"Várias correntes coexistem e dominam" neste princípio do séc. XX, que terá que ser visto por uma perspectiva diferente, pois factos e textos são ainda tão recentes, que por vezes não foram suficientemente ensaiados, testados pelo tempo histórico, que melhor o julgará.
António Patrício, Almada Negreiros, Fernando Pessoa impõem praticamente o realismo naturalista. Júlio Dantas será o que, com o seu teatro de ambiente histórico percorrerá todas as "escalas e épocas". Peças como A Ceia dos Cardeais, e Severa, são ainda temas românticos, apesar de as suas obras mais válidas serem efectivamente de corrente naturalista.
Vários são os autores que caracterizam este período e fizeram sentir a sua voz no ambiente cultural português. Augusto de Castro opta por um realismo naturalista, numa obra coerente e homogénea e com um sentido irónico inconfundível.
Casos há, porém, na história da evolução do teatro que se revelam difíceis de encaixar em paradigmas, uma vez que são férteis em criatividades diversas. A obra de Raúl Brandão é, realmente, um caso típico e paradigmático, uma vez que percorre várias correntes e que se impõe, apontando caminhos novos, que levarão a um futuro longínquo do seu tempo. "Traços de simbolismo, de surrealismo e de existencialismo, que marcam forma e conteúdo." E, apesar de ser patente o aspecto naturalista, a obra de Raul Brandão é reveladora do talento criador que nos dá, sobretudo o homem que foi Raúl Brandão, " percursora e quase única no nosso teatro", a exigir uma vida arejada, esperançosa, confiante e consciente. Raul Brandão merece lugar de destaque "nas primeiras linhas do teatro português".
Dentro da corrente simbolista portuguesa, temos Eugénio de Castro, com uma "obra poética de difícil distinção entre textos dramáticos e não dramáticos" (L. S. Picchio).
Como paradigma simbolista, encontramos em António Patrício um dos melhores momentos, "e no campo teatral, a mais completa e característica expressão (...) sobretudo verbalmente espectacular, próprio da corrente simbolista que valorizava o verbo, a fala, a literatura teatral."
Na evolução dramatúrgica também se manifestou através de Teixeira de Pascoais o saudosismo, que é a síntese de "obra única oferecendo-nos um texto de alta qualidade literária", capaz de ser posto em cena. Afonso Lopes Vieira, que ao teatro deixou a sua Campanha Vicentina, assim como Jaime Cortesão, que igualmente pertenceu ao grupo de Pascoais, deixou-nos dois dramas: em verso, Infante de Sagres, de 1916, e Egas Moniz, de 1918, "uma peça realista em prosa", que já não se liga ao saudosismo, o que torna Teixeira de Pascoais, ele próprio, o expoente do movimento que em Jesus Cristo em Lisboa se aproxima da técnica de Raul Brandão. Na sua obra deixou-nos "o mistério, a profecia, o amor pantaísta da pátria, a ância e luta de redenção, enfim, o apelo às forças telúricas e espirituais do devir histórico português.
Muitos dos nossos poetas foram dos "nossos melhores dramaturgos"; porém, muitas das peças escritas em verso, quer realistas, quer sobre temas históricos, hoje são esquecidas, apesar de no seu tempo, principalmente o teatro histórico, ter sido bastante representado. E, como tal, os nomes dos poetas "passado o momento de fama (...) caíram, com as suas peças, no esquecimento. Rui Chianca, D. João de Castro, João de Castro Osório, Carlos Amaro, que escreveram teatro poético, são disso exemplo."
Da geração do Orfeu, Fernando Pessoa escreveu um poema dramático em 1913, O Marinheiro, que serve como único "suporte válido" na apreciação do talento teatral de Pessoa, para além de "episódicas notas por ele deixadas sobre a essência do drama - de que ele mesmo daria um significativo exemplo, ao criar os seus heterónimos, a que chamou algures, na sua inconfundível maneira de dizer, 'um drama em gente, em vez de em actos'". (6)
Quanto a Mário de Sá Carneiro, deixou-nos "uma série de títulos (...) com a marca do seu talento, (...) sendo porém a sua obra de uma técnica irregular". São ainda desta corrente Armando Cortes Rodrigues, Raúl Leal, e António Ferro. Porém, a figura que se tornou um grande dramaturgo foi Almada Negreiros. "Com ele se alcansa, na arte teatral, o mesmo valor objectivo, e excepcional, que a cultura portuguesa regista, com o pintor, o poeta, o escritor, o inventor artístico, (...) sendo a síntese dramatúrgica o corolário lógico dos esquemas da sua intuição e saber."
Alfredo Cortês foi aquilo que Duarte Ivo Cruz chama de "um autor universal", que se realizou "integralmente na arte teatral, o que é muito raro entre nós, (...) visando a sua obra o homem, a psicologia, a ética do ser consciente". Fazendo uso da sua "experiência regional", dá-nos cenas da "Comunidade mirandesa" na qual nos "encontramos frente" à heterogeneidade de uma sociedade com usos e costumes de características particulares.
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Nota:
(6) - Rebelo, Luís Francisco, Imagens do Teatro Contenporâneo, Editora Ática, 1960, Lx., pp.15.
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