sábado, 29 de setembro de 2012

...Cartas Familiares de Cavaleiro de Oliveira

Bibliografia

ABBAGNANO, Nicola, História da Filosofia, VI, VII, VIII, Volume, Tradução de António Ramos Rosa e António Borges Coelho, 3ª edição, Editorial Presença, Lisboa, 1984.

BAUMER, L. Franklin, O Pensamento Europeu Moderno, Volume I, Séculos XVII eXVIII, Colecção Perfil, História das Ideias e do Pensamento, edições 70, Lisboa, 1990.

BEBIANO, Rui, D.João V, poder e espectáculo, Apresentação de Luís Reis Torgal, Colecção Diálogos com a História 3, Livraria Estante Editora, Aveiro, 1987.

CAVALEIRO, de Oliveira, Cartas Familiares, I, II, III, Tomos, Reimpressão da Edição de Amesterdam de 1741, Editadas em Lisboa, Typografia Silva, 1855.

CAVALEIRO, de Oliveira, Francisco Xavier, Cartas Familiares, Históricas, Políticas e Críticas (1738), Fim do 3º volume eliminado pelo Santo Ofício, Publicado com prefácio de António Gonçalves Rodrigues, Coimbra, 1963, (Separata de Biblos, revista da F.L.U.C., 1935, 1937)

CAVALEIRO de Oliveira, Memórias das suas viagens, Amesterdam, I Tomo, 1741.

CAVALEIRO de Oliveira, Cartas, Selecção, prefácio e notas de Aquilino Ribeiro, Livraria Sá da Costa, Editora, Lisboa, 3ª edição, 1982.

COELHO, Jacinto Prado, Dicionário de Literatura, 3ª ed. 3º Vol., Figueirinhas Porto, 1985.

CONGRESSO Luso-Brasileiro, 1º,  Sobre A INQUISIÇÃO, Comunicações apresentadas em Lisboa, 1987, Coordenação de Maria Helena Carvalho dos Santos, III Volume.

CORDON, Juan Manuel Navarro & Martinez, Tomas Calvo, História da filosofia, os filósofos e os textos, 2º Volume, Do Renascimento à Idade Moderna, edições 70, Lisboa, 1984.

DANTAS, Júlio, O Amor em Portugal no Século XVIII, Porto 1917, (Chardron)

HAMPSON, Norman, Histoire de la Pensée Européeme, le Siécle des Lumières, 4., Éditions du Seuil, traduit de L'anglais par Francoise Werner e Michel Janin, Paris, 1972.

PIERRE, Ducassé, As Grandes Correntes da Filosofia, Tradução de Álvaro Salema, 5ª ed. Cap.4º, Europa-América, s.d.

RIBEIRO, Aquilino, O Cavaleiro de Oliveira, Col. "Ontem e Hoje", nº 9, Liv. Lelo, Ld., Ed., s.d.

RIBEIRO, Aquilino, Abóboras no Telhado (Capítulos V e VI), Livraria Bertrand, Lisboa, s.d.

RIBEIRO, Aquilino, O Galante Século XVIII, Textos do Cavaleiro de Oliveira, 3ª ed., Livraria Bertrand, Lisboa, s.d.

SARAIVA, António José, e Óscar Lopes, História da Literatura Portuguesa, 14ª ed., Porto Ed., 1987.

SERRÃO, Joel, Cronologia Geral da História de Portugal, Colecção Horizonte, 5ª edição, Livros Horizonte, Lisboa, 1986.

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Do carácter histórico, moral e filosófico das Cartas Familiares de Cavaleiro de Oliveira

Conclusão
(Continuação)

"As fontes da sua erudição foram continentais e inglesas, católicas e protestantes. (...) Oliveira apresentou-se como um moderno, inimigo jurado da tradição escolástica peninsular... (...) O alheamento em que Portugal se mantinha do cartesianismo e do experimentalismo científico nascente (...) significava uma voluntária preferência pela especulação de base aristotélica e tomista à qual os Conimbricenses deram renovado brilho (...) Embora conheça Spinosa, Descartes e Malebranche, o interesse filosófico nunca chegou verdadeiramente a prendê-lo. Orientado para os estudos eruditos desde os primeiros anos, o pendor historicista acentuou-se ... (...) e enuncia o desejo de ver introduzidas em Portugal as «luzes» modernas, (...) desacredita os tradicionalistas que continuavam teimosamente aferrados a Aristóteles. (...) Para Oliveira, o nosso isolamento intelectual devia atribuir-se, não a uma política nacional sancionada pelos monarcas, mas única e simplesmente à omnipotência do Santo-Ofício". (Idem, pp.186,193,196)
Dirigindo-se no Discours Páthétique a D. José I, recomenda-lhe a leitura dos Manuscritos do Padre António Vieira e "indica-lhe a sua existência na própria Biblioteca Real, copiados por ele mesmo e por seu pai. (...) Padre António Vieira que no século XVII, D. Luís da Cunha, Verney e outros no século XVIII, propunham a reforma da inquisição como medida essencial para o saneamento da sociedade portuguesa." (Idem, pp.202, 204)
Não só nas Cartas Familiares mas também n'O Amusement Periodique, o escritor utilizou "a mais fina ironia que alterna com a mais compacta erudição, o comentário histórico e a doutrinação reformista, as memórias do passado com as ansiedades e aspirações do presente. (...)
No seu exílio londrino a personalidade altera-se-lhe profundamente (...) a surdez que havia anos o afligia tornava maior a sua reclusão  (...) estavam-lhe vedadas, as diversões antigas, a música o teatro, a ópera...(...) Apreciador da feminilidade discreta e natural, o filósofo austero vinga-se sentenciando em prosa e verso sobre o orgulho das beldades". (Idem,pp.224/5/6/7)
Acaba por se tornar quase vegetariano e, virtuoso, protegeu, inclusive, os animais domésticos. Longe estava o homem que experimentava as suas espadas nos gatos ou cães das redondezas. Era "amigo do género humano, cidadão do mundo, e da sua humanidade... (...) A ideia da pobreza persegue-o sem cessar. (...) Que resta ao filósofo pobre senão fazer da pobreza filosofia? Sob a invocação de Séneca, disserta acerca da instabilidade da fortuna, passa em revista o cortejo de homens ilustres que morreram na miséria, sublima a desilusão em cântico à aurea mediocritas horaciana." (Idem, pp.228/9)
Para terminar, não podia deixar de falar nos seus escritos sobre o terramoto de 1755. Foram, segundo António G. Rodrigues, os que mais vezes se reimprimiram, "da enxurrada de publicações efémeras que a catástrofe desencadeou. (...) Os «filósofos» - nome que então se dava aos cultores das ciências naturais - não deixaram de vir a lume com explicações (...) que constituem um esforço fantástico de compreensão. (...) Oliveira, lançou-se a escrever  febrilmente." Ele "era dos raros em Londres que poderiam falar com conhecimento de causa e em simpatia espiritual com as relações do público britânico." (Idem, pp.250)
O mesmo autor diz-nos ainda que "nada melhor que as conhecidas páginas de Goethe para nos transmitir uma ideia da impressão que o terramoto causou em toda a Europa. (...) Voltaire, Rosseau, Wesley, Feijóo, Diderot, Johnson, Kant, todos (...) nos legaram testemunho." (Idem, pp.230) Oliveira também se pronunciou.
Recordo por fim, os que se fizeram o obséquio de ser seus amigos. Hohn James Majendie, cónego anglicano, em Windsor, professor da Rainha Carlota e tutor dos seus filhos, tinha lugar especial nas suas memórias dos tempos londrinos. Ambos tinham laços familiares em Portugal e viria a tornar-se seu amigo na desdita. Merece referência o Dr. Mathieu Maty, médico que se correspondia "com a maior parte dos sábios da Europa," (Idem, pp.290) e o Dr. Jacob de Castro Sarmento que assinava o seu periódico, e era também um emigrado, que veio a ter papel primordial na nossa "história da medicina, na reforma da educação, e na introdução da filosofia moderna em Portugal," assim como, provavelmente, João Jacinto de Magalhães" (Idem, pp.292/3), e Ribeiro Sanches. Aqui fica um especial destaque para o seu amigo, David Alves Rebelo, que lhe terá feito o elogio fúnebre, a 18 de Outubro de 1783. Assinava-se o Tratado de Versalhes. Seis anos depois iria vigorar a Declaração dos Direitos dos Homens. As suas Cartas Familiares, as suas obras, pugnaram por isso.
Na companhia da sua "carinhosa esposa" Francoise, resistiu, Cavaleiro de Oliveira, até aos oitenta e um anos. Ele "conservou sempre a alma latina e a sua larga vida (...) foi sempre," escreverá: «acompanhada do desgosto de ser obrigado a sacrificar à minha consciência, e aos meios da minha salvação, as delícias, as doçuras, as conveniências e as rigorosas saudades da sempre querida Pátria.» (in: Tratado - Anti-Cristo, pp. 20) (Idem, pp. 289, 295)
A todos os que o protegeram e desampararam se aplica a sua Carta LXXV, Tomo II, com a história moral de Nathan e Mitridates, dedicada à Condessa de Roecaberti, onde escreve:
(...)
"Me serve de muita vaidade dar-me V. E. o emprego de Contador de Histórias, que sendo exercício que deyxey na idade de dez annos pouco mais ou menos, despresando-o como officio de criança, me enobrece agora com o título de grande homem que V. E. he servida conferir-me nesta materia. A Historia de Nathan e Mitridates tambem he grande e he a seguinte:" (pp432/3)

