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A FENIS
RENASCIDA
OU
OBRAS POETICAS
Dos melhores Engenhos Portuguezes
I Tomo
SAUDADES DE LYDIA,
& Armido.
CANTO HEROYCO
POR HUM ANONYMO.
1.
Era o tempo, em que palido retrata
Seus ardores o Sol na Thetis fria,
E a noyte dentre sombras se desata,
Porque em berços de neve morre o dia:
Quando entre escuma de mentida prata
O vento com gentil descortesia,
Estampas profanando das estrelas,
Inchava as ondas, & batia as velas.
2.
Gemia a tuba, o bronze retumbava
Em os eccos do vento repetido,
E no tambor guerreyro se dobrava
O horrendo som da destra mão ferido.
O soldado animoso se embarcava;
Despedia-se o amante enternecido,
Formando jà nas liquidas espumas
Plantas de galas, & jardim de plumas.
3.
Sò Armido não ousava inda partirse,
Porque a partir de si não sabe parte,
Armido, em quem nascerão para unirse
Graças de natureza, alentos da arte;
Em quem juntou amor a competirse
Galhardias de Adónis, leys de Marte,
Valor,& discrição sem artificio,
Aceyo sem pesar, talhe sem vicio.
4.
Armido, aquelle Armido, a quem saudoso
Ao longe Marte com razão desterra,
E a ley violenta do valor brioso
Usurpa contra amor da pátria terra;
Que, como he guerra amor, braço imperioso;
Desde huma guerra aflita em outra guerra;
Onde sem partes a alma lhe reparte
Hûa assiste à que deyxa outra a que parte.
5.
Amava; mas só erão seus amores
Altas prendas de Lydia, que por bellas,
Nellas a ser estrelas, & a ser flores
Aprendião as flores, & as estrellas:
Andava tanto alem de seus ardores,
Que a pezar destas, & a pezar daquellas
Mais vezes, q em seus números, & acentos
Se trocavão as almas nos alentos.
6.
Despedirse de Lydia, a quem deyxava,
Era forçoso agora, pois partia;
Ausentarse sem vella não ousava,
Vella, & logo ausentarse não podia:
No valor huma morte presentia;
Mas amor, que lhe armava o peyto forte,
Uma morte vencia em outra morte.
11.
Que pouco dura hum bem, que mal segura
Huma esperança seu valor retira!
Ay caduco prazer, falsa ventura,
Sombra vã, leve flor, doce mentira!
Jasmim, que em quanto nasce apenas dura:
Rosa, que apenas abre, quando espira!
Pois com Sol madrugando, com Sol arde,
Mimo da Aurora, lastima da tarde.
15.
Naõ chores Lydia, não, do fado iníquo
As duras leys, que com dor relevo,
Porque, se porque ficas, cà me fico,
Também porque me levo, là te levo,
As tuas lagrymas hoje sacrifico,
Pois que partir sem ellas não me atrevo:
Mas não, que contra amor nisto discorro,
Mil almas levo, pois mil vezes morro.
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(continua) pp.27/28
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