sábado, 27 de abril de 2013

«O Tempo, protagonista da Poesia Barroca»

(Continuação)

                         32.

Que triunfos procuras, que vittorias,
Que não possa meu peyto assegurarte?
Na guerra vàs buscar estranhas glorias,
E as glorias deyxas, que eu pudera darte?
Solicitas no sangue altas memorias,
Deyxando a Vénus por seguir a Marte?
E a meu gosto teu risco sempre opposto,
Amas mais a teu risco, que a meu gosto?

                         44.

Se interesse te leva a estranhos climas;
E a caso por riquesas te aventuras,
Torna atrás, que no bem, que desestimas,
Mais riquesas terás, do que procuras;
Esta ambição dourada, donde animas
 Tanta luz de esperanças mal seguras,
Ay! Não te usurpe, não q he pouco experto
Numa incerta ventura hum prazer certo.

                         57.

Eu parto, mas se parto, he porque o brio
Do valor do meu sangue assim me ordena,
E porque com partir, Lydia, desvio
Hum descrédito a troco de huma pena:
Parto a fazer lisonja ao alvedio
No rigor, com que a ausencia me condena;
Para poder cuydar que te mereço,
Quando iguale o que te amo ao que padeço.

                         66.

Està sem vida Lydia, & està fermosa,
Inda mata sem vida, & sem sentido
Porque entre quantas vidas tira ayrosa,
Para poder viver, busca a de Armido:
Mas, como a naturesa cuydadosa
A Armido igual não deu, tendo-o perdido,
Em vaõ se cansa Lydia, em vaõ discorre,
Que em quantas vidas tira, em tantas morre.

                        67.

Como quando em hum prado arroyo breve
Derretidos crystaes disfarça em prata,
Porque o Dezembro os vestio de neve,
Elle com traição cândida os desata:
Ou como quando occulta em cinza leve
Dissimulada a chama se dillata,
Assim Lydia, encuberta a dor, & a màgoa,
Se prende em fogo, se desata em agoa.

                       113.

Mas quem poderá crer o desengano
De que fiquey sem ti, se estou comigo!
Não te partiste, não, que por teu dano
Era força partir também contigo:
Mas não, porque me basta o duro engano,
Com que em meu peyto estàs, doce inimigo,
Para que inda assistindo à menos parte,
Me não sayba deyxar, por não deyxarte!
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(continua) pp.29/30  

sábado, 20 de abril de 2013

«O Tempo, protagonista da Poesia Barroca»

2

A FENIS
RENASCIDA
OU
OBRAS POETICAS
Dos melhores Engenhos Portuguezes

I Tomo

SAUDADES DE LYDIA,
& Armido.

CANTO HEROYCO

POR HUM ANONYMO.

                      1.

Era o tempo, em que palido retrata
Seus ardores o Sol na Thetis fria,
E a noyte dentre sombras se desata,
Porque em berços de neve morre o dia:
Quando entre escuma de mentida prata
O vento com gentil descortesia,
Estampas profanando das estrelas,
Inchava as ondas, & batia as velas.

                       2.

Gemia a tuba, o bronze retumbava
Em os eccos do vento repetido,
E no tambor guerreyro se dobrava
O horrendo som da destra mão ferido.
O soldado animoso se embarcava;
Despedia-se o amante enternecido,
Formando jà nas liquidas espumas
Plantas de galas, & jardim de plumas.

                      3.

Sò Armido não ousava inda partirse,
Porque a partir de si não sabe parte,
Armido, em quem nascerão para unirse
Graças de natureza, alentos da arte;
Em quem juntou amor a competirse
Galhardias de Adónis, leys de Marte,
Valor,& discrição sem artificio,
Aceyo sem pesar, talhe sem vicio.

                      4.

Armido, aquelle Armido, a quem saudoso
Ao longe Marte com razão desterra,
E a ley violenta do valor brioso
Usurpa contra amor da pátria terra;
Que, como he guerra amor, braço imperioso;
Desde huma guerra aflita em outra guerra;
Onde sem partes a alma lhe reparte
Hûa assiste à que deyxa outra a que parte.

                        5.

Amava; mas só erão seus amores
Altas prendas de Lydia, que por bellas,
Nellas a ser estrelas, & a ser flores
Aprendião as flores, & as estrellas:
Andava tanto alem de seus ardores,
Que a pezar destas, & a pezar daquellas
Mais vezes, q em seus números, & acentos
Se trocavão as almas nos alentos.

