sábado, 11 de fevereiro de 2012

As Origens do Teatro Português

Durante os séculos XIII e XIV os jograis tiveram influência marcante, o que pode verificar-se através dos poemas dialogados insertos nos Cancioneiros Medievais, que fixam pequenas cenas dramáticas. D. Ivo Cruz refere que se podem "ponderar os aspectos musicais e mesmo coreográficos" que faziam da intervenção dos jograis realizações espectaculares. Igualmente são feitas referências, até finais do séc. XV, aos goliardos, que imitavam as cerimónias litúrgicas, com desrespeito e, por esse motivo, surge documentado um perdão concedido por D. João II a um jogral goliardo. Também no Cancioneiro Geral as práticas dos goliardos são insertas, através dos poemas de Álvaro de Brito Pestana. Efectivamente, o teatro litúrgico que se praticava por meio da "representação das Sagradas Escrituras", não tem em Portugal uma forte expressão, como aconteceu por vários países "em que toda a cidade colaborava" nessas cenas chamadas "Os mistérios" e os "milagres", de raiz cristã. O texto mais antigo que se reduz a um pequeno diálogo, escrito em latim, "num breviário do Mosteiro de Santa Cruz, só muito levemente aflora o teatro". Porém, não deixamos de encontrar documentos em que, se por um lado os bispos proibiam ao clero o contacto com os jograis, ("D. Frei Telo, arcebispo de Braga, em 1281") ou que estes espectáculos se realizassem dentro das igrejas (no início do séc. XIV, o arcebispo de Lisboa, D. João Esteves de Azambuja), por outro lado, "em 1477 D. Luís Pires, arcebispo de Braga, já autoriza" a representação do "Presépio ou dos Reis Magos". Em 1500, o bispo da Guarda já refere a ida às igrejas de jograis, e outras notícias se encontram, inclusivé a de D. Duarte, sobre a representação de um Mono em 1500, o que permitirá pensar que existiam na época medieval portuguesa vários jogos, autos ou dramas litúrgicos.
Os próprios adereços que eram adquiridos para as procissões, e os registos de pequenos autos com histórias breves e devotas, (mesmo que condenadas por alguns bispos) atestam a existência desse teatro litúrgico. Como exemplo, um «Auto a S. Martinho», da autoria de Gil Vicente, em 1504, "que foi representado à mui caridosa e devota Senhora Rainha D. Leonor," na igreja das Caldas, na procissão de Corpus Christi.
Quanto ao teatro cortesão, encontramos Monos referenciados no Cancioneiro Geral de Garcia de Resende, em poesias consideradas "verdadeiros esquemas teatrais, que marcam o nascimento de um teatro português diferenciado". Fernão Lopres na «Crónica de D. João I», narra o casamento do rei e de como este foi animado "com evocações pré-teatrais". Zurara cita os Monos realizados em Viseu em 1414 pela Epifania, defenindo o "conceito de Mono como um verdadeiro espectáculo, de (...) fantasiosos guarda-roupas." Em 1451, por ocasião do compromisso de casamento da Infanta D. Leonor com o Imperador Frederico II, realizaram-se na Corte quadros dramáticos que são descritos como possuidores "de uma certa unidade de acção". Rui de Pina alude aos Monos realizados em 1490, pelo casamento do Príncipe D. Afonso, na «Crónica de D. João II». Também Garcia de Resende comenta estas festas, que tiveram a duração de oito dias. No Natal de 1500, na Corte de D. Manuel I, assistia-se a "novos e grandiosos Monos," dos quais existem descrições de relevo.
Em 1502, a 7 de Junho, Gil Vicente representa, perante a Rainha D. Maria, para a felicitar pelo nascimento do "futuro D. João III", o «Monólogo do Vaqueiro», que é considerado a origem do teatro português. Mas, se este efectivamente irrompeu para a posteridade com Gil Vicente, houve outros autores que o precederam na "corte de quinhentos". O entremez "atribuído a D. Francisco de Portugal, conde de Vimioso, e que põe em cena quatro personagens - cavaleiro, anjo, dama e diabo" - é exemplo disso, assim como Henrique da Mota que, com uma estética anterior à de Gil Vicente, nos "legou obra concreta de recorte indiscutivelmente teatral". Quem iniciou o teatro português? Não será possível determinar. Contudo, Gil Vicente impõs-se para sempre como nosso contemporâneo. As suas peças continuam a ser as mais representadas e é com imenso gosto que assistimos aos caráteres das suas imensas personagens representativas da cultura potuguesa. Por isso "é de certo modo justo considerar a primeira estreia vicentina, como a própria estreia de uma dramaturgia portuguesa autónoma e indiscutível". Nas suas obras perpassam todas as qualidades e defeitos que culturalmente caracterizam o ser português.
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Nota:
As aspas não numeradas são citações do livro: «Introdução à História do Teatro Português», de Duarte Ivo Cruz, Guimarães Editores, 1983.

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