O teatro português sofreu um impasse sob o domínio Filipino, manifestando-se desde 1580 uma "influência castelhana" que, de tão forte "secou quase por completo as vias originais" e só irá renascer após a independência de 1640. Porém, revelou-se o "gosto pelo teatro" neste período, criando raízes através de representações sistemáticas e populares, das companhias itenerantes e dos pátios que as alojavam.
Entretanto, este período viu-se confrontado com uma perseguição movida contra o teatro, pela a Inquisição, mas, se não prejudicou o "entusiasmo" pelas companhias espanholas, "em nada contribuiu" para que o teatro de expressão nacional se renovasse, levando a que os dramaturgos portugueses escrevessem em espanhol. Contudo, autores houve que continuaram a fazê-lo também em português, como, por exemplo, "Francisco Rodrigues Lobo, que faz uma certa troça, bem vicentina, revelando através da sua estética gongórica" uma reacção cultural ao domínio espanhol. Vários são os autos que se publicam, assim como os entremezes. Alguns são anónimos, mas que se ligam à linha popular de Gil Vicente, o que prova que, apesar de todos os obstáculos, esta tradição se manteve.
D. Francisco Manuel de Melo escreveu uma só peça em português - O Fidalgo Aprendiz - que, apesar disso, superou talvez, em qualidade, todas as suas criações em castelhano. Verifica-se um progresso em relação aos seus antecessores vicentinos: "o intricado desenvolvimento da intriga revela uma evolução histórico-social europeia", tornando-a actual e simbólica do teatro de Seiscentos.
No séc. XVIII (pelo menos até meados) verifica-se um acentuado reflexo da "dominação espanhola", e, como encontrassem na forma de reagir a essa dominação, uma aderência ao teatro francês e italiano, o que sucedeu foi que, em vez de se recriar um teatro genuinamente nacional, se misturaram os estilos vindos não só de Espanha, como da França e Itália. Fazem-se adaptações de peças - "a primeira adaptação de Molière surge em 1737, com O Marido Confundido (Jorge Dandin) de Alexandre Gusmão". Assim como de Goldoni e de outros autores italianos que "invadem a cena nacional". É neste período de "ocupação" que efectivamente "o teatro desceu definitivamente à rua" e a dramaturgia torna-se o mais variada possível. A ópera italiana surge em cena plena de sucesso, dando a este período um cariz dualista. Por um lado um espectáculo "sobretudo da corte", por outro, da burguesia e do povo, que irão aplaudí-la nas diversas salas existentes, porque se existia "um teatro- espectáculo, popularíssimo, mesmo quando aristrocatizante, o barroco na exuberância cénica, (...) existia também uma arte intelectual reformista, afastada do ruído quente dos pátios, refugiada nas concepções analíticas dos seus cultores. Esta dualidade era interpenetrada pela ópera que invadiu a dramaturgia e até a literatura." Vivia-se, então, o reinado de "D. João V, que sempre amou a ópera" e poderá dizer-se que a própria cultura teve um período áureo. "Ainda afluía o ouro do Brasil, que deu ao País certa opulência". Havia dinheiro, grandes fortunas. Viviam em Lisboa famílias abastadas. "O casamento de D. João V com D. Maria Ana da Áustria teria (...) introduzido na Corte lisboeta o gosto pelos espectáculos musicais de estilo italiano. (...) D. João V mandou vários compositores à Itália para ali completarem os seus estudos." Um dos bolseiros, Francisco de Almeida, estreia uma ópera sua "em Lisboa no ano de 1733. (...) El-rei, para poder rivalizar com as outras Cortes europeias, todas elas muito bem servidas por músicos italianos, convida (...) para vir estabelecer-se na Corte portuguesa, em qualidade de mestre da Infanta D. Maria Bárbara, e primeiro mestre da capela real, o compositor e cravista Domenico Scarlatti"(6). Vive-se, então, num ambiente de completa protecção às artes. Esse seu gosto tê-lo-á levado a oferecer "à Academia o idílico bosque Parrasio, junto ao Janículo", para aí se realizarem as reuniões da Arcádia italiana, que sucedia ao 'cenáculo intelectual' fundado pela 'ex-rainha Cristina da Suécia'. (...) Da Itália, o movimento arcádico passou a Portugal e ao Brasil"(7), dando origem à Arcádia Lusitana, fundada em 1756.
Estes "Arcades foram os primeiros doutrinadores portugueses a debruçarem-se, com interesse e coerência, sobre o teatro como fenómeno estéctico." Mais tarde, à Nova Arcádia pertenceu Manuel Maria Barbosa du Bocage, que, se "dedicou ao teatro uma atenção dispersa", prova que não podemos dissociar o teatro da vida dos nossos poetas e escritores, porque, de facto, praticamente todos os maiores literatos tentaram a arte dramática, dando o seu contributo ao teatro.
Por esta época ergueram-se palcos, em que se viveu todo o esplendor do espectáculo, e nesses teatros, que se construiram então, viveram-se longas e apreciáveis actividades de teatro lírico das quais se mantêm "notícias de espectáculos ainda cerca de 1868". O gosto pelo teatro estava finalmente bem marcado, e o hábito de ir aos espectáculos tornar-se-á, no decorrer do séc. XVIII, muito popular através do chamado "teatro de cordel". A expressão popular deste movimento teatral é praticamente iniciada por António José da Silva - O Judeu. Foram as suas experiências teatrais um sucesso popular e, apesar da sua curta vida, escreveu "nove comédias, ou óperas", ressaltando nelas uma crítica social, de humor subtil e irónico. Representadas por bonifrates, têm uma interpenetração de números cantados com cenas declamadas, musicadas pelo compositor António Teixeira. D. Quixote, e, Guerras de Alecrim e Mangerona, que foram representadas no Carnaval de 1737, dão-nos ainda hoje, uma imagem das aventuras vividas pelos homens e mulheres elegantes da sociedade lisboeta do séc. XVIII.
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Notas:
(6) - Kastner, Santiago, Carlos Seixas, Coimbra Editora, 1947, pp. 54.
(7) - Do Barroco ao Rocócó.
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