sexta-feira, 29 de junho de 2012

Lições de Cultura e Literatura Portuguesas

Verney continuava, em Roma, a trabalhar num compêndio de Filosofia "destinado revolucionar a formação mental dos Portugueses." Ali foram publicados os livros: Apparatus ad Philosophiam et Theologiam ad usum Lusitanorum  adolescentium, libri Sex; De Re Lógica ad usum Lusitanorum adolescentium; libi quinque; e De Re Metaphisica ad usum Lusitanorum adolescentium.
Cartas suas,  mostram que assumiu o papel de conselheiro do nosso Primeiro Ministro, sobre os assuntos eclesiásticos e que a sua luta contra a Companhia de Jesus encontrava eco no Marquês de Pombal. Sugere a moralização dos mosteiros, através da disciplina rigorosa nas relações entre frades e freiras com medidas de proibição de herdarem, e de terem de executar trabalhos. "Quanto à Inquisição, não oculta as suas antipatias por um tribunal anticristão, invenção de Maomé, boa parte de cujas causas implica uma credulidade só comparável à crueldade dos seus processos. (...) Ele assim resume a sua condenação: «Queste non sono cose che si debbano permettere in un seculo illuminato» (pp.100) (...) Verney autoriza a sua repulsa pelo Santo Ofício com a própria antipatia que lhe vota em Roma, expressa nas diligências de Inocêncio XI para lhe moderar a crueldade dos processos."(in:Nota pp.100) Ele defendia igualmente que "a Ética devia tornar-se independente da Teologia, pois há moral fora do grémio cristão." (pp.103)
Faz a crítica do ensino da Medicina, porque se faziam experiências em carneiros, e se trocava Hipócrates por Galeno. No entanto, data de 1748 "a primeira tentativa de associar em academia os médicos e cientistas de mais moderna cultura. Foi Manuel Gomes de Lima (1727-1806), que primeiro fundou a "Real Academia Cirúrgica Prototypo-Lusitana Portuense, e depois associou-se a ele o Dr. João de Carvalho Salazar e surgiu a Academia Médico-Portolitana sob o patrocínio do Arcebispo de Braga, filho bastardo de D. Pedro II." (pp.182)
Verney pugnava pela observação, para que se pudesse conhecer a "verdadeira causa das coisas". Nascia aquilo que devia constituir o espírito filosófico, crítico, com o gosto pela sabedoria e pela interrogação permanente. Um conhecimento que, forçosamente, levará a conhecer o bem e a estimá-lo. O "narcisismo espiritual dos Portugueses, e a sua falta de independência crítica," traduzia-se "pelo desprezo ou pela desconfiança ante os aspectos diferentes da vida espiritual no estrangeiro." (pp.112) Verney irá lamentar que não se viagem pelo mundo, como os outros povos, para adquirirem um conhecimento de experiência feito.
Também a literatura mereceu a sua atenção de erudito e sobre ela dirá que "o voo engenhoso" logo perde de vista a realidade moral ou física que deve constituir "o permanente objecto de observação humilde e atenta. Considerando a Retórica como a arte de persuadir quere-a generalizada a toda a espécie de discurso" (pp.114). Censura os abusos da imaginação metafórica mas mais ainda os da imaginação dialéctica, utilizados na interpretação do texto bíblico. Sendo o Padre António Vieira visado nesta crítica. Era contra o Cultismo que considerava como jogos de palavras. Tinham que se articular ideias, "Ao critério da beleza antepõe o critério da verdade" (pp.123) e condena o uso abusivo da mitologia pagã, inclusivé n'Os Lusíadas. E os mais belos sonetos de Camões critica como não tendo "graça alguma". (pp.124) Quanto à poesia do século XVIII considerou-a muito artificial.
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(Continua)

quarta-feira, 27 de junho de 2012

Lições de Cultura e Literatura Portuguesas

José Xavier Valadares e Sousa foi poeta muito apreciado no seu tempo, e discípulo da crítica francesa neoclássica. Sob o pseudónimo de Diogo de Novais Pacheco escreveu em 1739 Exame crítico de uma Silva Poética feita à morte da Sereníssima Infanta de Portugal, a Senhora D. Francisca, onde com brilhante erudição, critica todos os excessos do gongorismo praticados pelo "célebre Camões do Rossio," de seu nome Caetano José da Silva Souto Maior. Para esta crítica auxilia-se de todos os autores clássicos e modernos e cita Boileau que ensinava a amar "o explendor da verdade." Cita-o como exemplo: «Rien n'est beau que le vrai; le vrai seul est aimable/ Il  doit règner  partout, et même dans la fable.»
Na verdade - diz H. Cidade - nem a tradução da Arte Poética, (...) nem o Serão Político de Fr. Lucas, nem as Prosas Portuguesas, de Bluteau (...) exemplificavam a crítica neoclássica e os princípios por que se formava o gosto do Século Filosófico: - respeito da natureza e da verdade, lógica adequação da linguagem a uma e a outra." (pp.93) Era um "certo domínio tirânico da razão sobre a fantasia."
O Verdadeiro Método de Estudar, do Barbadinho, pseudónimo do Padre Luís António Verney, iria suplantar todas as críticas e "ódios de estimação," que até aí se tinha feito a qualquer obra. No entanto, ele constitui o verdadeiro ponto de viragem para um tempo novo. "Nada melhor do que ele evidencia o atraso que ainda nos distanciava do mundo culto."(pp.102) 
Nasceu Verney em Lisboa no ano de 1713, filho de um francês e de uma portuguesa. Depois de ter passado pelas mãos dos jesuítas, no Colégio de Santo Antão e em Évora, onde se graduou em Artes e estudou Teologia, partiu Verney para a Itália em 1739, onde refez os seus estudos e defendeu tese em Jurisprudência e Teologia Especulativa e Dogmática.
D. João V, Magnânimo para com as inteligências, protegeu-o e entusiasmou-o na sua actividade reformadora, quando publica o seu livro em 1746, mandou que Sampaio lhe "desse um benefício maior do que o que já tinha. Isto significa que o pedagogista - diga-se embora molestado, «pelos ministros e outras pessoas, as quais sempre embaraçam, para adular os Jesuítas, que sempre me perseguiram com um ódio mortal» - foi todavia estimado pelo Paço à sementeira das ideias reformadoras em que empenhava a sua inteligência e a sua combatividade." (pp.96) O Rei estendeu entretanto a outras ordens religiosas, privilégios que lhes permitiam ensinar. Os Oratorianos iriam ministrar o ensino secundário que era, até então, exclusivo dos Jesuítas.
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(Continua)

segunda-feira, 25 de junho de 2012

Lições de Cultura e Literatura Portuguesas

Hernani Cidade mostra-nos que antes de Verney existiram homens que lhe lavraram os campos, para receber a sua semente. Refere, por isso, ainda os nomes do Dr. José Rodrigues de Abreu, médico de D. João V, que escreveu o livro Historiologia Médica (1735, 1739 e 1752), no qual "facilita ao leitor mais largo percurso pelo mundo das ideias" e Martinho de Mendonça de Pina e de Proença, que, amigo de Abreu, foi um homem muito viajado, e conviveu com homens como Wolfio, S'Gravesande, de quem ouviu conferências sobre os "sistemas e princípios de Leibnitz e Newton. "Na carta que escreve ao amigo, publicada na revista de Filosofia nº 14, num artigo do Dr. Alberto Andrade, podem ver-se as suas ideias de erudito de setecentos," que seguia mais Descartes do que os escolásticos.
Todas estas ideias novas foram transformando, mesmo que timidamente, a própria literatura. Vão surgir as primeiras Academias e com elas a reacção na literatura contra o gongorismo e a escolástica que tinham vigorado longo tempo.
A Academia dos Generosos viveu desde 1647 a 1667. Foi novamente restaurada em 1717. Aí as ideias de Bluteau puderam frutificar, e ele troçará do reportório dos Singulares. Fará a primeira crítica séria à literatura do século XVII. A Academia dos Singulares, de 1663 a 1665, fará ouvir a voz de D. Francisco Manuel de Melo. Em 1669, organizam-se na casa do conde da Ericeira As Conferências Discretas e Eruditas. A Academia Teológica "defendia que não há assunto mais próprio para discursos académicos do que a suma perfeição do ser divino..." (pp.64) Frei Lucas de Santa Catarina que, provavelmente, conheceu Boccacio dos Decamerone, no seu livro Serão Político irá procurar fazer rir os leitores do lirismo gongórico. E D. Francisco Xavier de Meneses vai traduzir a Arte Poética de Boileau.
A Casa do Cunhal das Bolas, no bairro alto, era o "primeiro foco do Século das Luzes"(pp.73). "Ericeira constituía, no ambiente seiscentista, uma excepção" era de uma "cultíssima inteligência" e um mecenas.
A Academia Real da História Portuguesa foi fundada em 1720 por impulso do Padre Manuel Caetano e teve todo o apoio do Rei Magnânimo, D. João V. Criada para escrever a História Eclesiástica destes Reinos, irá ser comparada num discurso do seu fundador ao Danúbio: «Melhor Danúbio do que o Danúbio germânico, porque nasceu da altíssima compreensão de El-Rei Nosso Senhor. E se o Danúbio germânico é uma reunião de sessenta rios, o Danúbio lusitano é um congresso caudaloso de rios de erudição e eloquência...» (pp.82) "Nesta Academia, não se pode negar, houve capacidades para trabalho útil. Basta citar os nomes de Bluteau, Diogo Barbosa de Machado e, sobretudo, D. António Caetano de Sousa, autores respectivamente do Vocabulário, Biblioteca Lusitana e História Genealógica da Casa Portuguesa." (pp.83)
"O marquês do Alegrete, na sua História desta Academia de que foi secretário perpétuo, julga criteriosamente os que nesse campo (da historiografia) tinham até então trabalhado. (...) Hubner diz desta Academia que «apresentou pela primeira vez investigação propriamente histórica em substituição à literatura por assim dizer monástica, em que se haviam baseado até então todas as indagações históricas e arqueológicas.» (pp.84)
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(Continua)
      

