segunda-feira, 28 de novembro de 2011

O VALOR DA POESIA

O POETA E A POESIA COMO EDUCADORES

Quando escrevemos num texto a palavra valor, a imagem íntima da mesma revela-nos qualquer coisa como quantificável. A prata? O ouro? A platina? Então verificamos que a palavra valor adquire velozmente no pensamento os mais diversos sentidos. Como foi aplicada ao longo dos tempos em relação à poesia? Qual é o valor da poesia? Poderá ser quantificável? Qualificável? Não tem valor? A poesia acontece. É. É o tudo que pode ser o nada. Para alguns. Para outros é sentimento e razão de ser. Impossível de transaccionar ou de se lhe atribuir valor.
O que é a poesia? É razão de viver. Em tudo poderemos ver poesia? Que parâmetros? Desde tempos imemoriais, milénios talvez, que estas ou outras interrogações se põem. Na verdade, sabemos, como nos diz a sextina de Diogo Bernardes, que "Querem trabalho e tempo as altas Musas". Ora trabalho e tempo são ontem e hoje, talvez mais do que nunca, quantificáveis. Representam diversos valores. É também o poeta que diz que a tarefa de fazer poesia não se compadece com o "ócio vil", porque "não se descobre sempre a luz de Febo". É a pouco e pouco. Surge como "metáfora de viagem", que leva a "trilhar corajosamente o caminho áspero."(39)
Isto porque a mitologia grega colocou "Apolo ou Febo, deus da poesia," lá nos píncaros do Pindo ou do Parnaso! Verdadeiramente esta é a realidade; longa e dura a caminhada. Assim sendo, a vida do poeta é comparável à de Sísifo que vai tentanto subir e elevar a sua voz a Febo. Quantas vezes recomeçando? As vezes que forem precisas. Também Cícero assim o fez. Ele mesmo refere que ao estudo se consagrou, e que viveu para ele de tal modo, que "nem o lazer o atraíu, nem os prazeres o arredaram, nem, enfim, o sono o retardou." (40) A este autor não faltou o ânimo. Ele sim, foi naturalmente coroado "Da sua (que foi Ninfa) planta verde".
Então o valor da poesia reside na sua dignidade? Sim. Digna a poesia e os poetas, porque eles são "os depositários e continuadores de um credo tão antigo como Apolo, Orfeu, e as Musas."(41) Mas perante este tão grande valor, inquantificável, surge o "Domine non sum dignus"(42) que leva o poeta a sentir-se pequeno perante tão imensa tarefa! Elevar-se face à "essência divina", como era vista a poesia, "conceito de tradição pitagórica e platónica."
Vejamos então vários opiniões sobre o assumto: já Pindaro, nos séculos IV e V a.C. fala sobre o valor de poesia, através de Epodo:

Eu abrasarei com meus cantos fogosos
Essa cidade bem amada,
E, mais rápido que o cavalo magnífico
E que o alado navio, espalharei este louvor
Por toda a parte,
Se, com mão assinalada pela sorte, eu sei cultivar
O jardim priviligiado das Graças. São elas
Que concedem todo o deleite. Os homens, esses valem
Conforme os deuses concedem
Pela coragem ou pela arte..........................

(Olímpicas, IX, 21.29) (43)

O valor da poesia está aqui elucidamente expresso. "Uma mão assinalada pela sorte" que poderemos equiparar à inspiração das Musas quando o poeta escreve, mas também à sorte de saber "limar", como dizia mais tarde Horácio na sua «Arte Poética», as arestas, aquilo que não se insira dentro dos contornos do quadro que se pinta. Então, ao poeta será dado o poder de criar cantos maviosos, fogosos, em louvor da cidade, pelo seu encanto poético e deleitoso. Assim, a sua pena terá maior poder e rapidez que o "cavalo magnífico" ou um presumível "alado navio", para espalhar as Graças concedidas e cultivadas quais flores do mais mimoso jardim.

(continua)

sábado, 26 de novembro de 2011

"Segui, senhor, segui o brando Febo"...