(Nathan de "ilustre nascimento" era rico e benfeitor, e ajudava prodigamente. Mitridates era igualmente rico e resolveu imitar Nathan, mas não era tão generoso nem se livrava de ser invejoso. Nathan dava sem contar as vezes que dava, e Mitridates contava as vezes que ofertava. Depois de tentar destruir Nathan, e este o ter deixado tudo fazer para o conseguir, Mitridates vê que era impossível igualar as boas acções de Nathan e arrependido regressa ao seu palácio.)

Eis o título que assenta a Cavaleiro de Oliveira e o "enobrece" como um "grande homem": "Contador de Histórias". Deixar aqui a sua voz foi o objectivo.
Ele vive, apesar de tudo, porque o seu espírito, não se consumiu no fogo dos que o desampararam, encontramo-lo no Carácter histórico, moral e filosófico das suas Cartas Familiares, na sua erudição.

sábado, 22 de setembro de 2012

Do carácter histórico, moral e filosófico das Cartas Familiares de Cavaleiro de Oliveira

Conclusão

A Virtude he muitas veses desgraçada
C. de Oliveira

Fazer com que todas as Cartas fossem "uns brincos," uma vez que já tinha reputação de as escrever com "alguma graça", era o objectivo de Cavaleiro de Oliveira.
Em muitas mais Cartas gostaria de mostrar esses belos "brincos". Nelas encontrei um homem educado, culto, com moral Cristã e com necessidade de se dar aos outros.
"A sua cultura era indiscutivelmente ampla, em relação ao tempo e à sociedade portuguesa em que se educara. Pode dizer-se que nasceu, viveu e morreu rodeado de livros. (...) Sobre esta base humanística assentou a sua formação literária que sempre se conservou dentro do mais rigoroso gosto clássico. (...) As suas relações abriam-lhe os tesouros das bibliotecas de muitas casas nobres. Tanto quanto é possível apreciar-lhe a extensão pelos autores citados nas Cartas, as suas leituras abrangiam não só o vasto campo das humanidades antigas e modernas como extravasavam para as ciências naturais, a linguística, a medicina, a geografia, a literatura de viagens. Mais de vinte autores latinos, dois ou três gregos formam o cerne desta cultura. As suas leituras modernas são predominantemente francesas - Malherbe, Ronsard, La Fontaine, Chapelain, Boileau, entre os poetas, Montaigne e La Bruyére - entre os moralistas, Moliére (o único escritor de teatro) e outros de menor coturno. Dos prosadores e críticos modernos cita Descartes e Bayle, (...) Cervantes, Garcilaso, Calderon, Moreto e Gongora perfazem o grupo espanhol, Tasso, Vasari, e Marini, o italiano. Desgarrado, Milton representa os ingleses com os dois Paraísos, talvez a primeira menção em língua portuguesa do grande poeta britânico. (...) Quanto à sua cultura portuguesa, embora se limite a mencionar Camões e D. Francisco Manuel, era certamente das mais vastas do seu tempo" Apesar de não citar Balzac, Voiture, e Sévigné, eles e ela, são os seus modelos num género literário, "pobremente representado em Portugal." O" espírito da epistolografia francesa está presente em todas as suas Cartas de intenção literária." (in: Protestante Lusitano, pp.91/2/3)
Consciente do seu trabalho, ele mesmo refere na Carta LVIII, Tomo II, à Condessa de Roccaberti:

"V. E. sabe que se começa a dar aos meus Escritos o nome de satyras, por falar algumas veses nos costumes, e nos erros do seculo, ou nos das pessoas de que elles se compoem. He certo que não heyde mudar de estilo... (...) Sigo nos meus escritos dous caminhos, e não sey outros, e em deyxando de os praticar he certo que deyxarei de escrever. Se me vem ao pensamento criticar hum erro sempre o faço em termos gerais e quem entende a censura como por si culpe o seu pecado, e não a minha penna. (...) Darey aqui duas regras ao meu Leytor para ler os meus papeis com acerto com que eu não os posso escrever. A primeyra he que todos os meus escritos são verdadeyros, e que alguns delles encerrão dous sentidos, que sendo ás veses contrarios são dificultosos de se descobrirem. O primeiro he para todos, o segundo para alguns delles.(...) Consiste a segunda em que quando o Leytor busca este segundo sentido nos meus Escritos, deve sempre duvidar se o tem achado..." (Idem, pp.314/5)

