sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Cartas Familiares de Cavaleiro de Oliveira

Carta 13

A Monsieur de M. sobre hum Poema de M.C.G.N.

(O autor é da opinião do amigo acerca dos poetas que usam fábulas nas suas obras, para oferecerem às damas que amam. Por vezes, estas não os compreendem. Dá o exemplo de "Romfard poeta Francez" que fez a uma taberneira um soneto e incluiu nele a Ilídia de Homero. No entanto diz que não se pode condenar aos antigos da mesma forma que os modernos. "Não he justo, diseres que era necessario que as amigas de Ovidio fossem muy sabias para entenderem as suas Epistolas he sem rasão". Advoga que na antiguidade eram comuns as fábulas porque faziam parte da religião e que todos as conheciam, enquanto que nos modernos faziam parte de erudição própria.)
(...)
"Creyo que não havia pessoa alguma em Roma (...) que não soubesse que Marte era o Deos da Guerra, e que Venus era a Deosa da Formosura (...)
Quanto aos Poetas Modernos tendes rasão, e quanto aos Antigos esta he minha. Quanto ao estilo deste poeta não sei o que vos diga (...) Diz Quintiliano que quanto mais hum Escritor será escuro, tanto mais será inferior. Ert ergo etiam obscurior, quo quisque deterior. Se Quintiliano falou com os Poetas quando falou com os Escritores, he o que eu não posso decidir. (...) Julgo que hum dos mayores vicios do discurso he a falta de Clareza, e sigo sempre o fim para que falamos he somente para que nos entendão. Este Poeta verdadeyramente he escuro, porem a escuridade que para muitos he defeito para outros he perfeição. (...) Muitas veses me tendes dito mais veses que seria delicto deyxar de ama-lo. No tempo de Tito Livio houve hum Reytor tão amante dos escritos dificultosos, que exhortava os seus Discipulos a seguirem a escuridade (...) Diz o mesmo Quintiliano, que o mayor elogio que se podia fazer a qualquer composição daquella escola era o de dizer, nada comprehendo. Lycophron foi do mesmo gosto protestando publicamente que se enforcaria, se se achasse um homem que entendesse o seu Poema da Prophecia de Cassandra. (...)
Comparo estes estilos áquelles lugares subterraneos, onde o ar he tão denso, e abafadiço, que todas as luses que nelles entrão se apagão. (...)
Seria loucura duvidar dos mysterios que não alcançamos, e seria ignorância criticar as obras só porque as não entendemos. A deste Poeta póde ser hum Thesouro, e póde ser hum nada. (...)
O escuro tambem tem seus grandes na minha Terra. Quanto mayor he menos se vê, he o enigma com que definimos em Portugal aquelles escuros tenebrosos... (...)
Disey a vosso irmão, e minha Senhora, que a verdadeira força para vencer o Amor consiste no valor de lhe saber fogir..."
Vienna de Austria, 16 de Janeyro de 1738
(Carta III, Tomo III, pp. 15, 16, 17,18)
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Nesta Carta o autor dá, através da comparação que faz, uma perfeita demonstração da sua ideia sobre estes "estilos obscuros" que eram uso no período Barroco que se vivia e no qual ele tinha sido educado. Faz mesmo referência à literatura do Portugal, seu contemporâneo, onde existiam "aquelles escuros tenebrosos". Ele era, mesmo defendendo os Antigos, e recorrendo a Quintiliano como exemplo, um autor Moderno da literatura portuguesa, um iluminista que queria tornar claro o discurso literário. Já não se integrava nesses "escuros...grandes" da sua terra. A literatura, se é um Tesouro, mesmo num subterrâneo, brilhará. Ela será a própria luz acesa ao fundo do túnel. Tudo mais "póde ser hum nada". Quanto à "verdadeira força para vencer o Amor consiste no valor de lhe saber fugir."

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