e autores de merecido mérito de Gil Vicente a Garrett; contudo, Gil Vicente marcou uma época esplendorosa e criadora do teatro português.
Garrett irá, de certo modo, fazer renascer esse esplendor e marcar o teatro não só através dessa obra prima, que é a sua peça Frei Luís de Sousa, mas principalmente porque foi o verdadeiro criador de uma escola de teatro, e, por fim, através de todas as vicissitudes, um Teatro Nacional que ainda hoje nos honra, assim como o seu nome.
Garrett "apontou os caminhos do futuro (...) marcou em todos os domínios uma atitude de meio termo exemplar: na política, entre a liberdade e a ordem, renovação e tradição.  Equilíbrio na cultura entre a arte pura e a arte comprometida, entre o popularismo e a aristocracia mental, entre o nacionalizar e abrir Portugal às correntes da cultura europeia, entre idealismo e atenção ao real, entre espontâneidade e apuro estético." (1)  Este meio termo, estas características, são, quanto a mim, a "mola real" de toda a sua vida e obra; "adivinhava em todas as formas de arte, incluindo a literatura, a mesma realidade essencial, - à epopeia corresponderia a arquitectura, à tragédia a estatuária, e defendia a ideia de que as artes plásticas, a música, a literatura de cada época exprimem o mesmo espírito, o mesmo estilo de vida e pensamento." (2)
Não admira, portanto, que Duarte Ivo Cruz escreva que o séc. XIX do teatro português é Garrett, e que se deu a vivência de "um período de entrosamento dramatúrgico e político-económico (...) de mudanças sociais, com relevo basilar do liberalismo, fenómeno portuguesmente romântico (...) e de decisiva modernidade". Garrett viveu 55 anos de uma vida plena e de "uma extraordinária, ímpar personalidade. (...) Foi um dos raros renovadores, em todos os sentidos, do teatro português. Como dramaturgo, surge-nos o primeiro e o último dos verdadeiros românticos; (...) como organizador, criou uma infrastrutura cénica que ainda hoje subsiste."
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Notas:
(1) - (2) - Prado Coelho, Jacinto, Dicionário de Literatura, II Vol., pp. 364/365, Editora Figueirinhas, Porto, 1985.

De Gil Vicente A Garrett (conclusão)

Um dos vários "doutrinadores portugueses" que se debruçaram com interesse e coerência, sobre o teatro como fenómeno estético, foi Correia Garção, que traduziu o seu trabalho em doutrina "tendente a mostrar a necessidade do teatro" (A. José Saraiva). Escreveu duas comédias, que foram postas em cena, respectivamente, no teatro da Rua dos Condes, intitulada Assembleia ou Partida, e outra Teatro Novo, no Bairro Alto. Escreveu também tragédias, das quais só terão ficado dissertações onde se imprimem as "linhas mestras da doutrinação arcade". Terá sido Correia Garção que aplicou o termo drama ainda dois anos antes de o Dicionário da Academia Francesa registar o termo em 1762"; utilizara-o entre nós para designar o seu Teatro Novo. Efectivamente o "drama, como género teatral autónomo, e não como categoria literária (no sentido em que a poesia dramática se contrapõe à poesia épica e à poesia lírica),  (...) é um produto tipicamente romântico ou mesmo pré-romântico (...) não obstante o uso indiscriminado do termo, no último terço do séc. XVIII e primeiro do séc. XIX, só com o Auto de Gil Vicente (1838) o drama se assume em Portugal como género perfeitamente caracterizado: como uma 'composição de forma e índole novas', diria mais tarde Garrett.  (...) O novo género teve os seus doutrinadores, como Herculano, Mendes Leal, e Ernesto Biester" (8), de que a seguir se falará ao iniciar a historiografia do séc. XIX.
Outro dos Arcades que contribuiu com um drama e quatro tragédias para o nosso teatro foi Domingos dos Reis Quita.  A Castro terá sido aquela (que em moldes diferentes da primeira Castro, de Ferreira, "se inicia com um diálogo entre Pedro e Inês") que foi mais representada, tendo sido, inclusivé, traduzida para inglês por Benjamim Thompson, em 1800.
Manuel de Figueiredo terá sido o Arcade que mais se aplicou a escrever para o teatro: trinta e duas peças originais, entre tragédias e comédias. Como constante da sua obra, os temas nacionais recolhidos da História de Portugal, propondo-se "uma análise crítica, acerada e justa, da sociedade de Setecentos" e a quem Garrett se refere nas Viagens na Minha Terra, no capítulo IX, que, em grande parte, é dedicado à obra de Manuel de Figueiredo.
"Deixou uma colecção imensa de peças de teatro (...) que, passadas pelo crivo do melhor gosto, e animadas, sobretudo, no estilo,  fariam um razoável reportório para acudir à míngua dos nossos teatros. (...)  A  que a mim mais me diverte (...) é a que tem por título Poeta em anos de prosa. (...) E foi por esta, foi por amor desta  que me deixei descair na digressão dramática-literária do princípio deste capítulo; pegou-se-me à pena porque se me tinha pegado na cabeça; e ou o capítulo não saía, ou ela havia de sair primeiro." (9)
Esta citação é exemplo de como o teatro foi motivo de reflexão do narrador-autor desta obra, o que vem reforçar a ideia manifestada no início deste trabalho de que as Viagens na Minha Terra são uma obra singular no género, porque reflecte todo um conjunto de artes que fazem parte da cultura e que Garrett conciliou através da arte da palavra, apoiado pela sua faceta de dramaturgo, que "retrata o espírito do autor em movimento,  em crise" (10), características próprias do teatro em si.
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Notas:
(8) - Rebelo, Luís Francisco, O Teatro Romântico, (1838-1869) Biblioteca Breve, Instituto de Cultura e Língua Portugesa, 1ª ed. 1980.
(9) - Garrett, Almeida, Viagens na Minha Terra, pp.62, obr. cit.
(10) - Prado Coelho, Jacinto, inserto em Teste de 1ª frequência de Literatura Portuguesa II.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

