quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Cartas Familiares de Cavaleiro de Oliveira

Carta 12

A Monsieur de M. a respeito do Agradecimento.

(Esta Carta começa por referir os Pagãos que quando recebiam em sua casa muito bem, com grande generosidade, só pretendiam o Agradecimento.)

"Que generosidade! Acha-se hoje semelhante gente?"

(Conta seguidamente o exemplo de Aronte que saiu do seu convento devido a um "Commercio de Amor" e que por interesse se converteu ao Calvinismo. Acabou por ter de sair do seu país, e foi recolhido em casa de um filósofo. Como hóspede, pagou com a ingratidão, ao fazer da esposa do filósofo sua criada, e ao fim de quatro anos de viver em sua casa lhe ter levantado um "libelo infamatório.")

"Seria possivel que presando-se tambem Aronte de Philosopho, obrasse de hum modo tão oposto á Ley natural se não fosse Frade?" (Interroga-se o autor, mostrando bem a sua repulsa pelo mau exemplo de alguns frades indignos, o que é uma constante na sua literatura epístular.)
(...) "Conforma a judiciosa observação de Cicero, (1) não há obrigação mais indispensavel do que a de fazer bem aquelles de quem o temos recebido. Se o Poeta Hesiodo, como diz o mesmo Cicero ordena que aquelles que pedem emprestado alguma cousa a paguem com usura se he possivel, que he o que nós devemos praticar para mostrar o nosso reconhecimento áquelles que nos distribuírão os seus bens, e os seus favores sem que lhos pedissemos, e sem que tivessem a menor esperança de recompensa? (...)
Há duas sortes de Liberdades. A primeyra consiste em fazer o bem por pura generosidade, e a segunda em fase-lo por força do Agradecimento. (...)
Non reddere viro bono non licet, modo id facere possit sine injuria. (1) Observay que se Cicero mete o Agradecimento com a ideia da Liberalidade, he porque diz Puffendorf, (2) que nenhumas destas virtudes segue regras tão fixas como as da Justiça, a qual ordena que se retribua precisamente tudo o que se deve por contrato. A infame acção de Aronte me fez olhar novamente para as excellencias de Cicero, e me deo occasião de vos communicar mais huma vez o meu pensamento." ...
(1) Cícero, De Offic. L. I cap.15
(2) Droit de la Nature & des Gens, Tomo III Ch. III.

Vienna de Austria, 9 de Mayo de 1737
(Carta XXXVI, Tomo II, pp.193, 195/6/7)
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A interrogativa como processo retórico muito comum ao filósofo que tudo questiona, surge recorrentemente nos textos das Cartas de Oliveira. Seria possível que Aronte procedesse de um modo tão desprezível se não fosse frade? Ele que se tinha por filósofo? Cícero ordena que se mostre reconhecimento pelo bem que se recebe, assim como Hesíodo. o Agradecimento aliado à ideia de Liberalidade, surge em Cícero, como virtude própria da Justiça que manda retribuir o bem com o bem. O autor reconhece que o visita para melhor expressar o seu próprio pensamento, perante a acção infame de Aronte.


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