Carta 18
A' Princesa de Valaquia, a respeito do caracter que observo nas Obras Poeticas dos Italianos, dos Franceses &c.
(Conta esta Carta um sonho, como se fosse uma bela história, em que a personagem vai à procura do Monte Parnaso. Durante a viagem encontra diversos caminheiros que vão ao mesmo. Tenta entrar no Monte Sagrado.)
(...)
"Vindo da parte contraria hum grande rancho de Damas de todas as idades, estados, condiçoens, e Naçoens do Mundo, e sabendo o meu Gentil companheyro que vinhão aflictissimas por lhe negarem a entrada do Parnaso, entrou no empenho de as divertir, e de as consolar cantando-lhes diversos Menuetes, e informando-as da variedade, e da novidade das modas que elas achariam em Paris... (...)
Vendo que o meu Poeta Francez se havia de demorar muito com o encontro parti ... (...) pois que o vi em postura de ordenar huma contradança para mayor divertimento... (...) Vendo eu (...) um homem que me pareceo Portuguez corri apressado para o alcançar. Quando o consegui achei-me com hum homem soberbo que não se dignando de olhar para os outros homens, invocava continuamente as Musas, e ao mesmo tempo os Santos. Perguntei-lhe se estavamos já perto do Parnaso. Respondeu-me em Castelhano travamos conversação muy facilmente. Depois de me diser que era neto de Gongora, filho de Vlhoa, genro de Quevedo, irmão de Salasar, primo direyto de Montalvan, cunhado de Zabaleta, e pay de alguns pequenos poetas... (...) divisey hum homem que a grandes passos se avisinhava do Monte. Conhecendo que era meu compatriota pelo bem que tocava o Outavado em huma viola, fiz tal carreira para o conhecer, e para o abraçar que faltando-me os pés dey com todo o meu corpo no meyo do chão, onde me trataria sem duvida muito mal a não ser a quantidade de flor de de Laranja, de Alecrim, de Mangerona, e de outras flores, e folhas odoriferas de que o mesmo chão estava coberto, e que o dito Portuguez, hia espalhando por todo o caminho.
Perguntou-me esta Rapaz se eu tinha escrito alguma cousa? Disse-lhe que depois de entrar na Escolla do Senhor Francisco Martins, morador a S. Christovão de Lisboa, até ao presente que tinha entrado em casa do Senhor Conde de Tarouca Ministro de Portugal, e Residente na Esplanada de Vienna que não fizera outra cousa. E que versos tendes vós composto? (...) Dizendo-lhe ingenuamente que eu nunca fisera versos (porque até aos rapases gosto muito de falar verdade) me advertio que me cançára de balde em fazer todo aquelle caminho, porque não era dos que escrevião em Prosa. Palavras não erão ditas chega o Portuguez ao Monte, e conhecido dos seus Habitadores exque sahe huma tropa delles a recebelo. Disse-me o Rapaz que se presava de conhecer todos que entre elles estava Homero, Virgilio, Camoens, Tasso, Fontaine, Garcilasso, Milton, e outros semelhantes. (...) Aquelle a que elle chamava Camoens se elevava tanto á figura gigantesca de todos os outros, que para diser a V. A. em huma palavra tive medo de me achar na sua presença. (...)
Acordey (...) vi que era dia claro, e que tudo o que tinha passado por mim não era mais do que hum sonho. (...) Agradarem-me mais os fructos, as flores, e os cheyros que o meu compatriota espalhava no caminho do Monte Parnaso, e não lhe diser que os cachimbos, os queijos, as manteigas, os vinhos, os salkraus, as modas, os rosbifs, as moscas, as borboletas, as limonadas, e os chocolates das outras Naçoens não tenham tambem sua bondade, e sua galantaria... (...)
Agora dirá V.ª que eu sou doudo com as cousas da minha Terra. Assim he Senhora eu o confesso..."
Vienna de Austria, 8 de Abril de 1737
(Carta XXVII, Tomo II, pp. 132, 137/8/140/1/2/3/4)
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Nesta Carta, o autor mostra o profundo orgulho que tem pelos poetas portugueses. Camões figura ao lado de Homero e de Virgílio e eleva-se "à figura gigantesca de todos os outros". Através de uma faceta irónica e satírica comenta as qualidades dos diversos poetas que vai encontrando pelo caminho. Observa-os com o seu sentido crítico e, por fim, diz que prefere "os frutos, as flores e os cheiros" da poesia portuguesa. Se por ele escrever em prosa não tem entrada no Monte Parnaso, não deixa de sonhar que se encontrou junto dos seus habitantes, e que teve medo de de se achar na presença de Camões. Na sua bondade natural não deixa de reconhecer aos escritores de todas as nações a sua própria galanteria.
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