                         6.

Despedirse de Lydia, a quem deyxava,
Era forçoso agora, pois partia;
Ausentarse sem vella não ousava,
Vella, & logo ausentarse não podia:
No valor huma morte presentia;
Mas amor, que lhe armava o peyto forte,
Uma morte vencia em outra morte.

                        11.

Que pouco dura hum bem, que mal segura
Huma esperança seu valor retira!
Ay caduco prazer, falsa ventura,
Sombra vã, leve flor, doce mentira!
Jasmim, que em quanto nasce apenas dura:
Rosa, que apenas abre, quando espira!
Pois com Sol madrugando, com Sol arde,
Mimo da Aurora, lastima da tarde.

                         15.

Naõ chores Lydia, não, do fado iníquo
As duras leys, que com dor relevo,
Porque, se porque ficas, cà me fico,
Também porque me levo, là te levo,
As tuas lagrymas hoje sacrifico,
Pois que partir sem ellas não me atrevo:
Mas não, que contra amor nisto discorro,
Mil almas levo, pois mil vezes morro.
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(continua) pp.27/28   



quinta-feira, 18 de abril de 2013

«O Tempo, protagonista da Poesia Barroca»

XXXIV - "Já vinha a bela Aurora destoucando/ A madeixa gentil de seus cabelos" - personificação adjectivada do nascer do dia, de Aurora, e dos seus cabelos. A utilização do gerúndio com o verbo vir, "vinha destoucando", dá-nos um tempo continuado, a acção da personagem tem expresso o movimento do dia a renascer, da Primavera.
Os cabelos de ouro e prata de Aurora desprezavam os raios de Sol, "Por menos elegantes, menos belos:/ E sobre os verdes campos orvalhando/ Começava de prata a guarnecê-los", personificação, adjectivação e metáfora, "campos de prata", que indica o Outono, ou o Inverno, a prata do orvalho, a prata do cabelo, o entardecer do dia e da vida. "Restituindo ao campo, às flores, e aves/ A graça, o cheiro, as músicas suaves"- personificação e adjectivação. Analogia da natureza com a vida humana.

LXXXI - "Que escaparam da foice cortadora" - metáfora da morte.(As três Parcas que presidem ao destino dos homens, sendo uma delas representada com uma foice que corta o fio da vida.) "Do tempo fero, da vorás idade" - metáfora e adjectivação, que representam a impiedade do tempo, da idade do ferro, das guerras homéricas.

LXXXVI - Apolo impõem-se a Momo, "Não já brando, mas forte, bravo, e duro" - adjectivação qualificativa de Apolo; e diz-lhe: "É possível ó Momo..." (vocativo), "Que sendo tu  escuro/ Parto da noite, ousado te atrevas" - adjectivação e personificação da Noite, de quem Momo era filho. "Opor à minha luz as tuas trevas?" - metáfora do dia, a luz de Apolo, e da noite, a escuridão de Momo.

LXXXIX - "O tempo gastador, e furibundo" - personificação e adjectivação caracterizadora do tempo.

XC - "Entre o esquecimento sepultadas" - personificação das obras para que o tempo e a memória não as esqueça.

XCI - "Depois de grão trabalho e diligência" - adjectivação qualificativa de trabalho grande e esforçado.
"E pelo mundo todo as divulgaram" - figura hiperbólica, porque as obras não terão sido conhecidas em todo o mundo.
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Notas:
(1) PIRES, Maria Lucília Gonçalves, Poetas do Período Barroco, Ob. Cit., pp.33.
(2) FERREIRA, António Gomes, Dicionário de Latim-Português, Porto Editora, 1983.
(2) MACHADO, José Pedro, Dicionário de língua Portuguesa, Sociedade da Língua Portuguesa, Lisboa, 1968, VI vol.
(2) GRIMAL, Pierre, Dicionário da Mitologia Grega e Romana, Difel, Lisboa, s/d.
(3) Idem. pp.129.
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(continua) pp.25/26

  

sábado, 13 de abril de 2013

«O Tempo, protagonista da Poesia Barroca»

XXIV - Referência à má língua d' "o vulgo ignorante" contra "a nobre Poesia (e os poetas), que levou Apolo a decidir consultar o Parnaso.

