INTRODUÇÃO
T. S. Eliot diz no seu ensaio Notas para a definição de Cultura: O principal canal de transmissão de cultura é a família. Isto diz-nos que a família é a célula mais importante na transmissão da cultura, e que esta será deteriorada se o papel daquela se deixar de exercer. O que se aprende na infância ficará sempre como reduto no inconsciente e, mais tarde, isso reflectir-se-à nos gostos ou maneira de estar na vida, na sociedade.
E porque refiro isto? Porque da infância longínqua, e tão perto, me vem o gosto pelos jornais. Eram quatro os títulos que todos os dias entravam na nossa casa (onde vivia uma família de 14 elementos); dois títulos de manhã e outros dois à tarde. À falta de televisão, eram os jornais e uma imensa e variada rima de livros (que se trocavam no Alfarrabista) que ocupavam um tempo de lazer e de crescer entre a infância e a adolescência até à idade adulta. Na sequência de um breve passeio pela baixa, ao domingo de manhã, íamos os três mais novos, buscar o jornal directamente à tipografia. Aquele ruído das máquinas, o cheiro da tinta, o passar corrido dos jornais, eram o meu encanto! Era o reboliço da redacção, o acertar das letrinhas pelo tipógrafo, a cor preta das máquinas imensas (comparadas com os meus oito /dez anos) e o papel branco que, dentro delas, ia tomando forma, caracteres, fotografias, estampas, que faziam o meu deslumbramento! Depois era ver quem disputava para si primeiramente o suplemento infantil, que fazia as delícias dos domingos, frios ou escaldantes, como companheiro certo. Discutiam-se os folhetins, as crónicas, viviam-se as notícias intensamente. Os heróis de banda desenhada eram adoptados e por eles esperávamos pacientemente quando, chegados ao fim de página, líamos: "Continua no próximo domingo". Mais tarde fui verificando que o próprio gosto que tinha pela história, a curiosidade pelos outros povos, pela política, a arte, a música, me vinham afinal através desse gosto da leitura do jornal.
Os jornais são a história breve, factual, mas viva. Eles estão, graças ao esforço e à vontade do homem, todos os dias nas bancas, com o desejo secreto de serem lidos. São comunicação, fazem parte integrante do homem que se dá ao homem, num desejo de partilhar aquilo que viu, ouviu, aquilo que sabe. São portadores de cultura, ajudam a formar as próprias sociedades; são uma força. Como são utilizados pelo homem? Despertam agora os jornais esse prazer de leitura, essa curiosidade? Esse quarto poder é convenientemente aproveitado para ser veículo de cultura, elo de ligação entre os povos e as diversas culturas? Leva-nos a ler livros, ver filmes, exposições, a amar o belo e o gosto pelo conhecer? Ou é fruto das mais diversas manipulações por homens que visam o lucro, ou o sucesso fácil e que fazem dos jornais um produto falseado que tristemente faz perder o gosto pela leitura?
Almada Negreiros acusa os burgueses portugueses de só pensarem pelos jornais(1). Queixava-se de que o País moldava o seu espírito pelos jornais. Hoje preocupa-me que o País não compre e não leia jornais. Que cultura divulgam os nossos jornais? Este é o porquê do meu trabalho, a minha preocupação. E apesar de cada vez serem menos os leitores de jornais, eu pugno pela informação isenta, quero acreditar nos jornais e que eles podem ocupar o lugar a que têm direito. E, ao iniciar faço minhas as palavras de Mário de Sá-Carneiro, no seu poema Manucure:
- Hurrah! por vós, indústria tipográfica!
- Hurrah! por vós, empresas jornalísticas!
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Nota:
(1) - Lopes, Óscar, Entre Fialho e Nemésio, pp. 554.
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