Diogo Bernardes diz-nos nesta sextina, que vou transcrever, (mesmo que incompleta), o seguinte: "Querem trabalho e tempo as altas Musas"... É neste trabalho, neste valor da poesia e consequentemente do poeta,neste coroar-se "do louro verde", neste "firme peito", que reside a defesa de Archia. Mas passemos à leitura:

Se pretendeis, senhor, do louro verde
O prémio alcançar da mão de Febo,
No fresco Pindo celebrado monte,
Não deixeis de seguir pelo caminho
Que começastes, com louvor das Musas,
Que tudo vence um valeroso peito.

Em ócio vil um grande e forte peito
Passar não deixa a sua idade verde:
Querem trabalho e tempo as altas Musas;
Não se descobre sempre a luz de Febo,
Pouco a pouco se mostra o bom caminho
Por antre as brenhas do cerrado monte.
(...)
Segui, senhor, segui o brando Febo,
Pois sempre vos guiou por bom caminho,
Inspirando de novo em vosso peito
Segredos altos, que convém às Musas,
Pera vos dar capela, no seu monte,
Da sua(que foi Ninfa) planta verde.

Ora seco, ora verde, o seu caminho
Nos mostra Febo, cumpre firme peito
Pera das Musas cultivar o monte.

Diogo Bernardes (37)

Pró-Archia ou Pró-Cícero (fim de cap.)

O que me surgiu como mais curioso foi verificar que a sua presença se tornou uma "constante imperiosa na côrte dos Príncipes de Avis."(31) De facto, "De Officciis" (ou livro dos deveres) foi traduzido pelo Infante D. Pedro, que dedicou a obra ao seu irmão, o Rei D. Duarte, que irá utilizá-lo em alguns dos capítulos do seu "Leal Conselheiro" e o citará como mestre de arte retórica. Numa das suas obras, é mencionado também o "Sonho de Scipion, o Africano."(32)Talvez prenúncio das preocupações do Rei D. Duarte com as descobertas e a expansão portuguesa.
Ainda da casa de Avis nos chegam ecos da dialéctica ciceroniana em torno da amizade, no "Prólloguo do IV Nobiliário,"de D. Pedro, Conde de Barcelos, estabelecendo os limites e deveres da afeição: "E os amigos verdadeiros devem-se guardar em sas palavras de dizer cousa per que seus amigos nom venham a fama ou a mal, ca per i se desataria a amizade. e nom se devem mover a crer de ligeiro as cousas que lhes deles digam de mal e devem-se guardar segredos e nom devem retraer as obras que se fizerem."(33) Seria também "na fundamentação das afeições" que Cícero é citado por Fernão Lopes, no "Prólogo da Crónica de D. João I": 'E assi parece que o sentiu Túlio, quando veio a dizer: Nós não somos nados a nós mesmos, porque uma parte de nós tem a Terra e outra os parentes',"(34)
Sabemos ainda que "na Renascença, o entusiasmo por ele foi ilimitado. No séc. XVII, os seus discursos foram estudados a sério e a sua leitura era recomendada aos pregadores."(35) Também, e inevitavelmente, Camões era leitor de Cícero, e «Os Lusíadas» isso refletem, pois,tal como ele, refere Homero e as várias cidades que o queriam como seu cidadão:

Esse, que bebeu tanto da água Aónia,
sobre quem tem contenda peregrina,
entre si,Rodes, Smirna, e Colofónia,
Atenas, Io, Argo e Salamina.

(canto V, 87,1-4)

E é visível "a influência de Cícero em Rodrigues Lobo, no seu livro «A Corte na Adeia.» (36)
Seria difícil de enumerar toda a importância que a obra deste grande orador e literato teve ao longo dos tempos. Na verdade, nasceu em 106 a.C. e teria por volta de 44 anos em 62 a.C., quando fez a defesa de Archia. Naturalmente que toda a sua formação espiritual e política-filosófica estava solidamente estruturada. Por esse motivo, penso que toda esta dialéctica ciceroniana em torno da amizade, - que tanto veio a influenciar a literatura dos séculos XVI, XVII e XVIII -, já estava presente na sua formação quando o orador se dispôs à defesa de Archia, creio mesmo que mais do que uma presumível obra que este poeta lhe prometera em louvor do seu consulado. Só realmente Cícero, que em tão alto grau tinha a amizade, a cultura, e a poesia, se proporia a fazê-lo.