De Gil Vicente A Garrett (continuação)

O teatro português sofreu um impasse sob o domínio Filipino, manifestando-se desde 1580 uma "influência castelhana" que, de tão  forte "secou quase por completo as vias originais" e só irá renascer após a independência de 1640. Porém, revelou-se o "gosto pelo teatro" neste período, criando raízes através de representações sistemáticas e populares, das companhias itenerantes e dos pátios que as alojavam.
Entretanto, este período viu-se confrontado com uma perseguição movida contra o teatro, pela a Inquisição, mas, se não prejudicou o "entusiasmo" pelas companhias espanholas, "em nada contribuiu" para que o teatro de expressão nacional se renovasse, levando a que os dramaturgos portugueses escrevessem em espanhol. Contudo, autores houve que continuaram a fazê-lo também em português, como, por exemplo, "Francisco Rodrigues Lobo, que faz uma certa troça, bem vicentina, revelando através da sua estética gongórica" uma reacção cultural ao domínio espanhol. Vários são os autos que se publicam, assim como os entremezes. Alguns são anónimos, mas que se ligam à linha popular de Gil Vicente, o que prova que, apesar de todos os obstáculos, esta tradição se manteve.
D. Francisco Manuel de Melo escreveu uma só peça em português - O Fidalgo Aprendiz -  que, apesar disso, superou talvez, em qualidade, todas  as suas criações em castelhano. Verifica-se um progresso em relação aos seus antecessores vicentinos: "o intricado desenvolvimento da intriga revela uma evolução histórico-social europeia", tornando-a actual e simbólica do teatro de Seiscentos.
No séc. XVIII (pelo menos até meados) verifica-se um acentuado reflexo da "dominação espanhola", e, como encontrassem na forma de reagir a essa dominação, uma aderência ao teatro francês e italiano, o que sucedeu foi que, em vez de se recriar um teatro genuinamente nacional, se misturaram os estilos vindos não só de Espanha, como da França e Itália. Fazem-se adaptações de peças - "a primeira adaptação de Molière surge em 1737, com O Marido Confundido (Jorge Dandin) de Alexandre Gusmão". Assim como de Goldoni e de outros autores italianos que "invadem a cena nacional". É neste período de  "ocupação" que efectivamente "o  teatro desceu definitivamente à rua" e a dramaturgia torna-se o mais variada possível. A ópera italiana surge em cena plena de sucesso, dando a este período um cariz dualista. Por um lado um espectáculo "sobretudo da corte", por outro, da burguesia e do povo, que irão aplaudí-la nas diversas salas existentes, porque se existia "um teatro- espectáculo, popularíssimo, mesmo quando aristrocatizante, o barroco na exuberância  cénica, (...) existia também uma arte intelectual reformista, afastada do ruído quente dos pátios, refugiada nas concepções analíticas dos seus cultores. Esta dualidade era interpenetrada pela ópera que invadiu a dramaturgia e até a literatura." Vivia-se, então, o reinado de "D. João V, que sempre amou a ópera" e poderá dizer-se que a própria cultura teve um período áureo.  "Ainda afluía o ouro do Brasil, que deu ao País certa opulência". Havia dinheiro, grandes  fortunas. Viviam em Lisboa famílias abastadas. "O casamento de D. João V com D. Maria Ana da Áustria teria (...) introduzido na Corte  lisboeta o gosto pelos espectáculos musicais de estilo italiano. (...) D. João V mandou vários compositores à Itália para ali completarem os seus estudos." Um dos bolseiros, Francisco de Almeida, estreia uma ópera sua "em Lisboa no ano de 1733. (...) El-rei, para poder rivalizar com as outras Cortes europeias, todas elas muito bem servidas por músicos italianos, convida  (...) para vir estabelecer-se na Corte portuguesa, em qualidade de mestre da Infanta D. Maria Bárbara, e primeiro mestre da capela real, o compositor e cravista  Domenico Scarlatti"(6).  Vive-se, então, num ambiente de completa protecção às artes. Esse seu gosto tê-lo-á levado a oferecer "à Academia o idílico bosque Parrasio, junto ao Janículo", para aí se realizarem as reuniões da  Arcádia italiana, que sucedia ao 'cenáculo intelectual' fundado pela 'ex-rainha Cristina da Suécia'. (...) Da Itália, o movimento arcádico  passou a Portugal e ao Brasil"(7), dando origem à  Arcádia Lusitana, fundada em 1756.
Estes "Arcades foram os primeiros doutrinadores portugueses a debruçarem-se, com interesse e coerência, sobre o teatro como fenómeno estéctico."  Mais tarde, à Nova Arcádia pertenceu Manuel Maria Barbosa du Bocage, que, se "dedicou ao teatro uma atenção dispersa", prova que não podemos dissociar o teatro da vida dos nossos poetas e escritores, porque, de facto, praticamente todos os maiores literatos tentaram a arte dramática, dando o seu contributo ao teatro.
 Por esta época ergueram-se palcos, em que se viveu todo o esplendor do espectáculo, e nesses teatros, que se construiram então, viveram-se longas e apreciáveis actividades de teatro lírico das quais se mantêm "notícias de espectáculos ainda cerca de 1868". O gosto pelo teatro estava finalmente bem marcado, e o hábito de ir aos espectáculos tornar-se-á, no decorrer do séc. XVIII, muito popular através do chamado "teatro de cordel". A expressão popular deste movimento teatral é praticamente iniciada por António José da Silva - O Judeu. Foram as suas experiências teatrais um sucesso popular e, apesar da sua curta vida, escreveu "nove comédias, ou óperas",  ressaltando nelas uma crítica social, de humor subtil e irónico. Representadas por bonifrates, têm uma interpenetração de números cantados com cenas declamadas, musicadas pelo compositor António Teixeira. D. Quixote, e, Guerras de Alecrim e Mangeronaque foram representadas no Carnaval de 1737, dão-nos ainda hoje, uma imagem das aventuras vividas pelos homens e mulheres elegantes da sociedade lisboeta do séc. XVIII. 
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Notas:
(6) - Kastner, Santiago, Carlos Seixas,  Coimbra Editora, 1947, pp. 54.
(7) - Do Barroco ao Rocócó

    