sábado, 23 de junho de 2012

Lições de Cultura e Literatura Portuguesas

O Dr. Jacob de Castro Sarmento (1691 - 1762) foi um homem sapiente que se graduou em Artes e Medicina pelas universidades de Évora e Coimbra respectivamente. Partiu para Londres em 1721, e aí, entrou no Real Colégio dos Médicos e na Sociedade Real. Doutorou-se pela Universidade escocesa de Aberdeen, e veio a pertencer ao seu corpo docente. É ele que em Londres irá acolher Ribeiro Sanches. Era um newtoniano convicto, um iluminista. D. João V vai procurar os seus conselhos para "reformar os estudos médicos em Portugal." O médico vai aconselhar o Rei a mandar traduzir a obra de F. Bacon, e a enviar estudantes de mérito para se formarem no estrangeiro. Após concluídos os cursos, estes voltariam para Portugal e aqui ensinariam o que tinham aprendido. Era uma maneira de as escolas se abrirem a novos conhecimentos. Depois de ele mesmo começar a traduzir a obra de Bacon, encarregado pelo conde da Ericeira e de ter enviado em 1731, uma primeira parte, esse trabalho não lhe foi pago. Ficou incompleto. Em 1737 tentou outra obra «para se introduzir neste reino a verdadeira filosofia Natural ou Newtoniana.» Frei Francisco de S. Luís dirá, "na memória que lhe consagra", que era a «Teórica verdadeira das marés, conforme a filosofia do incomparável Cavalheiro Isaac Newton.» Ele procurou comunicar aos portugueses o seu entusiasmo pela Moderna filosofia. O Rei enviou para o estrangeiro o Dr. Bento de Moura Portugal, que em quinze meses "viajou mais longe no Mundo Filosófico do que em muitos anos se podia esperar de um grande engenho." Sarmento considerou que estaria próximo o triunfo da filosofia de Newton, quando se publicou em 1737 os Elementos de Geometria do padre Manuel de Campos.
O Dr. António Ribeiro Sanches (1699 - 1782) foi um sábio que se formou em medicina e Direito. Frequentou a Universidade de Coimbra e de Salamanca, e de ambas veio a fazer "uma áspera crítica" quanto aos seus métodos pedagógicos e científicos. Viajou para os países do norte da Europa onde as ciências físico-químicas estavam mais desenvolvidas. Depois de Génova e Paris vai para Londres. Dirá que em país nenhum se ensinam as ciências como aí. Em Leide frequenta as aulas de Boerhaave, professor holandês, que lhe irá reconhecer a sabedoria e o levará a ser médico da Czarina da Rússia, Ana Ivanowa. Médico em Moscovo, dos exércitos imperiais, do Nobre Corpo de Cadetes, é por fim médico da Corte com título de fidalgo heriditário. Em 1747 fixa-se em Paris com uma pensão do governo moscovita e entrega-se à leitura e escrita.
"A obra de Ribeiro Sanches é a obra de um sábio (...) ele realiza o tipo de uomo universale, à maneira dum italiano de Quatrocentos." (pp.58) Apesar de toda a sua sabedoria assentar na experiência científica e na observação directa, para além dos estudos teóricos, nunca se desviou das realidades sociais. Vai escrever para contribuir com os seus conhecimentos a bem dessa mesma sociedade. "O historiador da Medicina Portuguesa, Prof.Silva Carvalho, (in: notas, pp.57) Possuía o catálogo da livraria da Livraria de Ribeiro Sanches que foi vendida em leilão, no ano de 1783 em Paris. Aí temos uma panorâmica da cultura que possuía. Autores espanhóis e portugueses como Gomes Pereira, Amato Lusitano, Fonseca Henriques, e filósofos como Platão, Aristóteles, Galileu, Newton, Hume, Bayle, Montesquieu, muitos livros em inglês, mas também a Peregrinação de Fernão Mendes Pinto, e O Verdadeiro Método de Estudar  de Luís António Verney. Foi "eleito sócio correspondente das Academias das Ciências de Paris, Berlim e S. Petersburgo e membro da Sociedade Real de Londres." Para tentar reformar a educação portuguesa, vai escrever duas obras, que servirão de guia ao Marquês de Pombal. São elas: Cartas sobre a educação da mocidade nobre e o Método para aprender a estudar a Medicina, ilustrado com os Apontamentos para estabelecer-se uma Universidade, na qual deviam aprender-se as Ciências humanas de que necessita o  Estado Civil e político. "A elaboração do primeiro destes trabalhos determinou a extinção, em 1759, dos colégios dos Jesuítas." E veio a dar origem à fundação do Colégio dos Nobres, em 1761, pelo conde de Oeiras. Aí pugnava Sanches pelo ensino das línguas modernas, pelas matemáticas elementares, geografia, história, noções de direito civil e político, mas também pela ginástica, esgrima e dança. Patenteava ideias como a liberdade de consciência, e uma organização do Estado com base na obra de Rosseau, em que fosse possível um contrato entre o povo e o soberano. As suas ideias não admitiam clérigos na Universidade, uma vez que o ensino devia ser do Estado, e "os clérigos, súbditos da Igreja Romana, eram estrangeiros na própria Pátria." (pp.61) Nem mesmo o Marquês de Pombal concebia ideias tão modernas. Será com Ribeiro Sanches e Luís António Verney que se irão dar as verdadeiras modificações de mentalidades, que levarão a uma "revolução" nas Universidades. O Marquês de Pombal irá ser o obreiro que levará a cabo a maior reforma de ensino que alguma vez se fez no nosso país. Não podemos esquecer que já tinha vinte anos de governo, quando realizou a sua maior obra - uma Nova Universidade - mesmo que depois, as reformas, não tivessem sido todas do melhor lustro.
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(Continua)      

quinta-feira, 21 de junho de 2012

Lições de Cultura e Literatura Portuguesas

"Portugal ortodoxo, receoso das especulações perigosas, retoma mais íntimo contacto com a França livre, e através da França, com a Inglaterra, mais livre ainda. A filosofia, depois de substituir, numa vasta extensão dos domínios da ciência, muitas verdades que se julgavam da Revelação por verdades da razão, vai agora substituindo cada vez mais as verdades da razão pelas da experiência. A literatura, por seu turno, - e com um paralelismo que é a ideia principal deste livro - hemos de vê-la descer da esfera da fantasia caprichosa para o plano da realidade física e moral." (pp.46)
"Na modéstia dos seus talentos, reflecte Bluteau as curiosidades que conduziram os seus contemporâneos da própria ou seguinte gerações - Fontanelle, Voltaire, o próprio Rosseau e outros - a variar a imaginação literária pela observação científica, a abraçar no mesmo esforço compreensivo o mundo moral e físico, como que reconstituindo a grandiosa Unidade do Universo. (...) A sua actividade é, na verdade, a de primeiro agitador," (pp.47) A ele irão seguir-se Castro Sarmento, Rbeiro Sanches e Verney. Todos eles recordam-nos o movimento "que a filosofia, a ciência e a literatura" realizaram em simultâneo. O impulso, a colaboração e a iniciativa ficou-lhes do exemplo da entrega à sabedoria, de D. Rafael Bluteau.
Manuel de Azevedo Fortes (1660-1749), engenheiro-mor escreveu a sua Lógica Geométrica e Analítica, que foi publicada em 1744, e nela "reduz a lógica escolástica à clara simplicidade do método geométrico". Acusaria de ignorância os nossos filósofos, no que se refere à geometria. Dirá: «Não passam da Aritmética ordinária.» A obsessão por um aristotelismo que tinha "sido deformado por Avicena, Averrois e outros comentadores" originava a infecunda filosofia que se ensinava. Dirá: «Tudo nos seria incógnito até ao presente, se Copérnico, Tycho-Brahe, Regiomontano, Roberválio e Galileu nos não descobrissem tantas maravilhas.» Ele reconheceria "a necessidade da dúvida como ponto de partida para a certeza." Como Descartes aceita a dualidade, alma e corpo, e adere ao seu método analítico-sintético. Aproveitava-se pela primeira vez, "o que tem de essencial e fecundo na filosofia de Descartes. O seu "livro, segundo Inocêncio, teve grande vulgarização, muito tempo servindo de instrução e prémio." (pp.49) Teria sido esta obra que preparou, dois anos antes, o surgimento no panorama cultural português do Verdadeiro Método de Estudar . Azevedo Fortes era um apaixonado pelas novas doutrinas e dotado de uma curiosidade que conseguiu transmitir.
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(continua)   