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Pro-Archia ou Pro - Cícero? (Continuação)

De certo modo, todos os atributos e qualidades literárias de Cícero eram em si mesmas uma mescla de sabedoria e pendor poético-filosófico grego, aliado ao pragmatismo da artificialidade literária latina. Sabemos que a sua literatura de origem era "aristocrática(...) em que um escol escreve para um escol."(23)Sabemos também que a literatura grega era sentida e participada por uma grande maioria. De uma expressiva oralidade, cultivava "a harmonia e o ritmo", dirigia-se ao "homem total,"(24)necessitava e buscava a comunicação. Ora Cícero parece-me um homem cosmopolita, mesmo que a sua opinião fosse "sempre a de que os romanos foram em tudo criadores mais sábios do que os gregos, ou melhoraram aquilo que com eles aprenderam."(25)Há como que uma aceitação plena e antecipada, de uma cultura sem fronteiras. Talvez por isso, Cícero tenha sido apelidado de o "maior literato". Conseguiu reunir em si uma aristocracia plena, em questão de estética literária e ao mesmo tempo a singeleza natural e verdadeira, dada aos que amam as letras, a poesia, e que por isso obtêm igualmente essa aristocracia mesmo quando de origem humilde, que é o que encontramos na cultura grega.
São suas as seguintes palavras: "procurava eu com afinco e muitas vezes pensava por que maneira poderia ser útil ao maior número, para não deixar de alguma vez me preocupar com a comunidade. E nenhuma coisa mais importante me ocorria do que facultar aos meus concidadãos o acesso às humanidades, objectivo que creio ter alcançado já com muitos livros."(26)
Eis que este espírito de partilhar a sua cultura me surge tendencialmente grego, a que não poderá ser alheia toda a sabedoria que Cícero colheu da sua estadia na Grécia e na Ásia. "Antíoco de Ascalão, chefe da Academia (...) cujo ensino se esforça por conciliar Aristóteles e Platão com os estóicos,"(27)Mólon e outros foram seus professores; ouviu Fedro, Zenão de Sídon e Posidónio. Assim sendo, o que protagniza nesta defesa talvez seja a sua própria defesa na defesa de Archia. É o desejo secreto de obter um salvo-conduto, para que a literatura, as humanidades gregas, penetrem livremente na literatura latina. Ao ganhar a causa (o que parece certo),encontramos como que um sabor agridoce, do prazer de uma união plena e anticipada, em que os vencidos se tornam vencedores (como dirá Horácio). O diálogo grego, a filosofia platónica e aristotélica, o seu teatro, a sua poesia lírica penetraram na sociedade romana, à medida que cidadãos gregos eram aceites como cidadãos romanos de pleno direito.
Essa conjugação foi obtida por Cícero na sua obra, qualificada como um "quadro perfeito da civilização greco-romana."(28) Esse quadro, essa pintura que nos faz vislumbrar o Monte Parnaso, ou ouvir as suaves fontes, as águas que em cascata entoam murmúrios doces quando se espraiam nos verdes prados, é a escrita eterna de Cícero.
Sabemos que Petrarca foi um seu estudioso. "Entre o séc. XIV e XV encontrou e copiou o «Pró-Archia». Durante toda a Idade Média as suas obras "prestavam-se(...) como esplêndidamente adequadas à fundamentação do estoicismo moral que determinava um dos importantes parâmetros da reflexão cristã."(30)Cícero encontra-se na escrita medieval como "uma autoridade moral."

(continua)

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Pro-Archia ou Pro - Cícero?