Poderemos dizer que na epistolografia de Oliveira encontramos um precursor, neste género literário, talvez, porque ele se soube dar inteiro. Veja-se a advertência que ele faz ao leitor: "Todos os meus escritos são verdadeiros." Um primeiro sentido é para todos os leitores e um segundo sentido duvide-se sempre se foi encontrado, ou seja, não se vejam coisas que lá não estão, não se dê por certo o que pode estar errado, quanto à interpretação daquilo que foi escrito. Esta advertência ao leitor é profundamente moderna. Ele sabia que escrevia para ser lido por muitos leitores e não estritamente para quem a carta era destinada. Sabia que escrevia para a posteridade. Era sua intenção, bem clara, repreender a soberba, o engano, a ingratidão, etc. mesmo que isso lhe valesse o nome de sátiro. Correu todos os riscos próprios de um artista, de um escritor. Pagou por isso um preço muito elevado. Viu todo o seu trabalho proibido em Portugal e viu-se por fim, queimado em esfígie, num dos últimos Autos de Fé praticados pela Inquisição.
Viveu para espiar todos os sofrimentos que lhe trouxeram a escolha de escrever com livre arbítrio. A fome, o frio, o abandono, a prisão, o ostracismo, a condenação ao fogo eterno, pela religião que lhe dera o baptismo. Veja-se o que diz na dedicatória que faz no III Tomo:

"Andar mendigando nesta terra, e ter a ousadia de fazer a V. E. hum offerecimento, parece orgulho que será reputado como doudice. Disem quasi todos os Philosophos que o tolo sabe muito no que he seu, e assim os que me julgarem louco ou soberbo na minha acção, verão que ainda sendo muy discretos se enganão, e que sabem ordinariamente muito pouco no que he alheyo."

Se imprimiu as suas Cartas não foi para ter "o nome de Escriptor", mas para "ganhar de comer".
Todas as dificuldades financeiras e desgostos porque passou, com a proibição da entrada, e a apreensão, dos seus livros em Portugal, pela Inquisição, fizeram com que nos primeiros meses de 1744, fosse viver para Londres. Mais tarde escreverá, no Amusement, que sofreu um grave prejuízo de quase "seis mil cruzados ou quinhentas libras esterlinas." Os Inquisidores ao confiscarem todos os exemplares das suas obras faziam um "roubo sem escrúpulo, in nomine Domini". "Sentia-se moralmente derrotado".
Iria procurar em Londres, Sebastião José de Carvalho e Melo, "enviado de Portugal na Corte de Jorge II," que viria a ser o futuro Marquês de Pombal. Não consegue, porém, reabilitar-se. No fim do ano de 1745 ou princípios de 1746, escreve a Barbosa de Machado, que viria a ser seu amigo até ao fim da vida.

"Os homens injustos e cruéis com que tenho de haver-me não só violam os seus deveres pessoais como a sua fé pública e os ditames mais sagrados da humanidade e da vida social. Esses pérfidos inimigos, perseguidores e caluniadores, são chefes da Igreja Nacional e conselheiros do Príncipe; são juízes na Corte, aqueles a quem vulgarmente chamam ora sustentáculos e colunas ora luzeiros e olhos do Estado. Bem sabeis, Arbosab, que mal vai ao Estado quando os seus fundamentos se desmoronam (...) Que maior desgraça para um corpo natural ou político quando a luz que nele está se converte em trevas? Que perigosas, que funestas trevas estas! (...) Contento-me em dizer aos ministros de Portugal que com a sua maldade me causaram o descrédito e a ruína que, apesar de tudo, há um galardão para o justo, satisfação para o probo, e um Deus que nos julga neste mundo e nos há-de julgar no outro." (Idem, pp.129/30)

Esse Deus, talvez tenha sido para ele, único, o mesmo; quando se desligou de Igreja Católica e se tornou Protestante.
No ano de 1746 a 1 de Fevereiro casava, pela terceira e última vez, com Françoise Hamon, de quem veio a ter uma filha. Pouco depois sofreu o mais duro golpe da sua vida. Foi preso por pequenas dívidas, durante dezoito meses. Perdeu a esperança de voltar a Portugal. Na sua melancolia irá confessar:

"me enganaram para me obrigarem a deixar a minha Pátria eu o creio; mas que deixe de chorar esse erro que fiz até morrer, não o creio." (1)
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Nota:
(1) RIBEIRO, Aquilino, O Cavaleiro de Oliveira, Livraria Lelo, Ld., Editora, Porto, pp.2, Introdução.
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(Continua) 

Cartas Familiares de Cavaleiro de Oliveira

Carta 20

A' Senhora D. Cecilia Luisa Savieti, com a desculpa de não lhe ter respondido.
(...)
"Sey que não são as Cartas as cousas menos necessarias, nem menos agradaveis no commercio, porem logo que se adquire a reputação de as fazer com alguma graça, segue-se a pensão de ser necessario fazer com que todas ellas sejão huns brincos."

Vienna de Austria, 5 de Outubro de 1737
(Carta LXXIII; Tomo II, pp.425)
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terça-feira, 18 de setembro de 2012

Cartas Familiares de Cavaleiro de Oliveira

Carta 19 
(Continuação)

"Parece zombaria porem he ignorancia, diser-se em hum papel tão serio que o Esposo da Aurora foi muy conhecido, e todos sabem que se chamava Titão. Quando casou com ella era já velho e ela (...) o amava muito sendo idoso. Este seu affecto o obrigou a pedir a Jupiter que fisesse seu marido immortal. Jupiter ouvio os seus rogos, porem Titão cahio em huma velhice tão decrepita que servia de desgosto á sua amavel ametade. Compadecidos os Deoses (...) os metamorphoseárão em cigarras. (...)
O Imperador sem nome de que fala o Amigo de V. M. era Caligula. A este he que os Povos chamavão o moço, (...) se ele quer prova (...) pode usar neste caso da de Suetonio L.4 onde diz: Supra fausta nominae obvii sidus, & Pullum, Puppum, & alumnum appellabant.
O Principe a quem Alexandre Magno atacou he certo que foi Poro. (...) Diga V.M. ao seu Amigo que torne a ler Quinto Cursio no Livro 8. Cap. 12. 13. E 14.
Não posso diser a V. M. se está decidido que se diga Mecene, e Mecenas igualmente em Francez, porem (...) Richelet, Autor de certos dicionarios (...) nos segura que se póde diser Mecenas, e Mecene. Menage na primeyra parte das suas Observaçoens sustenta a mesma opinião, e ainda que estes Autores escrevérão sempre Mecenas, e não Mecene, houve autor de boa nota que escreveu sempre Mecene, e não Mecenas, e he Mainard nas Poesias pag. 119 onde diz assim:
Tours les Arts nous sont faciles./ O! qu'un Mecene aujourd'hui/ Pourroit faire de Virgiles!(...) Mecenas foi hum Cavalleiro Romano, favorecido de Augusto, segundo Imperador de Roma. Amava as Letras, e por esse principio todos os Escriptores lhe dedicavão as suas Obras, sendo elle o valedor das Musas na Corte de seu Soberano. (...)
Presentemente não ha Mecenas. A mayor parte dos filhos do Parnaso, e quase todos os que escrevem morrem de fome, e andão vestidos de borel. (...) Quando o Autor diz que Monsieur de Rampale foi o Mestre dos Idylios, he certo que não leu Richelet, o qual diz o seguinte do mesmo Poeta. Parece que monsieur Rampale não observou bastantemente o caracter bello, e sincero que nos deixarão os Poetas Originaes Gregos, e Latinos de quem temos verdadeyros Idylios, e verdadeyras Eclogas. Na opinião do seu amigo, M. Rampale he Mestre, e na de Richelet não chega a ser Discipulo. O certo he que o Idylio he (...) hum pequeno Poema que contém amores Pastoris ou de outras gentes que vivem nos Campos com doçura e tranquilidade. A invenção deste Poema deve-se aos Pastores do Peloponneso, ou de Secilia. Theócrito, Bion, e Mascho, poetas da Antiga Grecia, forão os que tiverão mayor reputação neste genero de versos.
Fala o Autor de Protogénes como superior a Apelles, o qual excedeo incomparavelmente ao outro na sua Arte. (...) Parece desnecessario dilatar-me neste capítulo para mostrar as vantagens do insigne Appelles."