XXVI - Cilénio (em vez de Hermes, filho de Zeus e de Maia, irmão de Apolo, nascido no cimo do monte Cilene, que construiu a primeira lira com a cavidade de uma tartaruga e as tripas esticadas dos bois, fez as cordas. Apolo, encantado, trocou o seu rebanho pela lira. Hermes, enquanto guardava o rebanho inventou a flauta - a siringe, ou flauta de Pã - Apolo comprou-lha dando-lhe o cajado de ouro e aulas de adivinhação, através de pequenas pedras. Zeus , encantado, fez dele o seu mensageiro, de Hades e Perséfone. Protector de Dionísio; foi também encarregado de levar as deusas, Hera, Afrodite e Atena ao cimo de Ida, na Frígia para a disputa do prémio de beleza), é representado com sandálias aladas e um chapéu de abas largas (o pétaso) segurando o caduceu, símbolo das suas funções de arauto. (3)
"Por golfos de Cristal maré de rosas" - metáfora das águas transparentes, tranquilas e perfumadas que sobrevoava até ao monte Parnaso, na Grécia, morada das Musas.

XXX - "sendo os cristais undosos, que corriam" - metáfora da água transparente, ondulada, corrente, que servia de espelho onde as Musas viram Cilénio voando, vindo de longe para lhes trazer a mensagem de Apolo.

XXXI - As Musas determinaram o dia da abertura da Academia. Cilénio torna a partir. "E com as asas do vento as próprias mede" - metáfora hiperbólica que representa a velocidade a que o mensageiro voava à porfia com o vento.

XXXII - Personificação das Musas que apregoam a "fama" dos poetas e da Academia enquanto não chegava o "dia fixo" da sua primeira reunião. Os poetas preparavam-se. "esperando este dia alvoraçado" - adjectivação hiperbólica que mostra o entusiasmo esfusiante do poeta que espera o dia de ser publicado e reconhecido. "Só Momo" escarnecia "fazendo" zombaria. Utilização de verbos sinónimos para caracterizar a troça, o escárnio, e através da sinonímia conseguir a rima. O próprio Momo figura a crítica, a sátira, a zombaria. É a personificação do Sarcasmo filho da Noite e irmão de Hespérides.

XXXIII - "E vendo agora o tempo acomodado" - personificação e adjectivação do tempo.
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(continua)

sexta-feira, 12 de abril de 2013

«O Tempo, protagonista da Poesia Barroca»

XI - "Na terra a Deusa Flora debuxava" - personificação da deusa que esboçava, delineava, retratava e pintava a natureza, (similitude com o poeta e a poesia) "sentada em verde estrado, subtilmente" - metáfora da relva verde.
A Primavera, Deusa Flora, que igualava, senão vencia, o "Orbe transparente" - metáfora da terra coberta de neve pelo Inverno. "E nas flores da terra" imitava "as estrelas do Céu resplandecente" (adjectivação), "Com tal arte, e primor, tal galhardia/ que a terra novo Céu parecia."

XII - "Para o rico bordado se servia" - metáfora da terra a cobrir-se de flores e frutos ao desabrochar da Primavera. "da seda que lhe oferecem lindas flores"- metáfora adjectivada e personificada, da textura finíssima (da pele) das finas flores, filamento que sustenta as briófitas, e aparece no invólucro das gramínias, (botânica), e da comparação do Seu trabalho com o do bicho-da-seda que vive a metamorfose. Do Inverno faz nascer a Primavera. Com a mão direita engenhosa (por analogia: a mão do poeta que, escreve com engenho) vestia o campo "Cortando-lhe vestidos de mil cores" - hipérbole -, "Engastando por pedras preciosas" - metáfora adjectivada das "lágrimas lustrosas" da "Aurora" - personificação - (deusa cujos dedos róseos abrem as portas do céu ao carro do Sol), que ao fazer nascer o dia se separa dos braços de Morfeu.