quarta-feira, 20 de junho de 2012

Lições de Cultura e Literatura Portuguesas

«Em 1717, em casa de D. Francisco Xavier de Meneses, e perante os seus confrades da Academia dos Generosos, então renovada, proferiu Bluteau a sua 5ª lição sobre o tema: "Se este Mundo, depois de tantos anos de duração, fica debilitado e perto do seu fim". Aceita Bleteau a tese de Fontanelle, sustentada pouco tempo antes na célebre Querelle des Anciens et des Modernes" depois defende a sua tese: "Mais expressivo, porém, do seu culto pelas ciências, é o argumento fundado nos progressos delas:"
«Como o homem foi criado para contemplar e admirar as obras de Deus na fábrica do Mundo, e só por meio das ciências se consegue este fim, parecia inútil a conservação de um Mundo, em que por falta de Ciência, não havia contempladores da perfeição dele, para a glória do divino arquitecto.» (pp.40)
As ciências, com excepção da matemática e da geometria, que à semelhança de Descartes considerava a única fonte de certeza científica, deixavam-no com uma certeza relativa e dirá:
«Elas "...nada têm certo que a sua incerteza". E se por meio da Lógica, da Física e da Filosofia conhecemos a incerteza de todas as mais disciplinas (...) não são elas tão certas que não padeçam suas dúvidas.» (pp.41) No fim de uma destas lições elogiava o ter tornado a existir a Academia dos Generosos e dizia que esta com outras «fazem do Mundo uma grande Academia, em que cada dia florescem os engenhos e as ciências.» (pp.42)
D. Rafael está a par do movimento intelectual europeu e não ignora a distância a que nos encontramos da actividade renovadora e científica que anima algumas das academias estrangeiras; (...) de cada uma das academias inglesas, italiana e alemã, mostra a galeria dos seus sábios mais ilustres." (pp.43)
"No Vocabulário Português e Latino, publicado de 1712 a 1721, acrescentado de um Suplemento em 1727, (...) projecta-se a cultura enciclopédica - e actualizada em grande parte- do Teatino. Ele gaba-se de ter na sua cela mais de sessenta volumes de vocabulários (...) percorrendo o Suplemento, em que indica as obras de que se serviu (...) sente-se a sua curiosidade de omni re scibili. Ao lado da obra Jesuística - Dictionnaire Universal, de Trevoux, o Dictionnaire historique et critique, de Bazle; emparceirando com a Teoria dos Planetas de Kepler, com os Novos Descobrimentos do Céu, de Messe, e com o Mundo Matemático e Astronómico, de padre Deschales, eis atentos à terra, a História Natural, de Boyle, o Lexicon Chymicum, de Johnsónio, e o Collegium Experimentale, em que Stúrnio - informa - tem ajuntado as mais notáveis experiências que se tem feito nesta era. De Descartes é citada a Teoria do Turbilhão e os Discursos de Dióptrica. Mas não fica por aí um culto actualizado do primeiro quartel do século XVIII. Descartes está ultrapassado por Gassendi e Newton, mais do que eles atentos à experiência, e Bluteau não os esquece: são presenças espirituais na sua cela, ao lado de Vives, e Erasmo, de Galileu e Huyghens, de Cassini, Mariotte, Boyle, e são os nomes com que se abona em numerosas páginas do Vocabulário, ao tratar de palavras como ar, vácuo, sistema." O artigo sobre as nuvens começa:
«Segundo a filosofia Moderna...»(pp.45) Mas o Teatino sabe guardar-se de audácias perigosas. Assim, na palavra sistema, referindo-se a Copérnico observa:
«Porém, como não há demonstrações nem evidência algumas das singularidades que neste sistema se supõem, melhor é ignorá-las com docilidade e obediência do que sustentá-las com obstinação e pouco respeito dos decretos dos dois Sumos Pontífices, Paulo V e Urbano VIII, que a Sagrada Congregação dos ritos publicou nos anos de 1616 a 1633.»
Cremos poder considerar este episódio de actividade mental no Século XVIII como o primeiro choque - e, portanto, a primeira faísca - entre as tendências realistas, o Iluminismo do Século das Luzes, e o formalismo, o gosto das abstrações da Época anterior.
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(continua)     

terça-feira, 19 de junho de 2012

Lições de Cultura e literatura Portuguesas

A CRISE DO SETECENTISMO

Reacção da cultura científica e filosófica

A cultura literária e a cultura filosófica que paralelamente existiram durante o período Barroco e que abrangeram os últimos anos do século XVI, XVII e metade do século XVIII, fizeram florescer um clima espiritual que promoveu o Cultismo e o Conceptismo à imitação de Gongora, numa primeira fase, à qual se viria a seguir uma segunda fase, escolástica, com o predomínio dos Conimbricenses.
Durante todo este tempo, o mundo, de livre cultura e pensamento, expandia-se num imenso fulgor de ideias novas quanto à ciência e à filosofia. As experiências faziam-se segundo a aplicação de um método, o cartesiano, aplicado às ciências físicas-naturais que consistia na observação e na experimentação. Formulavam-se hipóteses e só depois de devidamente confirmadas é que se estabeleciam novas teorias. Newton abrirá novos horizontes, e Locke debruçar-se-á "sobre os mesmos dados experimentais, elaborados pela razão livre," para desenvolver as ciências do espírito. "Portugal só de muito longe, e tolhido de receios, assistiu" a este movimento que se processava, de uma forma bem divergente, "da nossa fidelidade a Aristóteles."
Os espíritos curiosos e ávidos de saber, iam começando a ficar inconformados com as distâncias que lhes imponham, pela tradição, os escolásticos. «Era assim inevitável como um impulso fatal da Natureza, que Portugal, como a Espanha, rompesse um dia o quase isolamento em que se acautelava contra as "perigosas especulações."» Havia necessidade de um acontecimento político que modificasse a situação de apagamento em que se vivia. Precisávamos de regressar a nós mesmos, depois de sessenta anos de domínio espanhol e de quase vinte anos de guerras que se seguiram. Foi no tempo de D. Pedro II que, se poderá dizer, começaram lentamente as mudanças. Para elas contribuíram os estrangeiros e estrangeirados que traziam um manancial de cultura de todos os países da Europa, por onde peregrinaram, ao fazer os seus estudos e a sua vida.
O padre Rafael Bluteau, foi um dos pioneiros nessa abertura do espírito português."Nascido em Londres em 1638, de pais franceses," começou a viajar a Paris com a sua mãe logo aos seis anos. Estudou Humanidades, Lógica e Matemáticas nos melhores colégios de França, e parte para Florença para se fazer frade "entre os Teatinos, em cuja ordem professa, em 1661." Insaciável no saber, vai frequentar universidades em Verona, Roma e Paris. Toda a sua formação intelectual era potenciada pela sua veia poética, de que veio a dar mostras nos elogios métricos em latim que fez a D. João V.
Como era excepcionalmente dotado, a sua Ordem, que existia no nosso país há cerca de vinte anos, vai acreditá-lo junto da Corte portuguesa. As suas boas maneiras, o brilho de inteligência e a sua cultura enciclopedista, os seus dotes de filólogo e de poliglota, vão fazer com que pouco tempo depois de chegar a Portugal, seja aceite na Corte, com o mesmo renome que já tinha obtido na Corte de Luís XIV. Depressa os inimigos começaram a dizer que, para além de servir a sua Ordem, servia também os interesses do rei francês. Isso levou a ter que se retirar do país durante uma vez, de 1697 a 1704, e outra quando da guerra dos Sete anos, para um retiro de clausura em Alcobaça até 1713, o que lhe permitiu elaborar o seu Vocabulário, e outras obras como: Oraculum utriusque Testamenti, Musaeum Blutevianum, e outro volume de Prosas Portuguesas.
O certo é que tinha aptidões não só humanísticas mas também económicas, e políticas. Foi encarregue por D. Luís de Meneses para contratar técnicos para fábricas que iriam começar a nossa actividade industrial. E escreverá a 5 de Junho de 1680:
«Hoje fiz na Ribeira a primeira experiência no ferro das minas de Figueiró (...) e saiu tudo tão admirável que me deu particular contentamento, porque desta qualidade não sei que o Reino possa receber maior benefício que ter ferro para escusar o de fora e repartir com os vizinhos. De baetas e sarjas temos já cinco fábricas; se concluir a de Tomar, que tenho entre mãos, também deitaremos de parte essa dificuldade (...) porque à custa da casa de Bragança tem uma fábrica de sedas naquela cidade por sua conta.»
As manufacturas foram crescendo ao seu cuidado, uma delas em Portalegre com tintureiro vindo, a seu mando, de Itália.
Também esteve envolvido numa política de casamentos que, segundo alguns, favoreciam as intenções do Monarca francês, pródigo em dotes a damas francesas que casassem com fidalgos portugueses. Diziam que parecia pretender "transformar Lisboa numa espécie de baluarte da sua persistente luta contra a Casa de Áustria." Aliadas a todas estas preocupações políticas e económicas estavam as de ordem cultural. Bluteau gozava da estima dos Ericeiras e estes cultivavam os estudos franceses. Ele era um intermediário entre a cultura francesa e aquela casa nobre, onde se realizavam os serões literários.
"É de supor agora que tenha sido D. Rafael quem trouxe às Conferências Discretas e Eruditas, que se realizavam em casa de Ericeira, o conhecimento de Boileau, sob cujo magistério poético se avivou a reacção contra os esquisitos pensamentos em denegridas nuvens embrulhadas, do Portugal gongórico."(pp.39) Ele possuía conhecimentos de Astronomia e de Galileu, assim como de Giordano Bruno e do seu livro: De Infinito.
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(continua)    

segunda-feira, 18 de junho de 2012

Lições de Cultura e literatura Portuguesas ... (Introdução)