(Desdiz o autor acerca da sua opinião sobre Marcial quando este se lhe refere como "Insigne" poeta e "insigne" cozinheiro, por ser pouco honroso e ridículo.)

"Marcial nasceo em Bibilis Paiz dos Celtiberios a que hoje se chama Aragão. Viveo no Imperio de Domiciano, e morreo muito pobre tendo mais de setenta e cinco annos de idade. (...)
Não sey que rasão teve o seu amigo para callar o nome do Papa a que elle com rasão chama doutissimo. (...) Este Papa foi Urbano VIII o qual sobio á cadeyra de S. Pedro na anno de 1623 chamando-se antecedentemente o Cardeal Barberino. Foy hum dos Pontifices que mereceo ser amado, respeitado, e nomeado, fasendo-se illustre pela sua virtude, e pelo seu entendimento. Teve grande amor aos homens doutos, e deixou as provas do seu genio em muitas Poesias Latinas, e Italianas.
Ninguem duvidará do alter ego do seu Amigo, porem sendo este exemplo muy vulgar (...) podia usar de outros. (...) Hum deles he o de Horacio, quando disse assim ao Navio em que se embarcou seu amigo Virgilio para passar a Athenas:
Finibus Atticis/ Reddas incolumem, precor/Et serves arrimae dimidium meae.
He verdade que naquelle tempo erão os amigos doces... (...) os amigos deste tempo são como os meloens, e que he necessario muitas veses provar hum cento para encontrar com hum que seja capaz."

(Referência a Júlio César e à sua morte, contradizendo que já estivesse prognosticado aquele fim trágico.)

"Não sabendo de outro vaticinio mais que do de Syurina, que lhe tinha predito como refere Suetonio que nos idos de Março seria desgraçado como se verificou. (...) Diz muito bem o Autor disendo, que a virtude dota os Monarcas antes do tempo, (...) lembro-lhe que não tem novidade, e que he huma pura imitação de Ovidio quando disse: Caesaribus virtus contingit ante diem."

(Referência aos Astros, Ursa Maior e Menor, e ao nome que se dava em Lisboa: o sete estrelo.)

"Arato entre os Gregos, e germanico, entre os Latinos, escrevérão largamente a respeito da disposição destas Estrellas... (...)
Ariano, Plutarco, e Quinto Cursio escrevérão de Alexandre Magno, e todos dissérão, que fora hum grande Capitão."

(Critica as comparações que o autor faz entre Alexandre e Júlio César)

"Alexandre Magno foi Rey de Macedonia, subjugou a Grecia, e desfez Dario, e Poro que erão dous Reys muy poderosos. Morreo em Babilonia de idade de trinta e dous annos e os Literarios perdérão muito com a sua falta. Ele os amava... (...)
Arrás he huma Cidade famosa, e Capital da Provincia de Artois situada em Flandres, a qual sitiou Luis XIII de França no anno de 1640. A Gasconada Hespanhola de que o Amigo de V. M. diz que se não lembra he a seguinte:
Parecia aquella Praça tão forte, e os Hespanhoes que a defendião se imaginavão tão seguros contra o ataque do inimigo, que escreverão sobre a Porta os versos seguintes: Quand les François prendont Arras/ Les souris prendont les chats. (Quando os Franceses tomarão Arras os Ratos comerão os Gatos) (...)
O prognostico dos Hespanhoes não foi ditoso. Os Franceses se senhoréarão da Cidade á vista dos dous Exercitos, commandado hum por Lamboi e outro por Buquoi. Entretanto os Franceses na Praça riscárão a Gasconada, e pintárão no mesmo lugar hum Cavallo magro com esta incripção:
L'Espagnol reprendra Arras/ Quand ce Cheval deviendra gras. (O espanhol recuperará Arras quando este cavalo engordar)
Quanto ao assunto deste discurso já disse a V.M. que o seu Autor não prova cousa alguma, parecendo-me tempo perdido o que gastou em provar a immortalidade de huma cousa que não conhece. (...) Se a alma como elle diz he toda spirito, quem Diabo lhe meteo na cabeça dar-lhe a sua chincada? Finalmente sendo o papel todo o corpo, entendo que não passa de ser materia, salvo outra vez a propriedade da Rhetorica. ..."

Vienna de Austria, 7 de Setembro de 1737

(Carta LXVII, Tomo II, pp. 376/7/8/9/380/1//2/3/4/6/7/8/9/390/, 392/3/4/5)
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Desta Carta ressaltam vários aspectos que, poderíamos dizer, cobrem assuntos históricos, morais e filosóficos. Discute-se a imortalidade da alma como assunto da missiva. Oliveira considera tempo perdido já que o autor, que ele contesta, não prova coisa alguma. Depois volta, como é recorrente, à interrogação retórica e diz que se a alma é toda espírito, como é que se lhe meteu na cabeça de lhe dar uma "chincada?" Por fim, declara que "sendo o papel todo o corpo", entende "que não passa de ser matéria, salvo outra vez  a propriedade da Retórica". Ou seja, tudo aquilo que ele emendou de errado no dito discurso, é o que se salva, essa sim, imortal, a Retórica. Temos uma Carta com cariz pedagógico, porque o escritor, censurando tudo o que aparece como incorrecto, nos dá uma resenha histórica de diversos factos, reais e mitológicos. É, igualmente, uma reflexão sobre o vocabulário usado no seu tempo. Como se deviam escrever certas palavras? Segue-se a devida correcção. Depois, é uma crítica acerada à opinião mal fundamentada e com erros históricos. Por fim, aquilo que Oliveira condena como "um ramalhete, colhido das fragâncias dos jardins mais conhecidos," é, de facto, o que o nosso escritor também faz ao longo de algumas das suas Cartas. Cita exemplos, recomenda autores e obras, etc. Colhe, incansavelmente, o néctar das flores mais belas da literatura clássica, para produzir o seu próprio mel.  





segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Cartas Familiares de Cavaleiro de Oliveira

Carta 19

Ao Senhor Dom Florencio Henriques Maldonado, censurando hum Discurso sobre a imortalidade da alma.

(...)
"Este papel não tem substancia. He hum ramalhete composto de excellentes flores, e não se póde diser outra cousa em seu louvor se não que foi composto das fragancias dos Jardins mais conhecidos. Ciceros, Virgilios Horacios, Demosthenes, Quintilianos, e paremos aqui; ... (...) o dignissimo Camoens huma só vez he allegado."

(Faz um reparo por escreverem Camones em vez de Camoens e pede a D. Florêncio para corrigir o seu amigo.)