XXIII - "Nesta, pois, Estação deliciosa" (...) "Quando a Estação do Inverno rigorosa/ Lhe roubou triste, lhe furtou severa :/ Neste tempo, em que a terra mais formosa" - personificações adjectivadas; "Traja galas de linda Primavera" - metáfora, traja vestidos ricos e belos, seguida da personificação adjectivada da Primavera. "Quis Apolo se abrisse a Academia". Num tempo, a primavera, em que tudo resplandece, quando o Sol se aproxima do zénite, Apolo, Deus da música e da poesia, da adivinhação, quis que se desse oportunidade aos poetas de expressar o seu sentir e mestria, ao abrir a Academia.
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(continua) pp. 24/25  

terça-feira, 9 de abril de 2013

O Tempo, protagonista da Poesia Barroca»

Nesta Introdução poética que se insere quer n'A Fenis Renascida, quer no Postilhão de Apollo, temos uma poesia que recorre ao mito e à astrologia para, de uma forma hiperbólica, metafórica, com personificações do tempo, e muitas adjectivações, por em realce o apoio de Apolo e a derrota de Momo, à publicação d'«as obras dos famosos Lusitanos,» e à abertura da Academia «para reformar de novo a Poesia.»

I - Personificação da Primavera "fugindo dos peixes" (signo que antecede Carneiro e inicia a Primavera) e "do Inverno desabrido" (personificação adjectivada). "Luzes promete ao céu, flores à terra".
"Em que Colchos animal luzido" - metáfora personificada do Sol, referente ao Carneiro, de velo de ouro que Jasão e os Argonautas conquistaram com a ajuda de Medeia. De "Colchos" (do latim: Colchis, idis ou idos, Cólquida, região da Ásia Menor, de onde, Eetes, filho do Sol e da Oceânide Perseide, era Rei, pai de Medeia e irmão de Circe), da Cólquida, de onde vem o Sol, "astro central e luminoso do nosso sistema planetário, em volta do qual gravitam a Terra, os planetas e os cometas, e do qual nos vem a luz e o calor;//Estrela; astro considerado como o centro de um sistema planetário." (2)

II - "E o dourado velo sacudindo" - metáfora da lã de ouro do carneiro. "Está sobre campo de ouro descobrindo" - metáfora do campo florido da Primavera, que com a ajuda do Sol sacode o Inverno. "Um bordado de prata muito vistoso" - metáfora dos cristais de orvalho ou de neve que, como bordados, ainda permaneciam nos campos e são derretidos pelo Sol. "Indo com a dourada ponta abrindo" - metáfora, ponta da roda do Sol (em heráldica, círculo com dezasseis pontas), que emite luz zodiacal. "Pisando airoso lúcidas estrelas," - metáfora e personificação do Sol "pisando", a noite, as neves do Inverno personificadas, "lúcidas." O Sol é "Mais rico de esplendor que todas elas". Porque o Sol representa o dia// "resplendor, luz, princípio ou ideia que exerce grande influência// génio, grande talento."
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(continua) pp.23/24 

segunda-feira, 8 de abril de 2013

«O Tempo, protagonista da Poesia Barroca»

INTRODUCÇAÕ
POETICA
(Continuação)

                      XXXII

Em quanto o dia fixo não chegava,
E as Musas se preparão com cuidado,
De apregoar a fama não cessava
O congresso, que está determinado:
Todo o Poeta já se apparelhava,
Esperando este dia alvoraçado;
Só Momo, que isto soube, escarnecia;
Fazendo do tal caso Zombaria.

                   XXXIII

Era Momo inimigo declarado
De Apollo, cujas obras não gostava,
E por ver que he de todos celebrado
Publicamente delle murmurava:
E vendo agora o tempo accomodado,
Ter com elle razões determinava,
Apparelhando já para a peleja
As armas, que lhe dava a torpe inveja.

                  XXXIV

Já vinha a bella Aurora destoucando
A madeixa gentil de seus cabellos,
Do mesmo sol os rayos desprezando
Por menos elegantes, menos bellos:
E sobre os verdes campos orvalhando,
Começava de prata a guarnecê-los,
Restituindo ao campo, ás flores, e aves
A graça, o cheiro, as musicas suaves.

                 LXXXI

Já começava a bella contendora
A resolver annaes da antiguidade,
Que escaparão da fouce cortadora
Do tempo fero, da vorás idade:
Mas Momo, que a verdade não ignora,
A que deixe este intento a persuade,
Por suspeitar que ficará corrido
De que vindo a vencer, torne vencido.