O Professor Hernani Cidade não deixa de referir os grandes portugueses, estadistas, filólogos e professores, que dedicaram momentos da sua vida a estudar esse tempo de Seiscentos. Agradece "a colaboração moral (...) que, em estímulos e sugestões de ordem vária" lhe vieram do "ambiente de honesta actividade da Faculdade de Letras do Porto". Deste apoio solidário ficaram inscritos vários nomes de amigos, entre os quais realça o do Professor Doutor Joaquim de Carvalho, sem o qual, provavelmente, este livro não teria sido publicado. Na nota prévia à segunda edição, o autor diz-nos aquilo que procurou fazer ao "compendiar quanto, não apenas da literatura, senão também das formas de cultura" que levaram "a actividade mental portuguesa, do formalismo quase vazio ou de uniforme estreiteza do século XVII, à profunda, renovadora inquietação e riqueza espirituais do século XIX."
No Prefácio da terceira edição, menciona que reviu o seu livro com a "serena vontade de acertar, o saboroso fervor do esforço honesto, de quem põe o que há de perene na cultura - a sua finalidade humana - em plano muito superior ao das instituições, obras e pessoas." Alude que, quanto ao "amor da Verdade pela Verdade" não sabe "bem o que seja, senão na ordem do transcendente. Na relatividade do imanente - de cujos limites obras deste teor não deverão sair," sabe "o que é o amor da dignidade espiritual do homem, aquela que pode ser comum a crentes, agnósticos ou ateus." Diz-nos ainda que , "no caso presente do estudo da cultura seiscentista cumpre evitar o panegírico verbalístico tanto como o verbalístico denegrimento. No entanto cabe à Companhia de Jesus a responsabilidade do "desfalque" que na Metrópole  havia, no que se refere a uma "empresa pedagógica assumida," uma vez que ela se espalhava pelo "vastíssimo mundo português." Mais que "cultivar os espíritos era dever sagrado preservar ou salvar almas. E esta missão impunha, na escola e no livro, reservas que estão na lógica do Instituto - e foram, por seu inevitável exagero, a causa do  desnível da nossa cultura."
Este esclarecimento do autor, tinha intenção de tornar mais clara a ideia "que presidiu à 1ª edição" do seu livro. "Em face das analogias entre a literatura gongórica e a filosofia escolástica de seiscentos, e entre a simultânea reacção, no século imediato, de letrados e filósofos contra o formalismo de Gongora e os formalismos escolásticos, que Cruz e Silva põe a par, no Reino das Bagatelas", sentiu "que o fenómeno literário só será compreensível em plenitude, uma vez que metodologicamente reintegrado no complexo Cultura, de que faz parte."
Quando saiu a 3ª edição, terá sido mais poupado à crítica e esse facto é referenciado no prefácio à 4ª edição do livro por H. Cidade. No prefácio à 5ª edição, datado do ano de 1967, já livre do ensino oficial por limite de idade, diz-nos o autor que quando apareceu a 1ª edição em 1929, este Ensaio "tentava esclarecer a evolução que levou a literatura do formalismo barroco às tendências realistas do neoclassicismo, pelo mesmo impulso mental que na filosofia fez triunfar Descartes contra Aristóteles e Newton contra Descartes."
A Resenha que aqui fica, abrange a I e II parte. A sua relação será o mais minuciosa possível, dentro do limite imposto a este trabalho e, muitas vezes, com as próprias palavras do autor, muito melhores que outras sinónimas, para a clareza das ideias e do texto.
Nascia em Portugal um novo mundo intelectual, aberto a Copérnico, a Kepler, a Galileu e a Newton. Todos os filósofos modernos, franceses, italianos, ingleses e alemães entravam nas salas de aula e as ciências naturais, físicas e matemáticas faziam parte dos currículos escolares. Era "concebido o mundo social em que vivemos." Vamos na sua peugada, conhecer um pouco melhor os homens que tornaram possível estas reformas mentais que abriram a todos nós novos horizontes, e nos tornaram pela sua cultura, um pouco mais, cidadãos do mundo.
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(Continua)                

sábado, 16 de junho de 2012

Lições de Cultura e Literatura Portuguesas - A crise do setecentismo

INTRODUÇÃO

No prefácio à primeira edição, do «Ensaio sobre a crise mental do século XVIII», Hernani Cidade fala-nos da necessidade que teve de sacrificar muita coisa "à frequentação interrogadora de fantasmas esquecidos nas bibliotecas." Esse seu trabalho de pesquisa permite-nos hoje, como no seu tempo, melhor compreender os nossos dias. Ele próprio nos diz que a contemplação demorada do passado só se pode justificar o viver-se por ela mais conscientemente o presente.
"A audácia dos grandes mestres de setecentos, ao serviço de cuja razão, esclarecida de toda a luz da cultura do seu tempo, fremia num ardoroso, vitorioso esforço combativo;" erguia-se perante o investigador e, hoje, perante nós, viva e forte. Repercutia "o eco das suas vozes" numa conjugação de esforços pela renovação de "hábitos mentais de raízes seculares (...) que por quase dois séculos nos manteve alheados da Europa culta." Porque não quiseram continuar a "vender fumo por substância" pugnaram por um novo "mundo espiritual" em que "o permanente exercício de uma razão regressada ao bom senso" e com "uma curiosidade universalista", deixava para trás "a estreiteza da biblioteca e claustro conventuais." Ficavam de parte todas as subserviências do "magister dixit", e todas as marcas impostas pelos aristotélicos, tomistas, "pela Ratio Studiorum e até pelas Mesas Censórias." Renovava-se a mentalidade e a moral, e os "malabarismos verbais," e as filigranas na escrita, deixavam de usar-se. Optava-se pela observação e pela pesquisa directa, da natureza física e moral da humanidade.
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(continua)

Recomeçar...

Quando vivemos uma crise profunda cujo fim não se vislumbra, a melhor solução é recomeçar todos os dias na esperança de que virão dias melhores. Mas a caixa de Pandora deixou bem guardada a Esperança e a caixa está, parece-me, bem fechada. Amanhã são as novas eleições na Grécia. Será que renascerá a esperança? Não vislumbro uma Europa sem a Grécia. Como será? Terão que recomeçar fora da União Europeia e com a sua antiga moeda? Será que foi um sonho, mais um, que se desmoronará? Tudo são interrogações! Exclamações, espanto, dor... 
Os dias são cálidos, mas trazem no ventre os ventos que anunciam um outono e um inverno sem paz. Queria acreditar que tudo vai melhorar, mas os milhões e milhões de desempregados por essa  Europa fora... como poderia acreditar? No nosso país os professores também são vítimas destas erradas políticas! Então se um empregado ao fim de três anos tem que ficar efectivo na empresa onde trabalha, como é possível que o Ministério da Educação possa ter professores contratados há 10, 15 ou mais anos? Isto é vida? Ou é uma morte lenta? Tudo são expectativas que vão ficando ano a ano frustradas! Outros beneficiarão do ónus que devia ter ido para os mestres e não foi. É uma desilusão.
Recomeçar de novo e procurar a alegria que nos falta, o alento, a procura de soluções para não nos deixar-mos adoecer nas depressões mais profundas com o que os nossos media nos noticiam todos os dias é a solução... será que se conseguirá? Esperemos que sim.
Para recomeçar vou dar-vos nota de um trabalho que realizei para o Seminário de Cultura Portuguesa I sobre o livro de Hernani Cidade: Lições de Cultura e Literatura Portuguesa. É uma resenha breve porque houve um limite  de páginas para o levar a cabo. Por isso, ficou-se por uma parte do livro e não a totalidade que implicaria um resumo até ao advento do Romantismo e ao «Ensaio sobre a crise mental do século XVIII». Esta é uma forma de comunicar e prestar aos estudantes que me lêem algum préstimo, passe a redundância.
Vamos recomeçar...   

Neste lamento dos dias

Neste lamento dos dias
Em que a tristeza me invade
Ouço os risos das crianças
E só me apetece chorar
Saudades dos tempos idos
Em que passava os dias a cantar
Tinha forças, tinha ânimo
Tinha amor, tinha alegria
Sonhava com um futuro risonho
Que a alma queria abraçar
Hoje somo desilusões
Deixei de acreditar.
Que futuro?
A vida é o dia que passa
E eu não o soube agarrar
Deixei-o passar... passar...

segunda-feira, 11 de junho de 2012

O Contributo da Família dos Sás...( Bibliografia)

BIBLIOGRAFIA

ALBUQUERQUE, Luís de, Introdução à História dos Descobrimentos, Lisboa, Publicações Europa América, 4ª ed., 1989.
ALMEIDA, A. Duarte de, História do Brasil, Lisboa, Liv. Ed. João Romano Torres, 1936, XIV Vol. da Col. PORTUGAL HISTÓRICO.
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BELCHIOR, Elísio de Oliveira, Conquistadores e Povoadores do Rio de Janeiro, Livraria Brasileira, Rio de Janeiro, 1965.
BETHENCOURT, Francisco; Chaudhuri, Kirti, História da Expansão Portuguesa, Lisboa, Círculo dos Leitores, 1998.
BICALHO, Maria Fernanda Baptista, A Cidade e o Império: O Rio de Janeiro na Dinâmica Colonial Portuguesa  século XVII e XVIII, S. Paulo, 1997.
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COELHO, Jacinto do Prado, O Rio de Janeiro na Literatura Portuguesa, Lisboa, 1965.
CORTE-REAL, João Afonso, Salvador Corrêa de Sá e Benevides, De Governador das Capitanias do Sul do Brasil a Restaurador de Angola, Braga, 1962.
CORTESÃO, Jaime, Os Descobrimentos Portugueses, Lisboa, INCM, 1990, III Vol.
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DIAS, Gastão de Sousa, Cartas de Angola, Lisboa, Seara Nova, 1928.
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MATOSO, José, HISTÓRIA DE PORTUGAL, Lisboa, C. Leitores, 1994.
NORTON, Luís, A Dinastia dos Sás no Brasil, (1558-1662), Lisboa, Ag. G. Col., 1943
OCEANOS, Revista nº 40, Lisboa, C.N.C.D.P., 1999.
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SANTOS, Maria Helena Carvalho dos, Do Tratado de Tordesilhas 1492 ao Tratado de Madrid 1750, Lisboa, S.P.E. Séc. XVIII, 1997.
SERRÃO, Joaquim Veríssimo, O Rio De Janeiro no século XVI, Lisboa, E.C.N.C.D., 1965.
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SERRÃO, Joaquim Veríssimo, O Tempo dos Filipes em Portugal e no Brasil (1580-1668), Ed. Colibri, 1994.
SERRÃO, Joel, Dicionário da História de Portugal, Porto, l. Figueirinhas, 1992.
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TEIXEIRA, Fernando, Heitor Gomes, A Visão da Cidade no Século XVII  - Luanda vista por Cadornega, Lisboa, FCSH-UNL, 1982.
VILELA, Magno, Uma questão de igualdade ... António Vieira - A escravidão negra na Bahia do séc. XVII, S. Paulo, Relume Dumará, s/d.
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V - Salvador Correia de Sá e Benevides (Conclusão)

