Conclusão
(Continuação)
"As fontes da sua erudição foram continentais e inglesas, católicas e protestantes. (...) Oliveira apresentou-se como um moderno, inimigo jurado da tradição escolástica peninsular... (...) O alheamento em que Portugal se mantinha do cartesianismo e do experimentalismo científico nascente (...) significava uma voluntária preferência pela especulação de base aristotélica e tomista à qual os Conimbricenses deram renovado brilho (...) Embora conheça Spinosa, Descartes e Malebranche, o interesse filosófico nunca chegou verdadeiramente a prendê-lo. Orientado para os estudos eruditos desde os primeiros anos, o pendor historicista acentuou-se ... (...) e enuncia o desejo de ver introduzidas em Portugal as «luzes» modernas, (...) desacredita os tradicionalistas que continuavam teimosamente aferrados a Aristóteles. (...) Para Oliveira, o nosso isolamento intelectual devia atribuir-se, não a uma política nacional sancionada pelos monarcas, mas única e simplesmente à omnipotência do Santo-Ofício". (Idem, pp.186,193,196)
Dirigindo-se no Discours Páthétique a D. José I, recomenda-lhe a leitura dos Manuscritos do Padre António Vieira e "indica-lhe a sua existência na própria Biblioteca Real, copiados por ele mesmo e por seu pai. (...) Padre António Vieira que no século XVII, D. Luís da Cunha, Verney e outros no século XVIII, propunham a reforma da inquisição como medida essencial para o saneamento da sociedade portuguesa." (Idem, pp.202, 204)
Não só nas Cartas Familiares mas também n'O Amusement Periodique, o escritor utilizou "a mais fina ironia que alterna com a mais compacta erudição, o comentário histórico e a doutrinação reformista, as memórias do passado com as ansiedades e aspirações do presente. (...)
No seu exílio londrino a personalidade altera-se-lhe profundamente (...) a surdez que havia anos o afligia tornava maior a sua reclusão (...) estavam-lhe vedadas, as diversões antigas, a música o teatro, a ópera...(...) Apreciador da feminilidade discreta e natural, o filósofo austero vinga-se sentenciando em prosa e verso sobre o orgulho das beldades". (Idem,pp.224/5/6/7)
Acaba por se tornar quase vegetariano e, virtuoso, protegeu, inclusive, os animais domésticos. Longe estava o homem que experimentava as suas espadas nos gatos ou cães das redondezas. Era "amigo do género humano, cidadão do mundo, e da sua humanidade... (...) A ideia da pobreza persegue-o sem cessar. (...) Que resta ao filósofo pobre senão fazer da pobreza filosofia? Sob a invocação de Séneca, disserta acerca da instabilidade da fortuna, passa em revista o cortejo de homens ilustres que morreram na miséria, sublima a desilusão em cântico à aurea mediocritas horaciana." (Idem, pp.228/9)
Para terminar, não podia deixar de falar nos seus escritos sobre o terramoto de 1755. Foram, segundo António G. Rodrigues, os que mais vezes se reimprimiram, "da enxurrada de publicações efémeras que a catástrofe desencadeou. (...) Os «filósofos» - nome que então se dava aos cultores das ciências naturais - não deixaram de vir a lume com explicações (...) que constituem um esforço fantástico de compreensão. (...) Oliveira, lançou-se a escrever febrilmente." Ele "era dos raros em Londres que poderiam falar com conhecimento de causa e em simpatia espiritual com as relações do público britânico." (Idem, pp.250)
O mesmo autor diz-nos ainda que "nada melhor que as conhecidas páginas de Goethe para nos transmitir uma ideia da impressão que o terramoto causou em toda a Europa. (...) Voltaire, Rosseau, Wesley, Feijóo, Diderot, Johnson, Kant, todos (...) nos legaram testemunho." (Idem, pp.230) Oliveira também se pronunciou.
Recordo por fim, os que se fizeram o obséquio de ser seus amigos. Hohn James Majendie, cónego anglicano, em Windsor, professor da Rainha Carlota e tutor dos seus filhos, tinha lugar especial nas suas memórias dos tempos londrinos. Ambos tinham laços familiares em Portugal e viria a tornar-se seu amigo na desdita. Merece referência o Dr. Mathieu Maty, médico que se correspondia "com a maior parte dos sábios da Europa," (Idem, pp.290) e o Dr. Jacob de Castro Sarmento que assinava o seu periódico, e era também um emigrado, que veio a ter papel primordial na nossa "história da medicina, na reforma da educação, e na introdução da filosofia moderna em Portugal," assim como, provavelmente, João Jacinto de Magalhães" (Idem, pp.292/3), e Ribeiro Sanches. Aqui fica um especial destaque para o seu amigo, David Alves Rebelo, que lhe terá feito o elogio fúnebre, a 18 de Outubro de 1783. Assinava-se o Tratado de Versalhes. Seis anos depois iria vigorar a Declaração dos Direitos dos Homens. As suas Cartas Familiares, as suas obras, pugnaram por isso.
Na companhia da sua "carinhosa esposa" Francoise, resistiu, Cavaleiro de Oliveira, até aos oitenta e um anos. Ele "conservou sempre a alma latina e a sua larga vida (...) foi sempre," escreverá: «acompanhada do desgosto de ser obrigado a sacrificar à minha consciência, e aos meios da minha salvação, as delícias, as doçuras, as conveniências e as rigorosas saudades da sempre querida Pátria.» (in: Tratado - Anti-Cristo, pp. 20) (Idem, pp. 289, 295)
A todos os que o protegeram e desampararam se aplica a sua Carta LXXV, Tomo II, com a história moral de Nathan e Mitridates, dedicada à Condessa de Roecaberti, onde escreve:
(...)
"Me serve de muita vaidade dar-me V. E. o emprego de Contador de Histórias, que sendo exercício que deyxey na idade de dez annos pouco mais ou menos, despresando-o como officio de criança, me enobrece agora com o título de grande homem que V. E. he servida conferir-me nesta materia. A Historia de Nathan e Mitridates tambem he grande e he a seguinte:" (pp432/3)
(Nathan de "ilustre nascimento" era rico e benfeitor, e ajudava prodigamente. Mitridates era igualmente rico e resolveu imitar Nathan, mas não era tão generoso nem se livrava de ser invejoso. Nathan dava sem contar as vezes que dava, e Mitridates contava as vezes que ofertava. Depois de tentar destruir Nathan, e este o ter deixado tudo fazer para o conseguir, Mitridates vê que era impossível igualar as boas acções de Nathan e arrependido regressa ao seu palácio.)
Eis o título que assenta a Cavaleiro de Oliveira e o "enobrece" como um "grande homem": "Contador de Histórias". Deixar aqui a sua voz foi o objectivo.
Ele vive, apesar de tudo, porque o seu espírito, não se consumiu no fogo dos que o desampararam, encontramo-lo no Carácter histórico, moral e filosófico das suas Cartas Familiares, na sua erudição.
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