                 LXXXVI

Em fim, a responder se apparelhava;
Quando batendo irado o solio puro
Apollo contra elle fulminava,
Não já brando, mas forte, bravo, e duro:
He possível, ó Momo, lhe gritava,
Que sendo tu por nascimento escuro
Parto da noite, ouzado te attrevas
Oppor á minha luz as tuas trevas?

                 LXXXIX

Mandando publicar por todo o mundo
As obras dos famosos Lusitanos,
De engenho grande, de saber profundo,
Cujos doutos escritos soberanos
O tempo gastador, e furibundo
Pertendera acabar entre os humanos,
E a não tê-lo atégora reprimido,
Os tivera de todo consumido.

                 XC

Por tanto lhes mandava que juntassem
Estas obras, que andavão espalhadas,
E juntas brevemente as publicassem
Para serem de todo celebradas
Porque não era justo que ficassem
Entre o esquecimento sepultadas,
Podendo-lhes servir de defensivo
Contra Momo invejoso, e vingativo.

                XCI

Acabou. Logo todos se ausentarão,
Applaudindo de Apollo a providencia:
As obras espalhadas ajuntarão
Depois de grão trabalho, e diligência,
E pelo mundo todo as divulgarão,
Não obstante de Momo a resistência
Que raivoso de inveja pertendia
Esta gloria tirar á Poesia.
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(continua) pp.22/23   

             
          


domingo, 7 de abril de 2013

«O Tempo, protagonista da Poesia Barroca»

INTRODUCÇAÕ
POETICA
(Continuação)

                    XXIII

Nesta, pois, Estação deliciosa,
Em que o mundo de novo recupera
Quando a Estação do Inverno rigorosa
Lhe roubou triste, lhe furtou severa:
Neste tempo, em que a terra mais formosa
Traja gallas de linda Primavera,
Quis Apollo se abrisse a Academia,
Para reformar de novo a Poesia. 

                   XXIV

Como ouvia dizer se murmurava
Sem respeito nenhum, ou cortezia,
E que o vulgo ignorante motejava
Com solta língua a nobre Poesia:
Sendo o que nisto mais se adiantava
O que della talvez nada entendia;
Quis que se consultasse no Parnaso
O que era bom fazer-se neste caso.

                  XXVI

Põm-se gentil Cyllenio accelerado
As azas tão ligeiras, como ayrosas,
E navega sobre ellas estribado
Por golfos de Crystal maré de rosas:
Os ventos, quando o vêm tão apressado,
As próprias azas tem por vagarosas,
Dando ao filho de Maya a primazia,
Assim nos voos, como em bizarria.

                 XXX

Assim todas as Musas, que assistião
Na floresta cheirosa entre as boninas,
E com Flora gentil se divertião
Junto ás agoas da fonte crystalinas,
Sendo os crystaes undosos, que corrião,
Espelho as suas faces peregrinas,
Attrahidas da musica, que ouvirão,
Ao cume do Parnaso se subirão.

                XXXI

Intimou-lhes Cyllenio o seu mandado,
Que da parte de Apollo lhes trazia,
E logo alli ficou determinado o dia,
Como lhes pareceo mais acertado,
Para poder abrir-se a Academia:
E com isto Cyllenio se despede,
E co' as azas do vento as próprias mede.

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(continua) pp.21


      


sábado, 6 de abril de 2013

«O Tempo, protagonista da Poesia Barroca»

INTRODUCÇAÕ
POETICA

                     I

Era do anno a estação primeira,
Em que de Colchos o animal luzido
Acaba no Zodíaco a carreira
Depois da porta ao anno ter abrido:
E fugindo dos peixes, derradeira
Estação do Inverno desabrido,
Luzes promette ao ceo, flores á terra
Nas ausências do frio, que desterra.

                     II

E o dourado véllo sacudindo
Das geadas do Inverno rigoroso,
Está sobre campo de ouro descobrindo
Hum bordado de prata muy vistoso:
Indo com a dourada ponta abrindo
Caminho neste campo luminoso,
Pizando ayroso lúcidas estrellas,
Mais rico de esplendor que todas ellas.

                    XI

Na terra a Deosa Flora debuxava,
Sentada em verde estrado, subtilmente
Formosa Primavera, que igualava,
Se não vencia, este Orbe transparente:
E nas flores da terra arremedava
As estrellas do Ceo resplandecente
Com tal arte, e primor, tal galhardia,
Que a terra novo Ceo se parecia.