"Como por exemplo Monsieur de Voltaire, que (...) não acertou com o mesmo nome de Camoens em algumas das suas obras. O autor do papel de que se trata, a deve ter por outros principios.
Diz elle que houve hum Catão, e debayxo deste nome em numero singular, refere as acçoens mixtas de dous Catoens que são muy differentes. (...) Distinguem-se os dous Catoens com os nomes de Catão Censor, e Catão de Utica. O primeiro foi Tribuno, Questor, Pretor, Consul e Censor, e exercitou todos estes cargos com grande valor e integridade. (...) A este chama Cicero excellente Orador, bom Senador, e digno General dos Exercitos. (...)
Recompensavão-se antigamente os homens grandes quando fasião algum serviço consideravel á Republica, elevando Estatuas á sua gloria a fim de dar a conhecer á posteridade o que se lhes devia. A mesma honra, diz Cassiodoro, que era somente conferida aos Herois que se signalavão nas Armas, se acordou nos seculos seguintes aos Varoens illustres nas Sciencias. Bellica virtus prima, & proecipua causa fuit dedicandarum flatuarum: sequentibus verô soeculis idem honor eruditis exhibitus. Catão, o Censor merecia esta honra por hum, e por outro principio, tendo sido ao mesmo tempo insigne nas Armas, e nas Letras. Morreo no anno de 606 de 86 annos de idade.
Catão de Utica, (...) foi conhecido pela sua severidade, e pela sua constancia. (...) Depois da desfeita de Pompeo se via perseguido por Cesar, ferio-se elle mesmo com hum golpe de punhal em Utica Cidade de Africa... (...)
Teve hum amor tão natural pela Republica, que sendo de idade de Quatorse annos pedio huma espada para matar Syla, Tyrano da sua Patria. Exaqui o retrato mais natural que se póde fazer deste grande homem, e que eu tiro do Livro 2 de Lucano, para V. M. o mostrar ao seu Amigo. 
Hi mores, haec duri immota Catonis/Secta fuit, servare modum, finemque tenere,/Naturamque sequi, patriaeque impedere vitam,/ Nec sibi, sed toti genitum se credere mundo./Huic Epulae vicisse famem: magnique penates/Submovisse hyemem tecto, pretiosaque vestis, /Hirtam membra sub Romani more quiritis/ Induxisse togam; venerisque huic maximus usus/ Progenies: urbi parer est, urbique maritus;/Justitiae Cultor, rigidi servator honesti./ In commune bonus, nullosque Catonis in actus/ Subrepsit, partemque tulit sibi nata voluptas.
Diser o Autor que o Amor, e Appollo são os mais moços de todos os Deoses he engano. Eu os tenho pelos mais antigos (...) diz que ignora, ou se esquece de quem Esculapio era filho, lembro-lhe: ... O famoso Esculapio nasceo de Apollo, e de Coronis. (...) Cioso Jupiter de Esculapio o abrasou com hum par de rayos. Seu pay Apollo o deificou, e o collocou no numero das Estrelas."
_________________________
(continua)

sábado, 15 de setembro de 2012

Cartas Familiares de Cavaleiro de Oliveira

Carta 18

A' Princesa de Valaquia, a respeito do caracter que observo nas Obras Poeticas dos Italianos, dos Franceses &c.

(Conta esta Carta um sonho, como se fosse uma bela história, em que a personagem vai à procura do Monte Parnaso. Durante a viagem encontra diversos caminheiros que vão ao mesmo. Tenta entrar no Monte Sagrado.)
(...)
"Vindo da parte contraria hum grande rancho de Damas de todas as idades, estados, condiçoens, e Naçoens do Mundo, e sabendo o meu Gentil companheyro que vinhão aflictissimas por lhe negarem a entrada do Parnaso, entrou no empenho de as divertir, e de as consolar cantando-lhes diversos Menuetes, e informando-as da variedade, e da novidade das modas que elas achariam em Paris... (...)
Vendo que o meu Poeta Francez se havia de demorar muito com o encontro parti ... (...) pois que o vi em postura de ordenar huma contradança para mayor divertimento... (...) Vendo eu (...) um homem que me pareceo Portuguez corri apressado para o alcançar. Quando o consegui achei-me com hum homem soberbo que não se dignando de olhar para os outros homens, invocava continuamente as Musas, e ao mesmo tempo os Santos. Perguntei-lhe se estavamos já perto do Parnaso. Respondeu-me em Castelhano travamos conversação muy facilmente. Depois de me diser que era neto de Gongora, filho de Vlhoa, genro de Quevedo, irmão de Salasar, primo direyto de Montalvan, cunhado de Zabaleta, e pay de alguns pequenos poetas... (...) divisey hum homem que a grandes passos se avisinhava do Monte. Conhecendo que era meu compatriota pelo bem que tocava o Outavado em huma viola, fiz tal carreira para o conhecer, e para o abraçar que faltando-me os pés dey com todo o meu corpo no meyo do chão, onde me trataria sem duvida muito mal a não ser a quantidade de flor de de Laranja, de Alecrim, de Mangerona, e de outras flores, e folhas odoriferas de que o mesmo chão estava coberto, e que o dito Portuguez, hia espalhando por todo o caminho.
Perguntou-me esta Rapaz se eu tinha escrito alguma cousa? Disse-lhe que depois de entrar na Escolla do Senhor Francisco Martins, morador a S. Christovão de Lisboa, até ao presente que tinha entrado em casa do Senhor Conde de Tarouca Ministro de Portugal, e Residente na Esplanada de Vienna que não fizera outra cousa. E que versos tendes vós composto? (...) Dizendo-lhe ingenuamente que eu nunca fisera versos (porque até aos rapases gosto muito de falar verdade) me advertio que me cançára de balde em fazer todo aquelle caminho, porque não era dos que escrevião em Prosa. Palavras não erão ditas chega o Portuguez ao Monte, e conhecido dos seus Habitadores exque sahe huma tropa delles a recebelo. Disse-me o Rapaz que se presava de conhecer todos que entre elles estava Homero, Virgilio, Camoens, Tasso, Fontaine, Garcilasso, Milton, e outros semelhantes. (...) Aquelle a que elle chamava Camoens se elevava tanto á figura gigantesca de todos os outros, que para diser a V. A. em huma palavra tive medo de me achar na sua presença. (...)
Acordey (...) vi que era dia claro, e que tudo o que tinha passado por mim não era mais do que hum sonho. (...) Agradarem-me mais os fructos, as flores, e os cheyros que o meu compatriota espalhava no caminho do Monte Parnaso, e não lhe diser que os cachimbos, os queijos, as manteigas, os vinhos, os salkraus, as modas, os rosbifs, as moscas, as borboletas, as limonadas, e os chocolates das outras Naçoens não tenham tambem sua bondade, e sua galantaria... (...)
Agora dirá V.ª que eu sou doudo com as cousas da minha Terra. Assim he Senhora eu o confesso..."

Vienna de Austria, 8 de Abril de 1737
(Carta XXVII, Tomo II, pp. 132, 137/8/140/1/2/3/4)
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Nesta Carta, o autor mostra o profundo orgulho que tem pelos poetas portugueses. Camões figura ao lado de Homero e de Virgílio e eleva-se  "à figura gigantesca de todos os outros". Através de uma faceta irónica e satírica comenta as qualidades dos diversos poetas que vai encontrando pelo caminho. Observa-os com o seu sentido crítico e, por fim, diz que prefere "os frutos, as flores e os cheiros" da poesia portuguesa. Se por ele escrever em prosa não tem entrada no Monte Parnaso, não deixa de sonhar que se encontrou junto dos seus habitantes, e que teve medo de de se achar na presença de Camões.  Na sua bondade natural não deixa de reconhecer aos escritores de todas as nações a sua própria galanteria.

