quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

De Garrett aos Nossos Dias (continuação)

A tragédia Xerxes teria sido a sua primeira iniciativa teatral escrita em 1816. Porém, no seu prefácio de Mérope, de 1820, (peça que dedica com imensa ternura a sua mãe) Garrett diz que tinha 18 anos quando  a escreveu , mas que tinha doze quando começou a pensar nela. Daqui podemos verificar que, efectivamente, viveu toda uma vida, desde a mais tenra idade, 'sonhando' com o teatro, criando dentro da sua alma de adolescente as estruturas sólidas de uma  cultura clássica e humanística que lhe iriam permitir fazer "sobressair a posição ideológica, a procura de uma expressão de liberdade que anuncia  coordenadas pessoais e nacionais, e mostrar que qualquer coisa esteticamente de novo vai nascer."
Catão, escrito em 1821, tem já o fôlego da "consciência cívica da geração liberal" (Vitorino Nemésio) e foi representado pelo próprio autor, que por diversas vezes incarnou as suas personagens. A sua lista de obras é muito vasta, mas "a primeira peça romântica portuguesa é uma evocação de um Auto de Gil Vicente  (1838), em que o enredo é pretexto para um reaportuguesamento da literatura cénica nacional, finalmente livre de peias clássicas (...) o autor será responsável por um filão de dramaturgia historicista que durará décadas" e através do seu "agudíssimo senso irónico, crítico, acerado e fino, que apurou ao longo de quarenta anos de mundanismo, criará personagens igualmente  cómicas com maior modernidade."
Porém, a sua obra prima é, efectivamente, Frei Luís de Sousa, que, segundo Edgar Quinet, é "a mais perfeita tragédia do século XIX,"  assim como para Otto Antscherl é " a obra mais brilhante que o teatro romântico pruduziu". (3)
"A segurança da acção, a economia de meios, a austeridade da condução, o doseamento do presságio, fatalidade e suspense, o rigor de algumas psicologias - tudo isto leva alto Frei Luís de Sousa". Esta peça é aquela que "se aproxima mais do talento carismático e tão desaproveitado do autor!"  A vivência de dois exílios políticos, os cargos de responsabilidade que assumiu, tudo terá contribuído para que, como ele próprio dizia, só se desse "ao labor literário nas horas vagas". Foi, porém, um  "um semeador de ideias" (J. Prado Coelho), genial pelo que descobriu e indicou" (Afonso Lopes Vieira). (4)
Gera-se, então, a dificuldade de surgirem autores que sucedam em espírito e estética  a Garrett, e, assim, "tudo  o que se escreveu e representou a partir de 1839 já é considerado ultra-romântico e de qualidade inferior." Garrett foi efectivamente responsável pelo esforço frustado de reconstrução histórica que se prolongou até aos nossos dias.
O teatro pós-garrettiano assume duas perspectivas: uma histórica e outra da actualidade. O mais representativo desta corrente histórica foi Mendes Leal, autor de cerca de trinta e nove títulos, tendo sido teorizador do movimento e iniciador, quer da corrente histórica, quer do teatro social  neo-romântico.
Alexandre Herculano deixou uma única comédia, um texto musicado, e um drama histórico.
António Feliciano de Castilho legou-nos unicamente traduções.
A tradição ética e histórica vai esgotar-se e a partir do meio do século, com as mudanças político-sociais, o teatro vai seguir novos rumos: aqueles que  se viviam com a industrialização e a modernização do País. Seria o próprio Alexandre Herculano que incitaria os jovens dramaturgos a analisar a realidade, em 1842. Porém, só em 1849, Mendes Leal o faria - "ataca" em os Homens de Mármore  "a insensibilidade dos ricos, as maneiras frias e desapiedadas de enriquecer",  obra que foi um sucesso.
Ernesto Biester foi convicto teorizador desta corrente e defende em 1856, na sua peça Viagem, "um teatro que seja reprodução verdadeira dos costumes do nosso tempo, da sociedade actual". Um  teatro de cariz criticista, não só do social, mas também do próprio teatro.
Gomes de Amorim, no ano de 1857, em Fígados de Tigre, cria uma obra singular em todo o teatro português, que só surgirá "em certas experiências surrealistas em França, passados quarenta anos."
Camilo Castelo Branco escreveu o Morgado de Fafe em Lisboa, e,  Amoroso, que  atinge os costumes sociais da época (diferente do restante teatro que escreveu) e, nos seus Esboços de Apreciações Literárias, escrevia que  "o drama, chamado realista, deveria ser antes chamado o drama espiritual." (5)
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Notas:
(3) - Rebelo, Luís Francisco, O Teatro Romântico, pp.45, obr. cit.
(4) - Prado Coelho, Jacinto, Dicionário de Literatura, II Vol., pp.364/365, Edi. Figueirinhas, Porto, 1985.
(5) - Rebelo, L. F., O Teatro Naturalista e Neo-Romântico, (1870-1910), Biblioteca Breve, I.C.L.P., 1ª ed., 1978, Lx., pp.19.

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