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

De Gil Vicente A Garrett

Sá de Miranda marcará, doravante, o nosso teatro por novas ideias trasidas de Itália, onde viveu durante cinco anos e conviveu com os grandes espíritos  humanistas de então. Lente em leis na Universidade de Coimbra, donde era natural, regressa a Portugal em 1526, após ter conhecido Lope de Vega em Madrid. Toda a sua experiência vivida irá dar frutos, quer na sua obra, quer na sua docência escolar, que foi renovadora. Um estilo formal e uma "nova arte" própria , que lhe advém do seu convívio com os clássicos, irão permitir a escrita de duas comédias, Estrangeiros,  que foi "representada na Corte em 1523 e os Vilhalpandos em 1538", além de um esboço em verso Cleópatra. Plauto e Terêncio serão, segundo o próprio autor, arremedados e em "outras partes" louvados.
Assim se terá iniciado a comédia clássica em Portugal, com regras de unidade e ambiente específico, e, apesar de se passarem em Itália, as suas peças verberam "os desmandos da sociedade portuguesa". E se não conseguiu a "profunda e admirável graça vicentina", por caminhos diversos, como escreveu Rodrigues Lapa,  lutavam quer Gil Vicente, quer Sá de Miranda, pela mesma causa: a dignificação mental e moral do País. (2)
No que se refere ao teatro deixado por Camões, e que apenas comporta três peças, é de um "relativo hibridismo", visto conciliar a Idade Média e o Renascimento  "O  Auto dos Anfitriões, de reminiscência plautiana, O Auto de El-Rei Seleuco, próximo duma tradição vicentina, surge imbuído de um espírito quase lisboeta;  O Auto de Filodemo,  que é a peça mais 'renascentista', onde terá Camões sentido mais a influência da dramartugia moderna tem sido, contudo, 'prejudicado pela projecção ímpar da épica e da lírica, apesar da qualidade teatral, e sobretudo, literária da sua dramaturgia."
Em 1560, numa altura em que "a universidade era o grande laboratório percursor de experiências teatrais", surgenos, representada em Coimbra, a "tragédia moderna" a Castro,  tendo sido seu autor António Ferreira, "lente da Universidade de Coimbra (...) que teve a originalidade de ir buscar o seu tema à cultura nacional, erguendo o mito de Pedro e Inês", revelando "mestria e enorme talento literário, (...) e sobretudo a marca de uma visão conjuntural, que não ignora, sequer, a razão política (...)  que precipita  em tragédia esta história de amor."
Segundo Duarte Ivo Cruz, as suas duas outras comédias, Bristo ou Fanchono, e  Cioso, ficam distantes do génio imorredoiro da Castro.
Pela mesma altura, Jorge Ferreira de Vasconcelos escreve obras dialogadas de arreigado nacionalismo e povoa o palco de figuras portuguesas da sua época: é a ambivalência de Quinhentos que vive nas suas páginas. (3) Porém, estas comédias são "autos longos e romances dialogados"; mesmo que seja de sublinhar a sua riqueza documental e etnográfica. O próprio autor afirmou "que substitui a cena pelo livro, o espectador pelo leitor". 