"A dialéctica Ciceroniana em torno da amizade"

A sua obra como "quadro quadro perfeito da civilização greco-romana"

Saint-Beuve considerou Cícero o maior literato de todos os tempos. A somar a este atributo junta-se-lhe o de "maior orador de Roma, o de prosador por excelência."(17)Para isso terá contribuído "o seu estilo clássico,natural, verdadeiro, sem constrangimento nem rigidez, musical e harmonioso." Ainda segundo J.N. Figueiredo, nos seus discursos encontramos "vigor e riqueza de ritmo."(18)
Terão sido, naturalmente, todos estes atributos que, aliados ao pendor que CíCícero colocava na questão da amizade, pesaram na balança em favor de Archia. Igualmente terá favorecido a eventual concessão da cidadania o ter sido o irmão do orador, Quinto Túlio Cícero, quem presidiu ao julgamento. Também este era possuidor de "uma grande cultura, e dado às letras, (...) para além de político e distinto militar.(19)
Na verdade, Cícero ao referir que Archia não só celebrou "a guerra Mitridática, longa e difícil," mas também cantou louvores a Roma, como Énio o havia feito(durante a segunda guerra púnica) e, por isso, "foi caro ao primeiro Africano"(20) fazia o apelo à aceitação da cultura grega, originária do poeta. Ele próprio dirá: "Ora, se alguém se julga poder obter menor nomeada de versos gregos do que dos latinos, profundamente se engana: as obras gregas são lidas em quase todo mundo, as latinas estão confinadas às suas fronteiras evidentemente exíguas."(21)(Mais tarde Horácio defenderá também que "os escritores latinos devem formar o seu gosto na leitura das letras gregas.")(22)
Note-se que a ascendência literária do réu era a de um poeta helénico, mesmo que integrado na sociedade romana há longos anos. Em parte, é por esse motivo que surge a questão se Cícero ao fazer a defesa de Archia, não faz igualmente a sua própria defesa (tendo em conta que também pretenderia apaziguar as suas relações com a família dos lúculos.) Pugnava pela aceitação plena da interpenetração da cultura helénica na cultura romana.

(continua)

domingo, 20 de novembro de 2011

Introdução (continuação)

"Se o réu, com as suas lições literárias, foi o primeiro a prepará-lo para a eloquência", e se fez dele "um perfeito orador"(5), permitindo-lhe socorrer a muitos réus, então Archia merecia ser defendido pelo seu aluno. Este será o raciocínio silogístico do Exórdio. O seu talento (ingenium), a prática oratória (exercitatio dicendi) e os seus conhecimentos teóricos (ratio), dotes que considerava indispensáveis a um bom orador, ter-lhe-iam sido acrescentados por "este Archia", que muitas vezes viu "dizer de improviso, sem escrever uma só letra, grande número de magníficos versos sobre os próprios factos que então ocorriam"(6)
É visível antecipadamente que Cícero se declara "discípulo de um poeta"(7) e como isso é motivo de orgulho para si próprio. Se atentarmos que a este julgamento estariam presentes "as mais ilustres famílias romanas referidas no discurso",(8)então ainda mais reforçamos a tese de que, para além da defesa da cidadania de Archia, Cícero pretendia fazer chegar a esse público, "fina-flor das letras desse tempo",(8)uma mensagem mais profunda. Que era a sua. Esta seria a necessidade de se considerar a importância da poesia e o culto das letras.
Quer seja no Exórdio, na Narração, na Confirmação, na Extra Causa, ou na Peroração, estão sempre múltiplas ideias: o cultivo do espírito, a instrução, como "cultivo da virtude",(9) e o papel que a poesia desempenha nesses "estudos humanísticos e literários", "que nutrem a juventude, distraem a velhice, realçam os momentos felizes, proporciam refúgio e conforto nos infelizes".(9)Esse cultivo do espírito é proporcionado por "aqueles cujo talento" os faz pertencer "ao número dos que são tidos e havidos por sagrados"(9): os poetas.
Da sua leitura resultará, paulatinamente, um imenso gosto e prazer de conhecer.Aqui realço o papel do professor como um dos primeiros incentivadores dos hábitos de leitura. Recordo o que dizia A. Ramos Rosa ao responder à questão que lhe era posta sobre o porquê de ser poeta: "Talvez eu seja poeta, porque sempre fui um leitor apaixonado".(10)
A paixão da leitura levará à constatação de que "todos os conhecimentos relativos à cultura humana têm como que um vínculo comum e estão ligados por uma espécie de parentesco"(11)Por isso, Cícero pretendia discorrer "livremente sobre os estudos humanísticos e literários".(12)Eles possibilitavam dissertar sobre uma infinda "variedade de questões"(12) quotidianamente, e verificar também "que nada há superior à eloquência para manter os agregados humanos, seduzir o espírito, levar as vontades".(13)Essa eloquência, onde aquirí-la? Aprendendo "com homens muito ilustres e eruditos (...)regras e teorias e com os poetas que valem pela sua própria natureza(...) como que inspirados por um bafejo divino"(14)
Poderemos, ao longo de toda a obra de Cícero, verificar este incentivo à leitura, à poesia, à arte de dizer. Ele próprio escreverá in O Orador:
"Realmente, que doação maior ou melhor poderemos fazer à comunidade do que ensinar e instruir a juventude?"(15)
Esta seria a "dívida" que Cícero tinha para com Archia. Ele o havia instruído, tinha sido seu mestre. Havia que fazer Justiça. E a justiça se confunde com aquele equilíbrio das coisas, com aquela ordem do mundo onde o poeta quer integrar o seu canto".(16)