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Cartas Familiares de Cavaleiro de Oliveira

Carta 17

A Madmoiselle de M. aconselhando, aprovando, e justificando a Lição das Novellas, e das Comedias.

(O autor discorda da opinião de um amigo e diz que está longe de acreditar que não há gente boa e honesta que leia novelas e comédias.)
(...)
"Este homem não se lembra de que disse Aristoteles que os Philosophos amão as Fabulas, e que não he cousa incompativel com a sua prophissão passar a vida na diligencia de buscar as cousas importantes. E das palavras do Poeta Favorecido de Mecenas que diz assim: Li atentamente Homero, e entendo que ensina muito melhor que todos os Philosophos no que consiste a honra solida, e o bem verdadeyro.
Qui quid sit pulchrum, quid turp/ Quid utile, quid non:/ Plenius ac melius Chrysipo & Crantore dicit. (...) As Novellas são as Escollas da Politica, e da Honestidade, e Escollas onde as Graças estão pintadas." ...

Vienna de Austria, 9 de Mayo de 1737
(Carta XXXVII, Tomo II, pp. 198/9/200)
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O próprio título da Carta já nos dá a opinião do autor. Aconselha, aprova e justifica a leitura de novelas e comédias. Recorre a Aristóteles para reforçar a sua ideia. Os filósofos amam a leitura de fábulas e não é incompatível com a sua profissão. Homero tinha sido lido pelo poeta predilecto de Mecenas e ele confirmava que este autor ensinava melhor o que era "a honra sólida e o bem verdadeiro" do que "todos os filósofos". As novelas são uma escola de política e de vida. Este texto é prova de uma mentalidade moderna em relação à educação das raparigas. Elas deviam ler estes livros, porque  são uma escola da honestidade onde "as Graças estão pintadas".



quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Cartas Familiares de Cavaleiro de Oliveira

Carta 16

A Monsieur de M. a respeito da Eloquencia.

"Creyo que somos livres de todo o genero de obrigação para nos aplicarmos á Poesia, á Astronomia, ás Matemáticas, ou á pintura... (...) a respeito porem da Eloquencia não julgo o mesmo, e como todo o mundo fala, segue-se (...) que toda a pessoa está obrigada a cultivar as palavras. (...)
A Eloquencia he a virtude de todas as Artes e de todas as Profissoens... (...) O Imperador Numeriano não entendeo que a qualidade de Orador Excelente, deixava de ilustrar a de Soberano, e por isso sofreu que se lhe dedicasse huma statua debaixo do titulo do mais eloquente do seu seculo. (...)
A qualidade, e o louvor do eloquente faz honra a todos os homens desde o soberano ao Plebeo. (...) A grandesa da eloquencia consiste em que não póde ser despresada, e tambem em não poder ser combatida que por ela mesma.. Este he o principio que fez diser a Platão, que quando mostrava despresar a Eloquencia formava o seu elogio, pois que ela o favoreceo de termos admiraveis. (...) As mesmas Naçoens Barbaras do Universo que juraram a perda da Letras (...) não chegarão a despresar o nome da eloquencia  (...) Não condenemos os que se aplicão e os que se esforção a adquerir uma virtude tão natural, e tão necessaria, a qual somente por ser virtude he que não se póde lograr, nem possuir sem incorrer ne despreso de todos os homens, e principalmente dos grosseiros, e dos mais barbaros."

Vienna de Austria, 6 de Junho de 1736
(Carta XX, Tomo I, pp. 267/8/9/270)
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No entender do autor a eloquência é primordial para todos, nobres e plebeus. É a virtude de todas as artes e profissões. Logo toda e qualquer pessoa deve "cultivar as palavras". Platão, mesmo quando mostrava desprezá-la, fazia o seu elogio. A eloquência "o favoreceu de termos admiráveis". Mesmo as nações Bárbaras que não prezavam as letras, a consideraram. Só a eloquência pode combater a eloquência. Por isso não se condene aqueles que se aplicam a estudá-la e a torná-la em si mesmo uma virtude natural. Precisamente porque é uma virtude tão necessária e natural é que não se pode possuir sem se incorrer na inveja, "no desprezo" dos outros homens, principalmente dos grosseiros e bárbaros. Nota-se nas suas palavras que o escritor talvez tenha sofrido por possuir esta virtude.

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Cartas Familiares de Cavaleiro de Oliveira

Carta 15

Ao Senhor Conde Claravino Basso, respondendo a hum reparo.

(O Conde acusa o escritor de usar muitas citações de escritores clássicos nas suas Cartas e diz-lhe que são muito difíceis de ler.)
(...)
"A culpa que V. M. me faz he verdadeyra. Eu a conheço porem em vez de prometer emmenda nella me obstino a segyla. (...) Quando escrevo, e a materia o pede digo Metheoro, Eolipido, Calamita, etc. com a mesma facilidade com que digo Homero, Socrates, e Temistocles... (...)
Ente V. S. que os meus Escritos são escuros e dificultosos por esse principio. Eu tenho-me applicado quanto posso a escrever, e a falar claro. (...)
Se V. S. entende que os meus papeis merecem Commentes e Notas, esse castigo he muito nobre, e muito mais desejado que o de buscar censuras, e criticas, bem merecidas. Meu Senhor, os nossos Gregos, Romanos, Hebreos, etc. tradusidos em idiomas vulgares cheyrão a ridicullarias, e sabem a ignorancias. ..."

(Segue-se na carta o comentário, do autor, à tradução das Cartas de Cícero a Áttico que têm muitas falhas, assim como as de tradutores franceses.)

Vienna de Austria, 24 de Fevereyro de 1737
(Carta VII, Tomo II, pp. 43/4)
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Aquilo que o escritor censura, a falta de clareza no discurso, também aqui lhe é apontada. Ele, com a sua frontalidade, aceita o reparo como verdadeiro, mas não quer emendar-se. Promete ser obstinado na sua maneira de escrever, porque considera que as traduções não são perfeitas e que os autores clássicos devem ser citados na sua língua original. Flui toda a sua erudição para fazer notar a ignorância de quem lhe aponta serem as suas Cartas difíceis de ler. O autor sabia que escrevia para a posteridade. Tinha o seu estilo, a sua dignidade.