Ainda em 1565 António Prestes terá sido um seguidor de Gil Vicente. Pensa-se que viveu em Lisboa e põe-se a interrogação se terá actuado nos pátios. Os seus sete autos conhecidos, serão "pouco tocados pelo renovo da Renascença,  ou, talvez melhor ainda, sofrendo um inegável retrocesso, na evolução que liga Gil Vicente aos renascentistas." Por este motivo o carácter de transição é posto em causa, verificando-se que a história do teatro, como a da própria cultura, tem avanços e recuos que não se coadunam  com tábuas cronológicas lineares.
O mesmo se verifica com a obra de Simão Machado, que publica duas comédias em 1601, onde mantém vivo o hibridismo vicentino, tentando, porém, conciliá-lo com "uma mentalidade expansionista que Camões glorifica n'Os Lusíadas, o barroquismo da mágica espanhola e a decorativa opulência das tragicomédias  jesuíticas", anunciando, por esse motivo, uma fase de transição.
Quanto à divulgação da arte cénica, deram os jesuítas um enorme contributo porque "foram grandes e fiéis cultores do teatro", que utilizaram como forma de corrigir os costumes. "De Lisboa, Coimbra, Évora, Braga, Bragança, Portalegre e Santarém", o teatro foi levado aos povos que missionaram em "África, Ásaia e Brasil". O padre Anchieta escreveu autos evangelizadores em dialecto tupi-guarani. Muitos outros jesuítas, possuidores de uma vasta cultura, escreveram em latim as suas tragicomédias, apesar de, como escreve Claude-Henri Frèches, ao reconhecer "debaixo de linguagem da cultura, quase artificial ,  o génio português". (4) Mesmo nestes sóbrios jesuítas se encontra "o sarcasmo, a inventiva e a farsa, mas ela é temperada por uma nobre finalidade pedagógica" (1), o que levava a que as peças durassem "por vezes dois dias inteiros num didactismo que prejudicava a dinâmica teatral".
"Foi o drama o género que melhor se ajustou aos intuitos inacianos de acordo com a poética barroca. Rompendo na prática com as regras que dominavam a poética renascentista, embora em teoria as respeitasse, o teatro barroco introduziu novidades típicas, tais como o deslocamento do centro de interesse ou de gravidade, a multiplicação de pontos de vista e de protagonistas, a desproporção e a pompa ornamental, além de elementos operacionais, como a separação do palco e do auditório, o obscurecimento do teatro (adoptado pelos jesuítas), o diabo como personagem, o trovão, o relâmpago, o fogo e a fumaça, e outros artifícios para sugerir a acção do sobrenatural e do milagroso, ou de pompas e festins fúnebres para transmitir a impressão da morte ou do inferno. Não só os actores tomavam parte na peça, mas também o auditório, que não tinha vontade própria e era arrastado ao acontecimento dramático e por ele envolvido. Por toda a Europa os díscípulos de Loiola deram ao género grande eficiência."(5)
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Notas:
(1) - Picchio, L. S., História do Teatro Português, pp.88. 
(2) M. Rodrigues Lapa, in Prefácio às Obras Completas de Sá de Miranda, Col. Clássicos Sá da Costa, 2ª ed., pp. XIII.
(3) - Alves, Maria Odete Dias, A linguagem dos Personagens de Jorge Ferreira de Vasconcelos, Tese de licenciatura em Filologia Românica, Fac. de Letras de Coimbra, 1972.
(4) - Cfr. H. Frèches, La Tragédie Religieuse Néo-Latine au Portugal, Tomos IV e V, in  Do Barroco ao Rocócó.
(5) - Do Barroco ao Rocócó, pp. 227.