«...na vida, ninguém alcança a glória merecida.»
LUÍS DE CAMÕES


CONCLUSÃO

As palavras gravadas na lápide da campa de Salvador, mostram bem a dor dos seus últimos anos de vida. Não havia uma única referência ao Brasil. Era como se, de facto, nunca lá tivesse estado. Muitos dos dissabores que sofreu terão sido motivados por intrigas e calúnias, segundo afirmou quando do regresso a Portugal.
Ao concluir-mos este trabalho, não temos a mesma visão edílica que trazia-mos da infância do herói da Restauração de Angola. Reconhecemos que como dizia John Betjman, a infância é medida em sons, cheiros e imagens, antes da chegada da hora escura da Razão. Os sons que se ouviam eram os de glórias ao herói, os cheiros os dos jardins, que os zéfiros brandos da matina solarenga ou de cacimba, transportavam e misturavam com os odores do mar, ao longo da rectangular avenida que levava ao Liceu Salvador Correia. As imagens eram as do quadro a óleo de um Salvador jovem, fidalgo honrado, que transpareciam igualmente do busto que admirávamos.
A chegada da hora escura da Razão não deixa margem para tintas coloridas. A ida para Angola deveu-se a interesses económicos, políticos e religiosos. O seu dever patriótico, o seu espírito de aventura, a sua coragem destemida, a sua Fortuna ou Fado levou-o a cumprir o que lhe estava traçado ou aquilo que para si traçou. O Brasil precisava de mão-de-obra africana para se construir como uma nação. Os engenhos de açúcar, as grandes propriedades de gado, as minas, as construções de caminhos, estradas e pontes, de baluartes e fortalezas, de igrejas e de conventos, de palácios, etc. não se teriam feito sem os homens que se compraram ao Continente Africano.
A realidade da escravatura é, em todos os tempos da História do Homem, uma nódoa imperecível na história de todos os povos. Todos a praticaram e as culpas estão em todos até à eternidade dos tempos. Na Idade Moderna constituía prática comum. A teoria de Aristóteles ajudou a que se aceitasse a inferioridade de outros seres que eram em tudo iguais a cada um. As missões tinham escravos e os missionários não estão ilibados do próprio tráfico e lucro que daí advinha.
Perante o quadro doloroso que foi a colonização, fica-nos a ideia que era de facto um inferno, de abuso de poder de exploração do homem pelo homem. No entanto, à luz do tempo que viveu, continuamos a afirmar Salvador Correia de Sá e Benevides como um Herói Nacional que não merece o esquecimento. Enriqueceu e fez enriquecer Portugal, mantendo-lhe a posse do Brasil, de Angola e de S. Tomé. Foi digno herdeiro do nome que recebeu. A História de Portugal da Idade Moderna não se faz sem o contributo da sua própria história e a dos seus ascendentes e descendentes, resta-nos honrá-lo em nome do orgulho e respeito que sentimos pela nossa História.
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Lisboa, 25 de Setembro de 2004
     

sábado, 9 de junho de 2012

V - Salvador Correia de Sá e Benevides

Tudo o que o Brasil deu a Angola, Salvador Correia de Sá lhe restituiu com largueza (Norton, pp.125). A sua riqueza e poder era agora mais do que nunca. A partir de 17 de Setembro de 1658, voltava ao Brasil com o título de Governador das capitanias do Sul, nomeado pela Regente D. Luísa de Gusmão, e inaugurava a grande campanha para a exploração do ouro e das pedras preciosas. A ideia da serra das esmeraldas e da serra resplandecente de Sabarassú mantinha-se, por isso, nova bandeira comandada por seu filho João Correia de Sá, partia em busca desse sonho. Todas as despesas das pesquisas foram pagas por Salvador, mas a viagem, tormentosa nas aventuras e desvarios, revelou-se infrutífera. Mais sorte teve Salvador em S. Paulo, onde se revelaram novos "filões auríferos." Inaugurava-se o ciclo do ouro. A expulsão dos holandeses do nordeste em 1654, o regresso dos Jesuítas a S. Paulo em 1653, permitiram pensar numa possível concentração de esforços para o trabalho nas minas.
Porém, nesse tempo, os moradores do Rio de Janeiro estavam empobrecidos pelas consecutivas partidas dos seus homens para a aventura do sertão e das conquistas guerreiras. Durante a ausência de Salvador criaram-se partidos que traziam uma política de dissidência e revolta. As velhas acusações contra a família dos Sás ressurgiram motivadas pela sua tão desmesurada riqueza e poder oligárquico. Os motins revolucionários sucediam-se e Jerónimo Barbalho Bezerra encabeçava as revoltas. Salvador teve que reunir os seus índios e criados para assaltar a fortaleza que tinha sido tomada, e retomar o governo usurpado pelos revolucionários. Jerónimo Bezerra foi condenado à morte em 1661 e com a ajuda da Armada de Manuel Freire de Andrade, que se encontrava de chegada ao Rio, Salvador conseguiu retomar o poder e serenar os ânimos.
Houve autores que viram nesta revolta o fermento daquilo que viria a ser, mais tarde, a necessidade da independência do Brasil. O jugo dos poderosos começava a atormentar o povo do Rio. As «fazendas de potência» de Salvador e de Tomé Alvarenga foram sequestradas. Nada voltaria a ser como até aí, porque o Conselho Ultramarino mandou um novo governador para substituir Salvador e ser-lhe-ia, novamente, ordenada uma devassa. Apesar de lhe ser consentido retirar das suas terras sequestradas o necessário para continuar a trabalhar na sua grande obra, o "Padre Eterno", o maior navio construído no Brasil daquele tempo; e, um dos maiores galeões construídos no século XVII, saído da fábrica dos galeões do Rio de Janeiro, não chegou a vê-lo concluído. Mais tarde viria a ser vendido à Coroa. Logo após a tomada do cargo do novo governador, D. Pedro de Melo, a 29 de Abril de 1662, a família de Sá e Benevides preparava a sua partida.
Salvador regressou à metrópole em 24 de Junho de 1663, "ao cabo de 49 anos contínuos de serviços" para nunca mais voltar ao Brasil, onde tinha vivido a maior parte da sua vida. (Norton, pp.144/146)
D. Afonso VI fê-lo morgado do Paul da Asseca, no ano de 1664 e dois anos depois concedeu ao seu filho Martim, o título de Visconde de Asseca. As acusações perseguiram-no e se não fossem os padres, depois de supostamente ter intervido no golpe de Estado contra D. Pedro II, teria sido condenado a cumprir pena de degredo em África. Espoliado dos seus bens, foi-lhe concedido viver e morrer no seu palácio de Santos-o-Velho em Lisboa. Voltou a trabalhar no Conselho Ultramarino desde 1671 até 3 de Dezembro de 1680, dia em que assinou a sua última consulta.
Faleceu a 1 de Dezembro de 1688 e foi sepultado no antigo Convento de Nossa Senhora dos Remédios dos Carmelitas Descalços. Na lápide da sua sepultura, que veio a desaparecer, estavam escritas as seguintes palavras:

«AQUI JAZ SALVADOR CORREIA DE SÁ E BENEVIDES,
SENHOR DO COUTO DE PENA BOA E DAS VILAS
DE TANQUINHOS, ARRIPIADA E ASSECA,
RESTAURADOR DA FEE DE XPTO NOS REINOS
DE ANGOLA, CONGO, BENGUELA, S. TOMÉ
VENCENDO OS OLANDESES, E COMPROU
ESTA SAN CHRISTIA COM MISSAS E SUFRAGIOS PERPETUOS
PEDE A QUEM LER ESTE LETREIRO O ENCOMENDE A DEOS»
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(continua)
  

sexta-feira, 8 de junho de 2012

V - Salvador Correia de Sá e Benevides

Salvador mandou tratar dos feridos, embarcou os holandeses em três navios, e, quando escreveu os primeiros despachos para Lisboa, pediu recompensas ao rei para os seus soldados. Entre elas, os indultos para os condenados e encarcerados que tinham ido na expedição e que tinham cumprido o dever com o risco da sua própria vida. Alguns dos sobas foram punidos pelo novo governador e vencidos nas margens do Bengo; outros tornaram a ser fieis aos portugueses. N'zinga recolheu-se para o interior e durante alguns anos não se soube do seu paradeiro. As dificuldades existentes com o Rei do Congo, Garcia Afonso II, também foram resolvidas com um acordo de mútua assistência, e a autorização de construir um forte na foz do rio Zaire.
Depois, uma das primeiras medidas de Salvador foi retomar o comércio de exportação de escravos, não limitando as ambições do Brasil quanto a este assunto. Esperava retomar o comércio com Buenos Aires sob a condição, acordada com D. João IV, de que os espanhóis pagassem os escravos em moeda de prata ou em barra e não em mercadoria.
Reparou os danos sofridos em Luanda aquando da permanência dos holandeses e concedeu terras para cultivo, no sistema de sesmarias ou arrendamento. Apoiou uma proposta da Câmara de Luanda para introduzir uma moeda de cobre de valores até 25 reis, mas foi repreendido e viu recusada esta proposta, pelo rei e pelo seu conselho. Se houvesse cobre devia ser enviado para Lisboa e não gasto com os incipientes colonos e os "selvagens", porque isso dar-lhes-ia um poder que se poderia tornar perigoso. O velho sonho de Salvador de cunhar moeda caía mais uma vez por terra. Apresentou todas as despesas que ele próprio e o Rio de Janeiro tinham feito com a expedição da libertação de Angola, e a Câmara pagou implementando um imposto de três mil reis por cada escravo adulto exportado. Enviou para a Baía o último galeão do Conde de Vila Pouca de Aguiar, em 1649 e construiu galés e barcos para defesa da costa angolana.
Apesar de ter tido uma saúde resistente ao clima africano, depois de ter estado três anos afastado da família e porque continuava doente da sua perna, pediu, em Outubro de 1650, para ser substituído no seu cargo em Março do ano seguinte. No entanto, embora a sua esposa, que tinha ficado em Lisboa, se tivesse esforçado em pedidos junto do rei, para que Salvador regressasse, este só partiu de Luanda para o Brasil em Março de 1652, levando consigo um grande número de escravos negros.
Lessa escreveu que o maior feito desta fase e, possivelmente, de toda a vida de Salvador, foi a restauração de Angola do jugo dos holandeses, jornada de armas que lhe aureolou o nome com o brilho da imortalidade. (pp.40)
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(continua)  