sábado, 19 de novembro de 2011

A poesia

Com um quadro de Rafael intitulado "a poesia"(Vaticano)fiz a primeira página deste trabalho para "História de Cultura ´Clássica", cadeira de opção, que levei a cabo no 3º ano da faculdade. Este trabalho pertence a um grupo de quinze que foram registados com o título: "Rever o Sonho e Fazer História."Por esse motivo, todos os trabalhos têm direitos de autor. Decidi começar a publicá-lo na minha "biblioteca," (o meu blogue), tal como foi escrito na época.Vamos a isso!

"A pintura é poesia muda
A poesia imagem que fala.(1)

Simónides de Keos (séc. VI a. C)

Quid in lingua latina
excellentius Cicerone
inveniri potest? (2)

S.to Agostinho
"De Magistro"

Introdução

A importância do mestre na formação do discípulo continua a ser uma constante nos meus trabalhos, porque é em mim uma "ideia fixa".(3)
De facto, quando iniciei as pesquisas para escrever sobre "Pro Archia" esperava encontrar uma obra que atestasse o merecimento deste como poeta. Mas não. Nada existe da sua obra. Ter-se-á perdido.
Do que li a esse propósito, ficou-me a impressão que este "excelso poeta e homem de larga erudição"(4) o foi mais, ainda, nas palavras de Cícero, seu discípulo, que o imortalizou. Porém, mesmo que a sua obra não tivesse tido "grande merecimento"(5), e que Archia pouco mais fosse "do que um improvisador fácil e brilhante"(5), ele contribuiu, como seu professor - e o próprio Cícero o reconhece- para a perfeição da sua oratória. Possivelmente para o seu gosto pela poesia.

(continua)

domingo, 13 de novembro de 2011

Cultura clássica precisa-se! (?)

Associada à cultura greco-latina o que temos é, basicamente, uma herança. A nível de contemplação de obras de arte, ou ao nível de conceitos de mundividência. Humanismo - conceito de humanitas que a cultura greco-latina nos legou.Pertence este legado à ideia de chão, à relação com a terra =» humus=»humanitas. Teremos nós esta ligação com a "terra" actualmente?
O grego viveu muito para a terra e tinha como conceito de humanismo a dita frase: "Sou Homem e nada do que é humano me é estranho." Poderemos nós com autenticidade dizer que "nada do que é humano" nos é estranho?
O equilíbrio, o meio termo, era cultivado pelos gregos, assim como o rigor e a justiça, que é tipicamente grega. No entanto, viviam para a terra (pagãos)sem pensar muito no divino. Hoje que as sociedades vivem o divino através da cultura Judaico-Cristã e das mais diversas religiões, não estaremos a desviar -nos desse legado ancestral? Dessa Cultura (cultivar a terra)que recebemos como legado? Será porque legado e herança são termos passadistas e hoje utilizámos a palavra património?

[(notas retiradas do PªManuel Antunes, Enciclopédia Luso-Brasileira) Conceito de Cultura, in Mª Helena Rocha Pereira, Enciclopédia Verbo]

Sophia de Melo B Andresen, Eugénio de Andrade, F. Pessoa, Miguel Torga, são poetas dotados de cultura clássica e é neles que o equilíbrio se encontra...
Quanto seria benéfico que as nossas escolas voltassem a este equilíbrio!