domingo, 12 de fevereiro de 2012

De Gil Vicente A Garrett

"São quase cinquenta peças (...), que eventualmente garantem, hoje como sempre, a qualidade ímpar do espectáculo". As suas farsas e autos surgem-nos, quer cómicas, quer irónicas, "através de uma técnica repassada de talento teatral."  As suas restantes peças, mesmo quando de "exaltação religiosa e mística", não deixam de tecer críticas ao mau clero, e de mostrar "a necessidade de uma reforma de costumes." A sua obra, numa grande percentagem, vai buscar a temática simbólica e mitológica, como forma de intervenção, à tradição clássica, constituindo um traço de ligação  "entre o Portugal medievo e o Renascimento". Alegorias fantásticas são também  frequentes e marcam o ambiente culto da Corte.  "Obra perene, tão do nosso tempo, a sua qualidade em muito transcende a  própria arte do teatro - para atingir um dos cumes mais altos da criação estética e do pensamento filosófico da cultura ocidental."
Teve Gil Vicente seguidores, que procuraram através da sua "imitação consciente ou inconsciente" - como refere Lucciana Stegagno Picchio -,  continuar a temática vicentina, principalmente a religiosa, e "quase sempre fiéis à fórmula de auto".(1) Afonso Ávares, filho dum natural da Guiné, "criado do bispo de Évora, D. Afonso de Portugal", e depois mestre-escola em Lisboa, foi um desses seguidores, assim como António Ribeiro Chiado, que teve um auto com bastante sucesso na Corte e foi, inclusivé, referido por Camões no seu «Auto de El-Rei Seleuco», e também por Jorge Vieira de Vasconcelos  "que , na sua comédia «Aulegrafia» cita o poeta como sendo um homem de veia". O seu «Auto das Regateiras», escrito em 1569, segundo Teófilo Braga, é precioso para a reconstituição da sociedade portuguesa no séc. XVI. Os tipos são acentuadamente característicos, e os ditos graciosíssimos, expressos por modismos e locuções de viva poesia, revelando as personagens a acuidade psicológica de quem as criou.
Baltazar Dias foi um dramaturgo popular, que curiosamente recebe do rei D. João III um alvará que lhe concede os direitos de autor, ou seja, o privilégio  de ninguém poder vender ou imprimir as suas prosas, ou poesias ("como em metro") sob pena de ser sancionado. Curioso é verificar que, já no séc. XVI, este poeta cego, originário da Ilha da Madeira, "vendia as suas obras nas ruas de Lisboa", as quais seriam, porventura, muito procuradas, uma vez que o autor necessitou da protecção régia para impedir a indevida impressão e venda do seu trabalho criativo.
Esta terá sido a primeira fase do teatro português. Estes dramaturgos serão os principais da "chamada escola vicentina"; muitos tiveram como fonte Gil Vicente, mas este "criador de génio" tinha que, infalivelmente, originar uma "curva decrescente", apesar da sua "marca" se fazer sentir mais ou menos nítida até hoje. O próprio Camões poderá, assim como António Prestes "integrar-se na filiação vicentina". É impossível referir todas as correntes pós-vicentinas, e muitos textos surgem anónimos, patenteando, porém,  "o fervilhar dramatúrgico de então", e, apesar "da influencia  de Gil Vicente, (...) da sua  permanência perene (...) a evolução  estética é irreversível, e a mentalidade da Renascença acaba por influenciar o hesitante teatro português". 

