domingo, 19 de fevereiro de 2012

De Garrett aos Nossos Dias (continuação)

Quase a terminar, vou falar sobre as personalidades que poderá dizer-se constituíram um renovar do Teatro em Portugal, dos quais o maior expoente, como escritor de teatro, foi José Régio.
João Gaspar Simões não terá sido um "inovador da temática e da estética, que se revela convencional". Porém, Branquinho da Fonseca  foi "um verdadeiro dramaturgo quando se sujeita à disciplina cénica". Um outro autor que deixou "uma copiosoa série de textos dramáticos", numa perspectiva estética marginal, foi Olavo d'Eça  Leal.
João Pedro de Andrade era reconhecido por José Régio, em 1940, quando alertava o público para esse dramaturgo "desconhecido". Efectivamente, a sua obra revelou-se vasta, com uma temática que denota "um conflito dialectal: verdade-erro, positivo-negativo, bem-mal, que lhe dá fogo e razão de ser". A sua obra tem um "carácter modernizante,"  surgindo "entre nós a influência de Pirandello, a qual destrói o sentido pessoal desta fábula de um autor à procura (e em conflito) com os seus personagens." Desdobramentos de planos, "que são permanentes na dialéctica  de valores, aglutinantes desta dramaturgia", onde, por vezes, "só o amor parece redimir". Sobre estes desdobramentos e esta influência de Pirandello na nossa dramaturgia, diz Luís Miguel Cintra: o novelista que Pirandello era viu os processos do teatro para com eles construir uma nova personagem de ficção; o autor-encenador, correspondência decadente e mais brilhante e ambígua do habitual narrador de novela.
Fascinante descoberta técnica, que, pelo seu lado espectacular, veio marcar toda uma época do teatro contemporâneo. A partir de Pirandello começamos a ver actores na plateia, cenas nos camarotes,  (...) os actores a serem apanhados de surpresa antes da representação, os actores a irromperem por detrás das suas máscaras, as histórias a estilhaçarem-se numa meditação sobre a ilusão.
Fascinados pelo brilho filosófico e espectacular de Pirandello em Portugal, João Pedro de Andrade, Pedro Bom, ou António Pedro instauraram uma moda que cedo se esgota, ao fechar-se, como se fechou, nos seus conflitos imaginários.
No teatro de Pirandello, estamos no limite da estética aristotélica. O seu teatro é a decadência (a crise da dúvida) dos pressupostos aristotélicos. A dúvida estética dos anos trinta para sempre se fixou, como num auto-retrato. (7)
Voltando a Duarte Ivo Cruz, e ao seu livro que serviu de guia, introduzo Miguel Torga, que, como autor diz: "consegue fazer-se iluminar por uma luz bem pessoal", e, das quatro peças que escreveu, Mar e Terra Firme são as que merecem referências como formando uma "interessante dramaturgia". Situadas ambas num dado ambiente sócio-geográfico conseguem trazer "para o palco" não só a "paisagem física e social", mas também a forma de agir, pensar e sentir, dessas comunidades que o meio ambiente condiciona, imprimindo-lhes, quer o mar, quer a montanha "causalidades psicológicas", que informam as condutas. "Outro factor comum" a ambas as peças é o tema da ausência, que se torna motivo de poetização e criação artística. A viagem é tão penosa e sofrida "na aldeia de pescadores" como na "pequena aldeia da montanha".
O universo cultural português sofre esta "ausência" desde o tempo das descobertas e será motivo de saudade e de esperança, de um regresso que se poderá concretizar ou não. Tema que se repercute no nosso teatro, na nossa lírica, desde as Cantigas de Amigo, de D. Diníz, ou da Menina e Moça, de Bernardim Ribeiro, a Gil Vicente, Camões, ou, mais perto de nós, na obra de Ferreira de Castro, com especial relevo para os Emigrantes; dor sentida e expressa dos que partem e dos que ficam.
Miguel Torga soube traduzir a experiência da ausência com autenticidade que em "Mar tem um dos seus mais altos momentos ... com uma das mais belas falas do teatro português de hoje, fala essa materializada pelo pescador Domingos, na descrição da sereia mítica". É a nossa cultura, a vida dos pescadores, que está expressa no poema dramático Mar, e que traduz Miguel Torga como um homem livre, aquele que, no seu poema Sísifo, nos revela: o logro da aventura/ És homem, não te esqueças!/ Só é tua a loucura/ Onde, com lucidez, te reconheças. (8)
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Notas:
(7) - Pirandello, Luigi, Esta Noite Improvisa-se, Ed. Estampa, Seara Nova, Col. Teatro, 1974, in Prefácio, pp.19.
(8) - Torga, Miguel, no poema Sísifo, inserto in Colóquio Letras, 1980.

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