terça-feira, 11 de setembro de 2012

Cartas Familiares de Cavaleiro de Oliveira

Carta 14

Ao Senhor F. Tasso Diaxo, a respeito do Estilo dos seus Escriptos.
(...) 
"Tendo conhecido que emprendestes imitar a Gongora, porem vejo que o não conseguistes com felicidade... (...) A respeito de Gongora, haveis de crer que há hum espaço infinito entre o menos bom dos seus versos, e entre o menos máo dos vossos... (...) Se póde muito bem diser sem afrontar-vos, que vós, e elle são dous Antipodas. (...)
O vosso estilo he justamente hum dos mais estranhos que jamais se vio entre os Paises, e os idiomas de que se compoem a terra. (...) Se vós não gostaes de seres entendido quem he que vos impede que vos caleis? (...) Porque não escolheis vós outra ocupação? (...) Tendes hum grande defeito não distinguindo as cousas tristes das alegres, e dando hum mesmo tom aos Epitaphios, e aos Epithalamios. (...)
Tudo o que digo ainda que com pouca esperança, he somente para reformar o vosso estilo. (...)
Finalmente o que me parece mais acertado no caso que não queyraes emmendar o vosso estilo, he que renuncieis inteyramente a tudo o que se chama penna, tinta e papel... (...) quando leres esta Carta haveis de achar clara, distinta, e intelligivelmente, que não só vos tenho por um bom Poeta, ou por hum grande Orador, mas que tambem duvido de que sejaes hum Grammatico suportavel.
Tu genio irato, pulchrae tu nescius artis irrumpesne sacras musarum obscaenus in aedes?
Exaqui a verdade em pratos limpos."
Vienna de Austria, 2 de Novembro de 1737
(Carta LXXIX, Tomo II, pp.467/8/9/472/3/4)
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Note-se que Oliveira tinha um espírito crítico quanto ao que devia ser a literatura e a criação de um estilo próprio. Não se coíbe de dizer francamente o que pensa. Esta Carta é exemplar nesse sentido. Sobre a imitação de Gongora, que era a todos os títulos um Mestre dos poetas Barrocos ele pronuncia-se de forma contundente: "haveis de crer que há um espaço infinito entre o menos bom dos seus versos, e entre o  menos máo dos vossos"...! Mesmo que não seja apreciador de Gongora e das suas filigranas, mesmo que lhe reconheça alguns versos menos bons, ele é isento quando afirma, sem receio de afrontar, que este imitador e o Poeta espanhol estão nas "antípodas."
Utiliza um discurso interrogativo, próprio de um iluminado, para o interpelar: "se não gostais de ser entendido quem é que vos impede que vos não caleis?" Pugna pela clareza do estilo e aponta os defeitos provocados pela ignorância da Arte Poética. O tom utilizado para um "Epitaphio" era o mesmo que para um "Epithalamio", não havendo distinção entre a tristeza e a alegria. Mostra-lhe a necessidade de se ouvir a música das palavras, ou então que renuncie "a tudo o que se chama penna, tinta, e papel."  

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Cartas Familiares de Cavaleiro de Oliveira

Carta 13

A Monsieur de M. sobre hum Poema de M.C.G.N.

(O autor é da opinião do amigo acerca dos poetas que usam fábulas nas suas obras, para oferecerem às damas que amam. Por vezes, estas não os compreendem. Dá o exemplo de "Romfard poeta Francez" que fez a uma taberneira um soneto e incluiu nele a Ilídia de Homero. No entanto diz que não se pode condenar aos antigos da mesma forma que os modernos. "Não he justo, diseres que era necessario que as amigas de Ovidio fossem muy sabias para entenderem as suas Epistolas he sem rasão". Advoga que na antiguidade eram comuns as fábulas porque faziam parte da religião e que todos as conheciam, enquanto que nos modernos faziam parte de erudição própria.)
(...)
"Creyo que não havia pessoa alguma em Roma (...) que não soubesse que Marte era o Deos da Guerra, e que Venus era a Deosa da Formosura (...)
Quanto aos Poetas Modernos tendes rasão, e quanto aos Antigos esta he minha. Quanto ao estilo deste poeta não sei o que vos diga (...) Diz Quintiliano que quanto mais hum Escritor será escuro, tanto mais será inferior. Ert ergo etiam obscurior, quo quisque deterior. Se Quintiliano falou com os Poetas quando falou com os Escritores, he o que eu não posso decidir. (...) Julgo que hum dos mayores vicios do discurso he a falta de Clareza, e sigo sempre o fim para que falamos he somente para que nos entendão. Este Poeta verdadeyramente he escuro, porem a escuridade que para muitos he defeito para outros he perfeição. (...) Muitas veses me tendes dito mais veses que seria delicto deyxar de ama-lo. No tempo de Tito Livio houve hum Reytor tão amante dos escritos dificultosos, que exhortava os seus Discipulos a seguirem a escuridade (...) Diz o mesmo Quintiliano, que o mayor elogio que se podia fazer a qualquer composição daquella escola era o de dizer, nada comprehendo. Lycophron foi do mesmo gosto protestando publicamente que se enforcaria, se se achasse um homem que entendesse o seu Poema da Prophecia de Cassandra. (...)
Comparo estes estilos áquelles lugares subterraneos, onde o ar he tão denso, e abafadiço, que todas as luses que nelles entrão se apagão. (...)
Seria loucura duvidar dos mysterios que não alcançamos, e seria ignorância criticar as obras só porque as não entendemos. A deste Poeta póde ser hum Thesouro, e póde ser hum nada. (...)
O escuro tambem tem seus grandes na minha Terra. Quanto mayor he menos se vê, he o enigma com que definimos em Portugal aquelles escuros tenebrosos... (...)
Disey a vosso irmão, e minha Senhora, que a verdadeira força para vencer o Amor consiste no valor de lhe saber fogir..."
Vienna de Austria, 16 de Janeyro de 1738
(Carta III, Tomo III, pp. 15, 16, 17,18)
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Nesta Carta o autor dá, através da comparação que faz, uma perfeita demonstração da sua ideia sobre estes "estilos obscuros" que eram uso no período Barroco que se vivia e no qual ele tinha sido educado. Faz mesmo referência à literatura do Portugal, seu contemporâneo, onde existiam "aquelles escuros tenebrosos". Ele era, mesmo defendendo os Antigos, e recorrendo a Quintiliano como exemplo, um autor Moderno da literatura portuguesa, um iluminista que queria tornar claro o discurso literário. Já não se integrava nesses "escuros...grandes" da sua terra. A literatura, se é um Tesouro, mesmo num subterrâneo, brilhará. Ela será a própria luz acesa ao fundo do túnel. Tudo mais "póde ser hum nada". Quanto à "verdadeira força para vencer o Amor consiste no valor de lhe saber fugir."

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Cartas Familiares de Cavaleiro de Oliveira

Carta 12

A Monsieur de M. a respeito do Agradecimento.

(Esta Carta começa por referir os Pagãos que quando recebiam em sua casa muito bem, com grande generosidade, só pretendiam o Agradecimento.)

"Que generosidade! Acha-se hoje semelhante gente?"

(Conta seguidamente o exemplo de Aronte que saiu do seu convento devido a um "Commercio de Amor" e que por interesse se converteu ao Calvinismo. Acabou por ter de sair do seu país, e foi recolhido em casa de um filósofo. Como hóspede, pagou com a ingratidão, ao fazer da esposa do filósofo sua criada, e ao fim de quatro anos de viver em sua casa lhe ter levantado um "libelo infamatório.")