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Nota:
As aspas não numeradas ao longo do trabalho são citações do livro:  Introdução à História do Teatro Português, de  Duarte Ivo Cruz, Guimarães Editores.
(1) - Picchio, L.S., História do Teatro Português, pp.88.

   

sábado, 11 de fevereiro de 2012

De Gil Vicente a Garrett

O teatro é um dos mais expressivos e úteis intrumentos para a edificação de um país e é barómetro que assinala a sua ascenção ou queda (...) um povo que não ajuda e não fomenta o seu teatro, se não está morto, está moribundo; da mesma forma, o teatro que não recolhe o pulsar social, o pulsar histórico, o drama das suas gentes e a cor genuína da sua paisagem e do seu espírito, pelo riso ou pelas lágrimas, não merece que se lhe chame Teatro...

F.G. Lorca


De Gil Vicente a Garrett

Gil Vicente, tal como o início do teatro, também tem a sua origem encoberta sob uma névoa de mistério, difícil de desvendar, e motivo de controvérsia, uma vez que se supõe terem existido duas pessoas com o mesmo nome, - tese defendida por Teófilo Braga e António José Saraiva -. Por outro lado,outros estudiosos afirmam ter sido Gil Vicente o "ourives" criador de célebre Custódia de Belém, o que parece merecer mais crédito, uma vez que na sua obra são encontrados mais de cento e cinquenta termos técnicos sobre ourivesaria. Contudo, tamanha cultura humanística seria possível num mestre artífice, mesmo que um grande artista? Impossível de determinar. Por isso, restam-nos as hipóteses. pensa-se que Gil Vicente terá nascido em Guimarães, entre 1465 e 1470, e que escreveu o seu último auto em 1536, tendo falecido em 1540, segundo "documentos rigorosos".
"Uma criação admirável" nos legou, na qual encontramos "um sentido nacional" aliado a uma religiosidade" e "um amor à justiça e à verdade". Através da observação e de um espírito culto e sensível, essencialmente livre, deu-nos a conhecer uma variedade de personagens que englobam as mentalidades e formas de se conduzir da vasta "sociedade portuguesa de então, dos fidalgos ao povo, dos artífices ao clero, dos camponeses aos mareantes, dos soldados aos juristas. Todos são objecto da crítica, patenteando expressamente uma perspectiva cristã", não deixou de revelar a profundeza humana de criador, através da sua capacidade estética versátil.
"O teatro vicentino surge como um verdadeiro universo, emaranhado de temas, questões, ritmos, objectivos, personagens."