quinta-feira, 7 de junho de 2012

V - Salvador Correia de Sá e Benevides

O ponto de encontro de toda a frota era em Quicombo, se algum dos navios se atrasassem ou desviassem, por  qualquer motivo, uma vez que todos tinham de navegar em linha. Segundo Boxer, o navio Almirante de Salvador ia na vanguarda e o navio Almirante, S. Luís, na retaguarda. Este galeão perdeu-se várias vezes, e só reencontrou a armada a 9 de Julho, enquanto um dos escaleres se juntou à frota ao largo de Luanda. Salvador avistou a Costa Africana em 12 de Julho, um pouco abaixo de Cabo Frio. A travessia durou dois meses e a frota ancorou na enseada de Quicombo a 27 de Julho, para recolher lenha e água. Segundo Lessa, chegaram a 26 de Julho e desembarcaram em Cabo Ledo onde levantaram dois redutos. Aqui, perderam dois navios Almirantes com umas centenas de homens, numa tempestade originada por um verdadeiro sismo submarino. Um grupo de homens que tinham desembarcado também foram apanhados por este desastre e muitos deles foram comidos por canibais.
Salvador mostrou ser um digno herói da tragédia e levantando-se das cinzas, continuou a navegar com o resto da frota para Luanda. Fez uma paragem na foz do rio Suto e desembarcou de novo um grupo de homens, que não foi mais feliz que o primeiro. Os holandeses eram agora informados das intenções de Salvador, pela captura de alguns destes emissários de Massangano. A esquadra de Salvador chegou defronte de Luanda a 12 de Agosto. Havia dois navios holandeses no porto: Noort-Holland e Ouden Eendracht, que logo se fizeram ao mar a fim de reconhecer os recém chegados. Ao descobrirem a nacionalidade dos navios da frota desapareceram rapidamente no horizonte. Salvador Correia de Sá tinha a glória à sua espera, uma vez que, pela captura de dois pescadores angolanos, soube que 225 militares holandeses, comandados por Symon Pieterszoon, estavam para o interior a ajudar a Rainha N'zinga contra os portugueses. Outros 250 tinham recolhido ao forte do Morro e para o adjacente (o da Guia) na sua base, quando viram chegar a esquadra.
Salvador entrou na baía de Luanda a 13 de Agosto e mandou três emissários a terra a pedir a rendição pacífica. Os holandeses pediram oito dias, mas os portugueses deram-lhes dois ou três dias. No dia 15 de Agosto, Salvador desembarcou os seus homens e deixou nos galeões bonecos com bandeiras, a simular uma tripulação que não tinha. Ordenou aos seus soldados e marinheiros que marchassem sobre a cidade. Ele deslocava-se a cavalo, porque estava doente de uma perna. A vanguarda foi mandada atacar a cidade e os holandeses acabaram por ter apenas uma reacção simbólica e retiraram-se para o abrigo dos fortes do Morro e da Guia, dando-se o sucessivo assalto ao do Morro e da Guia, em três ondas sucessivas de portugueses, durante a noite e a aurora. Houve mais de 150 baixas nas tropas e Salvador mandou reunir.
Alguns canhões tinham rebentado e outros estavam sem concerto. Eis senão quando, após frustrado assalto ao Morro, surgem mensageiros holandeses com uma bandeira branca para negociar condições. Salvador disse que podiam redigir as suas condições. Estas foram assinadas a 21 de Agosto. Havia uma rendição holandesa. Eles comprometiam-se a evacuar os seus homens com honras de guerra e ser-lhes-ia permitido levar os seus bens, escravos e navios, para os fazer transportar. Cerca de uma centena de soldados católicos, mercenários franceses e alemães, ao serviço dos holandeses, pediram para ficar e ser respeitados, ao serviço dos portugueses.
Cardornega, que era um dos resistentes de Massangano, conta que os homens, com a alegria, comportavam-se "mais como loucos do que como seres racionais". O mesmo acontecia em Luanda, onde se tornava a consagrar a cidade a Nossa Senhora da Assunção, e se baptizava a fortaleza com o nome de S. Miguel, patrono da viagem de Salvador. (Boxer, pp.263/270)
O espírito de cruzada aliava-se a esta reconquista. Angola era novamente cristã, apesar da história de violência que marcava o destino deste povo, nas jamais desaparecidas marcas dos ferros com que se marcavam os corpos e estigmatizavam as almas.
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(continua)             

terça-feira, 5 de junho de 2012

V - Salvador Correia de Sá e Benevides

O objectivo de alguns ministros era que as duas frotas navegassem em conjunto até à Baía sob o comando de António Teles. Mas Salvador contrariou de imediato essa solução e mostrou não se encontrar ainda preparado para fazer a viagem e a evidência de que não se entendia bem com o governador-geral do Brasil. Ele sentia-se capaz de assumir a inteira responsabilidade da sua missão. Escrevia: «Senhor, estou ansioso por servir, e é isso que tenho feito há trinta e dois anos, tendo atravessado a linha dezoito vezes. E a respeito de navegação marítima, e a ter a sorte nela, não me submeto a ninguém em Portugal; tenho sempre dado bem conta do recado... e quem deu boa conta de fortes, de frotas, de galeões e navios expedicionários quando era novo, parecerá que saberá como fazer isso agora.» Não se inibiu de dizer ao próprio Rei, que se não fosse assim, que nomeasse outro que o substituísse. Tanto ficou D. João IV a admirá-lo, que se demoveu imediatamente de enviar as duas frotas em conjunto. (Boxer, pp. 247/249)
A esquadra de Salvador chegaria ao Rio de Janeiro em 23 de Janeiro de 1648 e aí encontraria mais cinco galeões enviados por António Teles, com a recomendação de que partisse o mais breve possível para Angola, antes que no Recife se soubesse da sua expedição. De facto, em 19 de Abril de 1648 dava-se a primeira batalha de Guararapes, onde os holandeses foram derrotados pelos portugueses comandados por Francisco Barreto de Menezes. A vinda de escravos de Angola trazidos pelos holandeses, permitiria o seu reforço de armas contra os portugueses; por isso, era necessária a rápida recaptura de Angola.
Salvador preparava as provisões de alimentos e de sal, para a manutenção da sua tripulação, que era composta, segundo o próprio, por «lixo das cadeias de Lisboa» e em condições tão pobres que muitos morriam. Recrutou homens no Rio, a maior parte, e em S. Paulo, apesar de os paulistas serem avessos ao voluntariado, dizia Vieira, que eram dos melhores combatentes do Brasil. Os moradores do Rio concederam um empréstimo de 60.000 cruzados para financiar a expedição, talvez porque eram dos mais interessados nos escravos prometidos, mas também num esforço cooperativo digno de nota, uma vez que o próprio general da armada disse ao Rei que sem esse empréstimo a viagem não se tinha realizado. O seu espírito empreendedor e de diplomacia manifestava-se em tudo o que conseguia obter. Ele próprio e a família empregaram dinheiro nessa aposta arriscada.
A chegada da armada With ao Recife, dividiu as opiniões acerca da partida de Salvador, mas o general resolveu empreender a jornada a 12 de Maio de 1648. Com 15 navios, levava entre 1400 e 1900 homens e mantimentos para seis meses. Todos os navios, além dos seis galeões cedidos pela coroa, foram pagos pelos fundos angariados no Rio de Janeiro. Alguns dos navios eram ingleses; doutros não se sabe a procedência. (Boxer, pp.256/258)
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(continua)

segunda-feira, 4 de junho de 2012

V - Salvador Correia de Sá e Benevides

No final do século XVII, dos 528 engenhos do Brasil, 136 eram do Rio de Janeiro, que produziam uma média de 2.630 arrobas (38 toneladas) de açúcar por ano (Schwartz, pp.215). Na década de 1630, 80% do açúcar vendido em Londres era oriundo do Brasil. A guerra da Restauração (1641-1668) e os compromissos da política externa de Portugal para com os seus aliados foram financiados em larga medida pelo aumento dos impostos que incidiam sobre a indústria açucareira. (Schwartz, pp.218)
Salvador Correia de Sá e Benevides era a pessoa indicada para combater os holandeses em Angola, no interesse de se manter o Brasil e, com ele, a própria existência de Portugal. Tinha poderio económico e o poder de conseguir as ajudas necessárias ao empreendimento. O Rei sabia da sua intrepidez no comando de navios e  do seu conhecimento do Atlântico. Recebia-o na corte como um conselheiro do mais alto valor e concedeu-lhe todas as regalias precisas e liberdade de acção. Nomeou-o capitão-geral e governador de Angola por decreto de 8 de Abril de 1647, e ordenou que lhe fossem dados dois galeões reais e tantos navios quantos fosse possível fretar a armadores privados.
Esses navios destinavam-se ao transporte de 600 homens que seriam recrutados em Portugal, Madeira e Açores. Salvador devia desembarcar em Angola para ajudar à construção de uma base fortificada que servisse de comunicação entre os defensores da Muxima e de Massangano. Não havia inicialmente o projecto de ataque a Luanda. Entretanto chegavam notícias de que a Baía corria perigo. Tinha-se dado o desembarque de Von Schoppe na ilha de Itaparica. Nesse mesmo dia iniciaram-se os preparativos de uma frota para socorrer a sede do poder no Brasil. Os navios que estavam destinados a partir para Angola foram, muitos deles, retirados a Salvador, assim como homens, munições e canhões que lhe tinham sido prometidos. Os pedidos do Conde de Vila Pouca de Aguiar, D. António Teles de Menezes, tinham de imediato prioridade. As duas frotas tinham sido preparadas com empréstimos de dinheiro conseguido pelo P. Vieira que era confessor e conselheiro do Rei, junto de cristãos-novos, seus amigos.
Durante este verão de 1647 discutia-se no Conselho Ultramarino a necessidade de atacar Luanda para retirar o poder definitivamente aos holandeses. No entanto, o objectivo oficial da missão a Angola era construir uma fortificação na foz do rio Dande, do Cuanza ou em Quicombo. Segundo Boxer, outros documentos relacionados com esta expedição mostram que desde o início esteve subjacente a ideia de expulsar os holandeses e recapturar a colónia. A própria nomeação de Salvador e as suas cartas-patente de governador e capitão-general de Angola, mostram-no. Também, porque era feita menção àquilo que era necessário para atacar os fortes de Luanda e para guarnecer a praça após a sua captura. Os documentos, no A.H.U., em Lisboa, são evidentes quanto a estas intenções.
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(continua)      