"Seria possivel que presando-se tambem Aronte de Philosopho, obrasse de hum modo tão oposto á Ley natural se não fosse Frade?" (Interroga-se o autor, mostrando bem a sua repulsa pelo mau exemplo de alguns frades indignos, o que é uma constante na sua literatura epístular.)
(...) "Conforma a judiciosa observação de Cicero, (1) não há obrigação mais indispensavel do que a de fazer bem aquelles de quem o temos recebido. Se o Poeta Hesiodo, como diz o mesmo Cicero ordena que aquelles que pedem emprestado alguma cousa a paguem com usura se he possivel, que he o que nós devemos praticar para mostrar o nosso reconhecimento áquelles que nos distribuírão os seus bens, e os seus favores sem que lhos pedissemos, e sem que tivessem a menor esperança de recompensa? (...)
Há duas sortes de Liberdades. A primeyra consiste em fazer o bem por pura generosidade, e a segunda em fase-lo por força do Agradecimento. (...)
Non reddere viro bono non licet, modo id facere possit sine injuria. (1) Observay que se Cicero mete o Agradecimento com a ideia da Liberalidade, he porque diz Puffendorf, (2) que nenhumas destas virtudes segue regras tão fixas como as da Justiça, a qual ordena que se retribua precisamente tudo o que se deve por contrato. A infame acção de Aronte me fez olhar novamente para as excellencias de Cicero, e me deo occasião de vos communicar mais huma vez o meu pensamento." ...
(1) Cícero, De Offic. L. I cap.15
(2) Droit de la Nature & des Gens, Tomo III Ch. III.

Vienna de Austria, 9 de Mayo de 1737
(Carta XXXVI, Tomo II, pp.193, 195/6/7)
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A interrogativa como processo retórico muito comum ao filósofo que tudo questiona, surge recorrentemente nos textos das Cartas de Oliveira. Seria possível que Aronte procedesse de um modo tão desprezível se não fosse frade? Ele que se tinha por filósofo? Cícero ordena que se mostre reconhecimento pelo bem que se recebe, assim como Hesíodo. o Agradecimento aliado à ideia de Liberalidade, surge em Cícero, como virtude própria da Justiça que manda retribuir o bem com o bem. O autor reconhece que o visita para melhor expressar o seu próprio pensamento, perante a acção infame de Aronte.


terça-feira, 4 de setembro de 2012

Cartas Familiares de Cavaleiro de Oliveira

Carta 11

Ao Senhor D. Florencio Henriques Maldonado sobre a Reputação.

"Ainda que sou partidario da Reputação, e muito devoto por esse principio do glorioso S. João Nepomuceno, quero agora entender com V. M. que a Reputação não só he cousa pouca, porem que he verdadeyramente hum Fantasma. Não são os Minos, os Perseos, os Theseos, os Hercules, os Achiles, os Hectores, os Eneas, e todos os outros Heroes da Fabula, os que lograrão o aplauso da mais sublime Reputação? Sim senhor;... (...) Disem que alguns delles forão homens muy communs, e despresiveis.... (...) Os Mandricantes, os Sacripantes, e os Rodamontes não são tão nomeados, e conhecidos, como os Pompeos? He sem duvida. (...)
Agora dirá V. M. que mudo todas as cousas ao meu modo, e que critico hoje a mesma Reputação que deffendo sempre. Respondo a V. M. que os homens não estão sempre do mesmo parecer. Plutarco na vida de Cícero, disse que a estatua chamada Sphinx era de marfim, e nos seus Apopthegemas Romanos disse que a mesma estatua era de prata.
A Reputação he sempre para mim huma das figuras mais preciosas que a vaidade, e a soberba, ou que a rasão, e o juiso dos homens soube idear, porem como neste seculo parece que he necessario morrer de fome para alcançar a Reputação, redusindo-se os homens honrados a esqueletos, algumas veses poderá a Reputação ser huma peça de prata, e outras veses não será mais do que hum osso."

Vienna de Austria, 18 de Janeyro de 1738
(Carta IV, Tomo III, pp. 20/1/2)
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Que é a Reputação? Não existiram tantos heróis na antiguidade que beneficiaram dela sendo "homens muy communs, e despresiveis"? Ainda que seja seu partidário reconhece que a critica. Tal como Plutarco faz na sua literatura, quando diz ser a mesma estátua de Sphinx, uma vez, de marfim e outra, de prata. Mesmo que seja para si, sempre mais preciosa que a vaidade e a soberba, admite que no seu século para alcançar a Reputação é "necessário morrer de fome". Sendo que a Reputação, reduzindo um homem honrado a esqueleto, pode ser uma vez de prata, e outra de osso. Documenta esta Carta o século XVIII?

sábado, 1 de setembro de 2012

Cartas Familiares de Cavaleiro de Oliveira

Carta 10

A Monsieur M. Sobre a assistencia devida aos que estão debayxo da nossa protecção.
(...)
" Logo que for necessario empreender a defesa da vossa Patria, ou dos vossos amigos, diz Epicteto, não consulteis os Magicos, nem espereis as suas respostas para obrares o que deveis. (...) Jamais o Oraculo de Apolo deo huma resposta melhor, do que aquella que fez á pergunta dos Cumos quando o mandárão consultar, perguntando se entregarião aos Persas, Pactyas, que se tinha valido da sua protecção. Respondeu o Oraculo que o integrassem. Aristodico, que era hum homem de grande autoridade affirmando e deffendendo que o Oraculo não podia ter dado huma resposta tão injusta, mostrou que esta não podia proceder que do erro, ou da falsidade dos Deputados. Ordenárão os Cumos que fosse o mesmo Aristodico com outros Deputados consultar novamente o Oraculo. (...)
Este deo a mesma resposta. Confuso, e aflito Aristodico começou a passear á roda do templo, e descobrindo na parede delle hum ninho de passaros o desfez irado atirando-lhe com pedras. No mesmo instante sahio do templo huma voz ameaçante que lhe perguntou. Para que lanças fóra do seu ninho estes pequenos animaes que estão debayxo da minha protecção?
Respondeu Aristodico. Eu obro conforme ao vosso exemplo, pois que ordenaes que entreguemos hum homem que está debayxo da nossa. Proferio então a voz ultimamente. Impios que vós sois, oh Cumos! Pois que sabendo que he cousa indigna desamparar aos que se deytão entre os vossos braços me vindes sobre essa materia consultar. He talvez para me querer tentar que o faseis? Oh impios!
Isto he o que se me offerece para vos diser a respeito..."
Vienna de Austria, 15 de Janeyro de 1737
(Carta IV, Tomo II, pp. 33, 34, 35)
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Epicteto serve de exemplo nesta Carta para o autor manifestar a sua opinião sobre os deveres que temos para com os que estão debaixo do nosso cuidado. Narra a história de Pactyas que estava sob a protecção dos Cumos e como Aristodico não concorda em entregá-lo, apesar da opinião do Oráculo de Apolo ter sido contrária. Ao ser novamente consultado pelo próprio Aristodico e tendo dado a mesma resposta este, muito zangado, atira pedras a um ninho de pássaros que estava na parede do templo. Logo a voz troante do Oráculo se manifestou irada: "Para que lanças fora do seu ninho estes pequenos animais que estão debaixo da minha protecção?" Responde-lhe, com toda a sua autoridade, que estava a fazer o mesmo que ele, Oráculo, tinha mandado fazer. A mesma voz, num vocativo irado, chama-lhes "Ímpios", porque aquilo não era sequer pergunta que se colocasse! Queriam eles tentá-lo? Eis, para a posteridade, o que se oferecia dizer a Oliveira a respeito deste assunto de moral humanística.