Cícero utilizava a palavra "animi" como cultura do espírito identificando-a com a filosofia, - amor da sabedoria -, desenvolvimento que o homem tem do conhecimento de si próprio. O homem ao amar a escola, a prendizagem, está a "cultivar-se para a humanidade"«Excolere se ad humanitas. Cultura como "paideia" para os gregos que Cícero utiliza mais ou menos com a mesma ideia. Estaremos nós a construir um mundo de tecnocratas que não cultivam ou se cultivam para a humanidade?
No séc. XVIII o conceito de cultura era visto pelos alemães como o avanço da humanidade. daí o de Património no sentido histórico. A cultura ou a civilização no sentido antropológico que engloba:
Os conhecimentos
as crenças
a arte
o direito
a moral
os costumes
e todas as outras aptidões e hábitos que o homem adquire enquanto pertença de uma sociedade. Mas que sociedade queremos construir? A de mercado ou aquela que é o "humus" ligada à terra, em que "sendo homens nada do que é humano nos é estranho"?
"A Grécia é a geologia subjacente à paisagem mental da civilização Ocidental. Os gregos defeniram o mapa da nossa geografia conceptual e criaram as categorias segundo as quais ordenamos as nossas percepções."
Quer se queira quer não a vida diária e a Cultura no Ocidente estão cheias de símbolos reconhecidos ou irreconhecíveis, fragmentos e nomes que remontam à Grécia antiga embora por caminhos tortuosos. Byron fez das ruínas um mundo poético, a Grécia era vista como lugar de imaginação. Marx imaginou a Grécia como lugar de início da civilização e do seu sistema materialista. (E hoje? Neste mundo tão materialista em que vivemos esquecemos a Grécia?)
O auto-conhecimento é que leva o Homem a ir à Grécia. É mais cultural que comercial. "O mundo grego era instável, de interrogações, queriam tornar real a perfeição. Por isso os gregos farão sempre parte da reavaliação dos homens, (...) bem no fundo da nossa identidade"

Tablin, Olivier, "O Fogo Grego,"Edi. Gradiva, Lx

sábado, 5 de novembro de 2011

Continuamos a pensar à grega?

Para Miguel Torga "a realização absoluta está na arte".(...)"Foi o encontro da beleza, da verdade e da paz.Levo a fonte comigo". A Grécia e a sua cultura era a sua "fonte".Álvaro de Campos tem um poeta grego dentro de si. E Ricardo Reis(pagão) sentia necessidade de ter conhecimentos da filosofia estóica. A concepção da arte de Fernando Pessoa é grega. "Da Grécia antiga vê-se o mundo inteiro..."
Esta ideia vigorou durante todo o séc. XIX e parte do séc. XX. No final do séc. esta ideia é revigorada. A Grécia utópica não é a actual. Se o séc.VI se fechou à cultura grega, os copistas, (mesmo quando não sabiam ler) continuaram a "plantar" uma cultura a haver. A ideia conduz à acção e a cultura clássica irá tornar-se um "motor" dinâmico a partir do Renascimento. Teremos necessidade de um "novo Renascimento"?
Ainda hoje esta cultura continua a condicionar-nos e a conduzir-nos (apesar de a história e a cultura greco-latina estar tão "arredia" das nossas escolas)Existe um culto da Grécia e, de visita a esta, dá-se uma comunhão entre a natureza e o espírito. "O confronto entre a cultura tecnológica e a cultura humanística tem o seu bastião de defesa na Europa. A cultura clássica é considerada a única que pode tornar-se universal. É a base da formação ." (Ministro Roberto Carneiro em discurso na UC). Um sexto (1/6) da população nestes anos 2000 falam línguas neo-latinas e terão como matriz a cultura greco-latina na sua base civilizacional.
No social está o ideológico - por isso a dificuldade da Europa se unir neste campo - será a cultura greco-latina que poderá vir a uni-la.
Não esqueça-mos a "Paideia" = formação do homem...(pedagogia/pedagogo). Paideia de origem helénica que desabrocha na cultura neo-latina marcou e personalizou a cultura europeia - Actriz de uma civilização.
Seria a Europa a mesma Europa sem a integração da Grécia na Comunidade?