V - Salvador Correia de Sá e Benevides

Tinham sido 60 anos de domínio espanhol que deixavam a Portugal parte do Brasil ocupado pelos holandeses e Angola em rebelião. Em 1640, a metrópole teria cerca de 2 milhões de habitantes e iria, ainda por mais 20 anos, suportar a guerra com os espanhóis e os holandeses.
Esse socorro, em defesa de Angola, não se mandou sem dificuldades e sem sacrificar o Rio de Janeiro que ficava sem defesa e provisões. Em carta ao Rei, deu conta dessa missão espinhosa. Partiria para Angola para combater e expulsar os holandeses que ocupavam Luanda há 7 anos.
De 1620 a 1623 tinham saído de Angola para Pernambuco 15.430 escravos, e para as minas americanas sairiam, por volta de 1630, cerca de 15.000 escravos por ano. (Barléu, 1974, pp. 42, 214) Se pensarmos que a História de Gaspar Barléu se destinava a enaltecer os feitos de Maurício de Nassau no Brasil holandês, perante estes dados, compreenderemos melhor o porquê de Nassau se ter deslocado para a conquista de S. Tomé e de Angola. Cornelis Jol tomava de assalto S. Paulo de Luanda, em 1641, e logo a seguir, era tomada a fortaleza da ilha de S. Tomé. O socorro enviado da Baía foi em vão, porque Nassau reclamou a anexação de Angola e Pernambuco. Quando deixou o governo em Maio de 1644, era evidente o seu domínio do Atlântico.
O "filão" de Angola eram os escravos, necessários ao desenvolvimento do Brasil e da América em geral. Para povoar e fazer trabalhar tão vasto e rico continente era necessária a mão-de-obra que faltava aos europeus. Os escravos eram o principal móbil do comércio. Em 1625, o governador João Correia de Sousa enviou cinco navios de Angola para o Brasil com um total de 1.211 escravos, dos quais 628 (49%) sobreviveram à travessia (Matoso, 1986, pp.35). O Brasil tornara-se numa sociedade de escravos, onde estes realizavam praticamente toda a espécie de trabalhos. (Schwartz, pp.247) P. António Vieira, contemporâneo de Salvador Correia de Sá e Benevides, escrevia nos seus Sermões do Rosário: 
«Gente toda da cor da mesma noite, trabalhando vivamente e gemendo tudo ao mesmo tempo sem momento de tréguas, nem de descanso: quem vir enfim toda a máquina e aparato confuso e estrondoso daquela Babilónia não poderá duvidar, ainda que tenha visto Etnas e Vesúvios que é uma semelhança de Inferno». (Schwrtz, pp.213)
...«Olhai para os dois pólos do Brasil, o do Norte, e o do Sul, e vede, se houve jamais Babilónia, nem Egipto no mundo, em que tantos Cativeiros se fizessem, cativando-se os que fez livres a Natureza, sem mais Direito que a violência, nem mais causa que a cobiça, e vendendo-se por Escravos.» (Sermão, 27º do Rosário) ...«Fê-los Deus a todos de uma mesma massa, para que vivessem unidos, e eles se desunem: fê-los  iguais, e eles se desigualam: fê-los irmãos, e eles se desprezam do parentesco...» (sermão 20º do Rosário) (Vilela, pp. 93)
Este é, talvez, um dos retratos mais fidedignos desta época. Nem o cativeiro dos Judeus na Babilónia nem no Egipto, se poderia comparar a semelhante cobiça e miséria humana. Os homens tinham deixado de ser irmãos, sendo-o de origem. Numa das suas Cartas dizia Vieira: «...eu já fora morto de dor do que vejo, se me não animara a viver da fé do que esperamos ver.» (a  Duarte Ribeiro Macedo, 27/3/1675)

domingo, 3 de junho de 2012

V - Salvador Correia de Sá e Benevides

Salvador acabava os 6 anos de governo a restaurar fortificações, a promover o povoamento e a abrir caminhos novos. Para não se abster dessas obras promoveu o lançamento de impostos, o que levou os da Câmara a reclamar, em nome dos munícipes, e a dizer que nenhuma outra capitania tinha prestado tantos serviços ao reino. O Rei reconheceu esta situação e atribuiu as mesmas honras, isenções e privilégios aos cidadãos do Rio que tinham os munícipes da cidade do Porto.
A cidade de S. Sebastião, durante os seis anos do governo de Salvador, não diferia muito da pequena cidade descrita por Frei Vicente do Salvador duas décadas antes. O P. Ruiz Montoya que esteve durante quatro meses no colégio jesuíta do Rio, em 1637/38, descreveu o lugar como comparável a "um canto de um bairro na minha terra natal", a capital vice-real de Lima. Ele disse que os habitantes eram tão indómitos, que se matavam uns aos outros "como se fossem percevejos". No entanto, refere-se ao Governador com termos elogiosos e classifica-o como um verdadeiro amigo dos jesuítas. (Boxer, pp.113)
Entretanto, Salvador partia para Lisboa depois de ter pedido ao governador-geral, António Teles da Silva, para nomear um seu sucessor interino. Apesar de ter mostrado uma certa relutância, autorizou a substituição. Então o governo do Rio ficou entregue a Luís Barbalho Bezerra. Salvador de Sá partia cansado de mediar conflitos e das intrigas e calúnias maldosas pois, havia tempos, que se via cercado de inimigos. Já não suportavam a "oligarquia" dos Sás. (Norton, pp.40) Os soldados do Rio revoltaram-se, os exploradores do sertão queriam manter os seus privilégios, outros, como o Provedor de Fazenda, Domingos Correia, que foi demitido do seu posto, antes de ter terminado o prazo de três anos da sua comissão, para dar o lugar ao capitão Pedro de Sousa Pereira, que tinha casado com uma parente do governador, denunciavam-no e acusavam-no de irregularidades financeiras.
Acabou por ser ordenada uma devassa que, apesar de adiada muitas vezes, e de ter sido mandado fazer uma sindicância, não teve procedência  junto do Rei, porque em 25 de Março de 1644, Salvador Correia de Sá e Benevides foi nomeado General da frota criada para escoltar os navios mercantes entre o Rio e o Reino. Recebeu ainda a nomeação de deputado do Conselho Ultramarino, que era presidido pelo Marquês de Montalvão, anteriormente vice-rei do Brasil. Em 10 de Junho recebia o alvará que o confirmava como Administrador das minas de S. Paulo para continuar o esforço de descobrir novas jazidas. Outro alvará concedia-lhe o poder de galardoar com o hábito de Cristo. Como não podia exercer todos os cargos, ficou só com o de General da frota e delegou os seus outros poderes. 
Salvador partiu novamente para Lisboa, integrado no comando e na protecção de uma frota de açúcar que saía do Rio. Quando aí chegou, foi incumbido de conseguir na Baía e no Rio de Janeiro, socorro para Angola, onde várias nações negras se tinham revoltado contra Portugal, influenciadas pelos holandeses. (Lessa, pp.33)
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(continua)  

sábado, 2 de junho de 2012

V - Salvador Correia de Sá e Benevides

Os colonos de S. Vicente aceitaram bem, mas alguns, de S. Paulo, continuaram revoltados, e atacaram o colégio a 13 de Julho, prenderam os padres e expulsaram-nos do planalto. Salvador escreveu a 6 e 20 de Setembro aos paulistas para acatarem, tal como os do Rio de Janeiro, estas novas directivas, mas estes ficaram surdos às ameaças do governador. Em Janeiro de 1641 voltava a escrever, mas foi completamente em vão. Salvador C. de Sá e Benevides estava resolvido a ir pessoalmente mediar o conflito, quando, entretanto, recebeu a notícia, a 10 de Março, da Restauração de Portugal. Serenaram-se os ânimos, mesmo que provisoriamente.
D. João IV, Duque de Bragança, era o Rei. Salvador de Benevides prescindiu dos bens que tinha no território espanhol e aderiu à causa portuguesa, tal como o Vice-Rei. Nesta questão, Boxer coloca bastantes reticências quanto à imediata adesão do governador e explana toda uma série de razões para que assim não tivesse sido. No entanto, as manifestações de regozijo descritas por todos os historiadores lidos, levam-nos a concluir, instintivamente, que Salvador se sentia português. Os anos do resto da sua vida seriam suficientes para provar isso mesmo.
O governador mandou fazer muitos festejos na cidade, que duraram dias e ficaram famosos. Foram um verdadeiro Carnaval. Abriu a sua casa a uma representação teatral e a banquetes, próprios da opulência duma colónia que glorifica o seu Rei. A 19 de Março de 1642 recebeu uma carta de El-Rei, quando estava a assistir a uma homilia. Sentiu uma alegria tão manifesta, que começou a beijá-la e colocou-a em cima da cabeça, para que todos pudessem ver que a coroa de D. João IV era, agora, a sua. Deram-se, de imediato, vivas ao rei e o governador e capitão-mor do Rio recompensou o mestre da caravela, que lhe tinha trazido a carta, com isenção de imposto, o que era uma competência da Câmara, mas ele próprio prometeu que a pagaria do seu bolso. (Lessa, pp. 25/26)
D. João IV confirmou os poderes de Salvador, como governador das capitanias do Sul com a administração dos quintos e da casa de fundição de S. Paulo, e a mercê do soldo de mestre de campo. Resolveu-se então ir a S. Paulo serenar a revolta da população. Deixou Duarte Correia Vasqueanes no governo do Rio. Chegou a Santos e receberam-no, mas os habitantes da serra danificaram os caminhos, cortaram as pontes e impediram a sua ida. Benevides contemporizou e escreveu novas cartas a aconselhar o acatamento e a obediência das ordens régias e a prometer esquecer as ofensas.Apresentou diversos pontos a cumprir para que um acordo se firmasse, o que veio a acontecer, embora precariamente, e regressou ao Rio de Janeiro. (Lessa, pp. 28/29)
Anos mais tarde, quando se deu a passagem do controle das missões dos índios para as autoridades seculares, Salvador Correia de Sá fez uma declaração para o Conselho Ultramarino onde dizia: «eu sou testemunha ocular do facto de que em S. Paulo e Rio de Janeiro, onde fui governador durante muitos anos, os conselhos municipais desejavam obter jurisdição secular nas aldeias da missão, colocando-as sob controle de capitães nomeados por eles próprios. A dada altura, quando os padres deixaram esses lugares, havia 1000 famílias na aldeia de Marueri, 700 nas de S. Miguel, 300 tupis na de Pinheiros e mais de 800 na de Guarulhos. Quando regressei a S. Paulo, alguns anos mais tarde, encontrei apenas 120 famílias em Marueri, 80 em S. Miguel, 20 em Pinheiros e 70 em Guarulhos.» (Boxer, pp. 127)
Boxer escreve que, em qualquer caso, o sistema jesuíta desencorajava fortemente a iniciativa individual e o desenvolvimento da personalidade dos seus índios.
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(continua).     

