Um dos vários "doutrinadores portugueses" que se debruçaram com interesse e coerência, sobre o teatro como fenómeno estético, foi Correia Garção, que traduziu o seu trabalho em doutrina "tendente a mostrar a necessidade do teatro" (A. José Saraiva). Escreveu duas comédias, que foram postas em cena, respectivamente, no teatro da Rua dos Condes, intitulada Assembleia ou Partida, e outra Teatro Novo, no Bairro Alto. Escreveu também tragédias, das quais só terão ficado dissertações onde se imprimem as "linhas mestras da doutrinação arcade". Terá sido Correia Garção que aplicou o termo drama ainda dois anos antes de o Dicionário da Academia Francesa registar o termo em 1762"; utilizara-o entre nós para designar o seu Teatro Novo. Efectivamente o "drama, como género teatral autónomo, e não como categoria literária (no sentido em que a poesia dramática se contrapõe à poesia épica e à poesia lírica), (...) é um produto tipicamente romântico ou mesmo pré-romântico (...) não obstante o uso indiscriminado do termo, no último terço do séc. XVIII e primeiro do séc. XIX, só com o Auto de Gil Vicente (1838) o drama se assume em Portugal como género perfeitamente caracterizado: como uma 'composição de forma e índole novas', diria mais tarde Garrett. (...) O novo género teve os seus doutrinadores, como Herculano, Mendes Leal, e Ernesto Biester" (8), de que a seguir se falará ao iniciar a historiografia do séc. XIX.
Outro dos Arcades que contribuiu com um drama e quatro tragédias para o nosso teatro foi Domingos dos Reis Quita. A Castro terá sido aquela (que em moldes diferentes da primeira Castro, de Ferreira, "se inicia com um diálogo entre Pedro e Inês") que foi mais representada, tendo sido, inclusivé, traduzida para inglês por Benjamim Thompson, em 1800.
Manuel de Figueiredo terá sido o Arcade que mais se aplicou a escrever para o teatro: trinta e duas peças originais, entre tragédias e comédias. Como constante da sua obra, os temas nacionais recolhidos da História de Portugal, propondo-se "uma análise crítica, acerada e justa, da sociedade de Setecentos" e a quem Garrett se refere nas Viagens na Minha Terra, no capítulo IX, que, em grande parte, é dedicado à obra de Manuel de Figueiredo.
"Deixou uma colecção imensa de peças de teatro (...) que, passadas pelo crivo do melhor gosto, e animadas, sobretudo, no estilo, fariam um razoável reportório para acudir à míngua dos nossos teatros. (...) A que a mim mais me diverte (...) é a que tem por título Poeta em anos de prosa. (...) E foi por esta, foi por amor desta que me deixei descair na digressão dramática-literária do princípio deste capítulo; pegou-se-me à pena porque se me tinha pegado na cabeça; e ou o capítulo não saía, ou ela havia de sair primeiro." (9)
Esta citação é exemplo de como o teatro foi motivo de reflexão do narrador-autor desta obra, o que vem reforçar a ideia manifestada no início deste trabalho de que as Viagens na Minha Terra são uma obra singular no género, porque reflecte todo um conjunto de artes que fazem parte da cultura e que Garrett conciliou através da arte da palavra, apoiado pela sua faceta de dramaturgo, que "retrata o espírito do autor em movimento, em crise" (10), características próprias do teatro em si.
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Notas:
(8) - Rebelo, Luís Francisco, O Teatro Romântico, (1838-1869) Biblioteca Breve, Instituto de Cultura e Língua Portugesa, 1ª ed. 1980.
(9) - Garrett, Almeida, Viagens na Minha Terra, pp.62, obr. cit.
(10) - Prado Coelho, Jacinto, inserto em Teste de 1ª frequência de Literatura Portuguesa II.
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