terça-feira, 2 de abril de 2013

«O Tempo, protagonista da Poesia Barroca»

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Num dos poemas de Petrarca, o tempo aparece como uma categoria que, quase se iguala ao espaço, sem fronteiras nítidas, marca de forma estática o momento em que conheceu a sua amada: «Benedetto sia' l giorno, e' l mese, e' l anno,/ E la stagione, e' l tempo, e'  l punto,/ E' l bel paese, e' l loco ov'io fui giunto/ da duo begli occhhi, che legato m'hanno.» Digamos que só o verbo nos dá esse movimento espácio-temporal.
Se bem que a consciência do fluir do tempo esteja presente na literatura de todas as épocas, é no período barroco que ela adquire a noção de angustia perante a morte e a brevidade da vida. Tudo é fugidio, mesmo que de uma forma lenta, o tempo é inflexível.
Em Gongora, mestre dos poetas barrocos peninsulares, encontramos um soneto que nos diz: «Mal te perdonarán a ti las horas;/ Las horas que limando están los dîas,/ Los dias que royendo están los años» (1). Vê-se perfeitamente o correr do tempo inexorável e angustiante. As horas não perdoam, "limando" estão os dias, que roem os anos. O uso do gerúndio, dá-nos a ideia duma progressão contínua.
Alguns dos poemas colocam no tempo, segundo uma certa ordem, acontecimentos que constituem uma acção. Há um discurso referencial em que as peripécias de "fábula", do mito, se inscrevem no tempo em sequências organizadas que se articulam entre si, num estilo que, excêntrico e vulgar, narra uma época em que o homem, ainda longe das certezas do "eu" cartesiano, se afirma na sua dualidade, mesmo que alheado, por vezes, daquilo que o rodeava numa escrita de puro jogo e distracção.
Para além das figuras de estilo que metaforizam, ou hiperbolizam o tempo, também o encontramos no discurso através dos verbos, dos advérbios dos complementos circunstanciais de tempo, das datas.
Todorov observa, (in: Poética, da pág. 43 à 48), que "a categoria do tempo diz respeito à relação entre as duas linhas temporais: a do discurso ficcional (representada para nós pelo encadeamento linear das letras na página e das páginas no volume) e a do universo fictício, muito mais complexa. (...) Existe um problema do tempo porque se encontram em relação duas temporalidades: a do universo representado e a do discurso que a representa. Esta diferença entre a ordem dos acontecimentos e a das falas é evidente.(...)
Na poética clássica (em Platão, para começar), esta distinção era designada pelos termos mimesis (narrativas de falas) e diegesis (de "não falas"). Há necessariamente inversões no «antes» e no «depois». Estas inversões são devidas à diferença de natureza entre as suas temporalidades: a do discurso é unidimencional, e o da ficção, plural: A impossibilidade de paralelismo leva, pois, a anacronias, de que se distinguem duas espécies principais: as retrospecções, ou retrocesso, e as prospecções, ou antecipações. Há prospecção quando se anuncia antecipadamente o que irá acontecer depois. (...) As retrospecções, mais frequentes, relatam-nos depois o que aconteceu antes."
No caso da poesia barroca, poderá dizer-se, que se anuncia antecipadamente o que irá acontecer depois, por isso há prospecção. O tempo mostra à exaustão o que acontece amanhã. Da beleza restará "cinza, pó, nada".
Alguns poemas escolhidos para ilustrar o tempo, não estão transcritos na integra por serem muito longos e as estrofes retiradas nem sempre constituírem motivo deste estudo. No entanto, procurei dar-lhes o remate para não ficarem em suspenso. Analisaremos o que acharmos mais pertinente sem ser de forma sistemática. A selecção dos poemas obedeceu a um critério de gosto pessoal, mas não de forma aleatória. Procuramos aqueles que melhor protagonizavam o tema e as figuras mais características da linguagem da poesia barroca. Apresentaremos primeiro o poema e depois os comentários com a ortografia actualizada.
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(continua) pp.19

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