V - Salvador Correia de Sá e Benevides

Relatórios holandeses, contemporâneos e fidedignos, informam que chegaram à Baía, em segurança, dezasseis navios e 1200 soldados, vindos do Rio de Janeiro, com grandes quantidades de carne e farinha, para abastecer a força expedicionária da Torre. Estes fornecimentos adicionais de mercadorias vieram de Buenos Aires, cujo governador, D. Mendo de la Cueva y Benevides, era um parente de Salvador. (Boxer, pp.120) D. Fernando de Mascarenhas endereçou-lhe muitos elogios e agradecimentos por todo o apoio obtido.
O conde da Torre conseguiu, assim, reunir cerca de 90 navios bem guarnecidos.Mas, durante o tempo que mediou essa preparação para a guerra, Nassau também se reforçou e quando se deu o encontro das duas esquadras inimigas, o Conde da Torre, apesar de inicialmente estar a vencer, após quatro dias de combate foi obrigado a dispersar a esquadra e foi destroçado em Potengy. A derrota foi clamorosa. A custo o governador-geral conseguiu chegar à Baía. D. Fernando de Mascarenhas foi mandado regressar a Lisboa e encarcerado na torre de S: Julião da Barra, donde só seria liberto, após a Restauração de Portugal em 1640.
Um total de 1500 a 2000 homens aportaram em Touros, no Rio Grande do Norte, e sob o comando de Luís Barbalho Bezerra, percorreram 400 léguas a pé até à Baía, constantemente atacados por inimigos. Morreram 100 homens durante esta marcha épica. Outros navios fugiram para as Antilhas. Os espanhóis sofreram em poucos meses esta derrota e a destruição da armada do Almirante Tromp, em Downs, a sul da Inglaterra, que coincidiu também com a revolta da Catalunha.
O Brasil seria então governado por um Vice-Rei, o Capitão General de Mar e Terra D. Jorge de Mascarenhas, Marquês de Montalvão. A administração do Brasil tinha passado pela centralização do governo-geral, divisão administrativa em dois governadores-gerais, por duas vezes, mas sempre com o "comando" da sua administração em Lisboa. As vilas e cidades eram geridas tal como eram as do reino. A justiça era exercida por juízes ordinários que estavam à frente das câmaras e, os governadores acumulavam os cargos de militares que procediam à defesa das capitanias desde a lei das ordenações de 1569 e da lei dos capitães-mores de 1570. (Magalhães, 1993)
A separação administrativa e política que resultou da criação do Estado do Maranhão em 1621, foi a mais longa experiência de governação pois, duraria até 1774.
Aquando da chegada do novo governo, andavam os colonos paulistas em discórdia com os padres, porque o Papa Urbano VIII, tinha enviado uma bula em que se garantia a liberdade dos índios, e os Jesuítas lutavam pela sua liberdade. Desde 1570 que se proibiam as "entradas" com o intuito de aprisionar índios e os escravizar; no entanto, apesar de, no início do século XVII, se dizer que no Brasil se há criado outra Guiné, nem por isso se substituíam os índios. Padre António Vieira, a propósito do Maranhão, escrevia que, "Tendo o Estado tantas léguas de costa e de ilhas e de rios abertos, não se há-de defender, nem pode, com fortalezas, nem com exércitos, senão com assaltos, com canoas, e principalmente, com índios e muitos índios; e esta guerra só a sabem fazer os moradores que conquistaram isto e não os que vêm de Portugal."
Sabemos que estas palavras de Vieira se aplicavam a todo o Brasil e que Salvador de Sá e Benevides teve sempre, quase como braço direito, os índios. E, apesar de no Rio o problema do trabalho escravo dos índios não ter a gravidade do de S.Paulo, Salvador de Sá, que era muito amigo dos padres, resolveu intervir para conseguir um acordo ente os jesuítas, o povo e a Câmara. Escreveu-se uma acta a confirmá-lo, que se assinou, no Colégio, em 22 de Junho de 1640. Os padres deixavam de poder intervir na administração dos índios que os moradores tivessem em sua casa. Passavam a só poder proteger os índios nos seus aldeamentos. Os próprios padres tinham índios ao seu serviço, no seu muito vasto património, o que gerava, entre o povo, a controvérsia, no entanto, Martim de Sá, em 1630, atestava que lhes pagavam soldo. Quando se revoltaram e teceram amargas críticas aos Jesuítas, os populares afirmavam que só no colégio do Rio havia 600 escravos, mas os padres desculpavam-se argumentando que os escravos "eram quase todos negros". (Boxer, pp.139) O próprio Salvador tinha cerca de 700 escravos, empregados nas suas várias plantações de açúcar e ranchos de gado, e era, quase certamente, o maior proprietário de terras, na capitania e, possivelmente, na verdade, o maior proprietário de terras individual, em todo o Brasil. (Boxer, pp. 140)
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(continua)   

sexta-feira, 1 de junho de 2012

V - Salvador Correia de Sá e Benevides

Pouco depois de chegar ao Rio, recebia ordens para, juntamente com um feitor que lhe enviaram, recolher o maior número de abastecimentos para enviar às capitanias do Norte. As capitanias do Rio, S. Vicente e S. Paulo é que forneciam a Baía naquele tempo, «por serem fertilíssimas de farinhas, assim de trigo, como de mandioca e de toda a criação» de animais domésticos.
Salvador de Sá e Benevides podia, para esse efeito, usar o dinheiro da Fazenda Real, ou o seu crédito de Capitão-Mor e Governador. Do Reino recebia o sal para temperarem as carnes que adquiriam. Os exércitos e praças do Norte eram abastecidos pelos grandes armazéns, que ficavam sediados no Rio de Janeiro, «pois era certo que sem mantimentos todo o socorro de gente e armadas que se mandar ao Brasil não somente será de proveito ao intento que se pretende, mas será causa de ruína, e total destruição de tudo.» (Norton, pp.36)
No dia 6 de Março de 1639 nasceu o primeiro filho de Salvador que era, então, um grande proprietário. Tinha construído um armazém para recolher o açúcar, a farinha e outros géneros da terra. Aí instalou uma balança que obtivera o privilégio de ser a única na cidade, porque não podia haver outra, e cobrava pela pesagem de cada caixa de açúcar dois vinténs. (Lessa, pp.21/22) Esta armazém que, inicialmente, tinha um contrato de exploração por dezanove anos, assinado pelo Conselho Municipal, viria a tornar-se vitalício, inclusive para os seus herdeiros, que obtiveram um investimento muito lucrativo porque, ao longo de dois séculos, apesar de todos os esforços das autoridades para o comprar, não foi possível negociá-lo. Até 1850, o governo imperial não conseguiu, nem mesmo por uma quantia elevada, comprá-lo à sua família. (Boxer, pp. 115)
Apesar de toda a sua riqueza, solicitou um aumento do seu salário, o que lhe veio a ser concedido, como Mestre-de-Campo, a 15 de Novembro de 1639, quando foi, também a seu pedido, nomeado administrador das minas de S. Paulo. Ser-lhe-iam atribuídos os largos poderes de governador das capitanias do Sul, devido aos seus argumentos da "maior facilidade de manobra em tempo de guerra com os Holandeses."
O Conde da Torre, D. Fernando de Mascarenhas, chegou à Baía a 19 de Janeiro de 1639 para substituir Rojas, depois de ter saído do Tejo a 7 de Setembro de 1638. Tinha permanecido em Cabo Verde muito tempo e perdeu muitos dos seus homens. Durante a abordagem que fez no Recife, a 10 de Janeiro de 1639, os seus oficiais aconselharam-no a atacar os holandeses imediatamente, mas ele recusou. Comandava uma esquadra de socorro, composta por 25 navios portugueses e oito espanhóis, que Madrid resolvera enviar para travar o ímpeto conquistador de Nassau. Esse estendia-se à Baía, onde já tinha tomado duas fortalezas e continuado para Salvador, onde foi derrotado pelo conde de Bagnuolo.
O governador-geral pediu que se reunissem aos seus navios todos os que estivessem disponíveis nas diversas capitanias, assim como o recrutamento de homens e provisões, para a guerra. Salvador Correia de Sá providenciou para que fossem pagos 4.000 reis, adiantadamente, a todos os voluntários que se alistassem. Como resultado do seu esforço, reuniu uma força mista de 428 soldados e 385 marinheiros, 30 cavaleiros e 37 canhoneiras. Numa carta que dirigiu ao Conde da Torre, Salvador dava-lhe conhecimento de que o pagamento aos homens recrutados, tinha sido feito do fundo da coroa e do seu próprio bolso. Também referia que tinha reforçado os cofres da tesouraria local com a imposição de uma taxa sobre a venda do vinho, coisa que nenhum dos anteriores governadores tinha conseguido. Uma segunda vez, Salvador prometia enviar 250 brancos e índios, do distrito do Rio e, dava ordens rigorosas para que ninguém de S. Paulo fosse "caçar" índios ou explorar minas no interior, enquanto durasse a guerra com os holandeses. Nesse despacho acrescentava que havia cerca de 900 homens em expedições no interior, e que teriam sido melhor empregues nas lutas em Pernambuco do que em "profanar os acampamentos da Missão onde iam procurar índios." (Boxer, pp.119)
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(continua)