                  XII

Para o rico bordado se servia
Da seda, que lhe offrecem lindas flores,
Das quaes com destra mão subtil fazia
De cores mil finíssimos lavores:
E com ellas ao campo revestia,
Cortando-lhe vestidos de mil cores,
Engastando por pedras preciosas
As lágrimas da Aurora mais lustrosas.
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(continua) pp.20

terça-feira, 2 de abril de 2013

«O Tempo, protagonista da Poesia Barroca»

1

Num dos poemas de Petrarca, o tempo aparece como uma categoria que, quase se iguala ao espaço, sem fronteiras nítidas, marca de forma estática o momento em que conheceu a sua amada: «Benedetto sia' l giorno, e' l mese, e' l anno,/ E la stagione, e' l tempo, e'  l punto,/ E' l bel paese, e' l loco ov'io fui giunto/ da duo begli occhhi, che legato m'hanno.» Digamos que só o verbo nos dá esse movimento espácio-temporal.
Se bem que a consciência do fluir do tempo esteja presente na literatura de todas as épocas, é no período barroco que ela adquire a noção de angustia perante a morte e a brevidade da vida. Tudo é fugidio, mesmo que de uma forma lenta, o tempo é inflexível.
Em Gongora, mestre dos poetas barrocos peninsulares, encontramos um soneto que nos diz: «Mal te perdonarán a ti las horas;/ Las horas que limando están los dîas,/ Los dias que royendo están los años» (1). Vê-se perfeitamente o correr do tempo inexorável e angustiante. As horas não perdoam, "limando" estão os dias, que roem os anos. O uso do gerúndio, dá-nos a ideia duma progressão contínua.
Alguns dos poemas colocam no tempo, segundo uma certa ordem, acontecimentos que constituem uma acção. Há um discurso referencial em que as peripécias de "fábula", do mito, se inscrevem no tempo em sequências organizadas que se articulam entre si, num estilo que, excêntrico e vulgar, narra uma época em que o homem, ainda longe das certezas do "eu" cartesiano, se afirma na sua dualidade, mesmo que alheado, por vezes, daquilo que o rodeava numa escrita de puro jogo e distracção.
Para além das figuras de estilo que metaforizam, ou hiperbolizam o tempo, também o encontramos no discurso através dos verbos, dos advérbios dos complementos circunstanciais de tempo, das datas.
Todorov observa, (in: Poética, da pág. 43 à 48), que "a categoria do tempo diz respeito à relação entre as duas linhas temporais: a do discurso ficcional (representada para nós pelo encadeamento linear das letras na página e das páginas no volume) e a do universo fictício, muito mais complexa. (...) Existe um problema do tempo porque se encontram em relação duas temporalidades: a do universo representado e a do discurso que a representa. Esta diferença entre a ordem dos acontecimentos e a das falas é evidente.(...)
Na poética clássica (em Platão, para começar), esta distinção era designada pelos termos mimesis (narrativas de falas) e diegesis (de "não falas"). Há necessariamente inversões no «antes» e no «depois». Estas inversões são devidas à diferença de natureza entre as suas temporalidades: a do discurso é unidimencional, e o da ficção, plural: A impossibilidade de paralelismo leva, pois, a anacronias, de que se distinguem duas espécies principais: as retrospecções, ou retrocesso, e as prospecções, ou antecipações. Há prospecção quando se anuncia antecipadamente o que irá acontecer depois. (...) As retrospecções, mais frequentes, relatam-nos depois o que aconteceu antes."
No caso da poesia barroca, poderá dizer-se, que se anuncia antecipadamente o que irá acontecer depois, por isso há prospecção. O tempo mostra à exaustão o que acontece amanhã. Da beleza restará "cinza, pó, nada".
Alguns poemas escolhidos para ilustrar o tempo, não estão transcritos na integra por serem muito longos e as estrofes retiradas nem sempre constituírem motivo deste estudo. No entanto, procurei dar-lhes o remate para não ficarem em suspenso. Analisaremos o que acharmos mais pertinente sem ser de forma sistemática. A selecção dos poemas obedeceu a um critério de gosto pessoal, mas não de forma aleatória. Procuramos aqueles que melhor protagonizavam o tema e as figuras mais características da linguagem da poesia barroca. Apresentaremos primeiro o poema e depois os comentários com a ortografia actualizada.
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(continua) pp.19