As Origens do Teatro Português

Durante os séculos XIII e XIV os jograis tiveram influência marcante, o que pode verificar-se através dos poemas dialogados insertos nos Cancioneiros Medievais, que fixam pequenas cenas dramáticas. D. Ivo Cruz refere que se podem "ponderar os aspectos musicais e mesmo coreográficos" que faziam da intervenção dos jograis realizações espectaculares. Igualmente são feitas referências, até finais do séc. XV, aos goliardos, que imitavam as cerimónias litúrgicas, com desrespeito e, por esse motivo, surge documentado um perdão concedido por D. João II a um jogral goliardo. Também no Cancioneiro Geral as práticas dos goliardos são insertas, através dos poemas de Álvaro de Brito Pestana. Efectivamente, o teatro litúrgico que se praticava por meio da "representação das Sagradas Escrituras", não tem em Portugal uma forte expressão, como aconteceu por vários países "em que toda a cidade colaborava" nessas cenas chamadas "Os mistérios" e os "milagres", de raiz cristã. O texto mais antigo que se reduz a um pequeno diálogo, escrito em latim, "num breviário do Mosteiro de Santa Cruz, só muito levemente aflora o teatro". Porém, não deixamos de encontrar documentos em que, se por um lado os bispos proibiam ao clero o contacto com os jograis, ("D. Frei Telo, arcebispo de Braga, em 1281") ou que estes espectáculos se realizassem dentro das igrejas (no início do séc. XIV, o arcebispo de Lisboa, D. João Esteves de Azambuja), por outro lado, "em 1477 D. Luís Pires, arcebispo de Braga, já autoriza" a representação do "Presépio ou dos Reis Magos". Em 1500, o bispo da Guarda já refere a ida às igrejas de jograis, e outras notícias se encontram, inclusivé a de D. Duarte, sobre a representação de um Mono em 1500, o que permitirá pensar que existiam na época medieval portuguesa vários jogos, autos ou dramas litúrgicos.
Os próprios adereços que eram adquiridos para as procissões, e os registos de pequenos autos com histórias breves e devotas, (mesmo que condenadas por alguns bispos) atestam a existência desse teatro litúrgico. Como exemplo, um «Auto a S. Martinho», da autoria de Gil Vicente, em 1504, "que foi representado à mui caridosa e devota Senhora Rainha D. Leonor," na igreja das Caldas, na procissão de Corpus Christi.
Quanto ao teatro cortesão, encontramos Monos referenciados no Cancioneiro Geral de Garcia de Resende, em poesias consideradas "verdadeiros esquemas teatrais, que marcam o nascimento de um teatro português diferenciado". Fernão Lopres na «Crónica de D. João I», narra o casamento do rei e de como este foi animado "com evocações pré-teatrais". Zurara cita os Monos realizados em Viseu em 1414 pela Epifania, defenindo o "conceito de Mono como um verdadeiro espectáculo, de (...) fantasiosos guarda-roupas." Em 1451, por ocasião do compromisso de casamento da Infanta D. Leonor com o Imperador Frederico II, realizaram-se na Corte quadros dramáticos que são descritos como possuidores "de uma certa unidade de acção". Rui de Pina alude aos Monos realizados em 1490, pelo casamento do Príncipe D. Afonso, na «Crónica de D. João II». Também Garcia de Resende comenta estas festas, que tiveram a duração de oito dias. No Natal de 1500, na Corte de D. Manuel I, assistia-se a "novos e grandiosos Monos," dos quais existem descrições de relevo.
Em 1502, a 7 de Junho, Gil Vicente representa, perante a Rainha D. Maria, para a felicitar pelo nascimento do "futuro D. João III", o «Monólogo do Vaqueiro», que é considerado a origem do teatro português. Mas, se este efectivamente irrompeu para a posteridade com Gil Vicente, houve outros autores que o precederam na "corte de quinhentos". O entremez "atribuído a D. Francisco de Portugal, conde de Vimioso, e que põe em cena quatro personagens - cavaleiro, anjo, dama e diabo" - é exemplo disso, assim como Henrique da Mota que, com uma estética anterior à de Gil Vicente, nos "legou obra concreta de recorte indiscutivelmente teatral". Quem iniciou o teatro português? Não será possível determinar. Contudo, Gil Vicente impõs-se para sempre como nosso contemporâneo. As suas peças continuam a ser as mais representadas e é com imenso gosto que assistimos aos caráteres das suas imensas personagens representativas da cultura potuguesa. Por isso "é de certo modo justo considerar a primeira estreia vicentina, como a própria estreia de uma dramaturgia portuguesa autónoma e indiscutível". Nas suas obras perpassam todas as qualidades e defeitos que culturalmente caracterizam o ser português.
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Nota:
As aspas não numeradas são citações do livro: «Introdução à História do Teatro Português», de Duarte Ivo Cruz, Guimarães Editores, 1983.