segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

Boas Festas

Mais um ano está a chegar ao fim. O Solstício anunciou o Inverno e a nova estação trouxe muito frio, mas com lindos dias de sol. Parece que a chuva surgirá com o dealbar do ano novo, contudo é, quase sempre, por poucos dias. Em Lisboa temos tido temperaturas entre os 16 e 14 graus para as mais elevadas e entre os 6 e os 10 graus para as mínimas. Claro está que, para o Norte e para as serras, há neve e algumas temperaturas mínimas negativas. É com este esplêndido tempo que vamos festejar o Natal e reunir a família. Por isso estou a escrever aos meus estimados leitores a desejar um Feliz Natal e um Próspero Ano Novo. Nestes dias, rodeada de crianças e de adultos, à volta da mesa da consoada, do Presépio e do pinheiro natalício, lembro-me dos meus amigos que me lêem  na Rússia, nos Estados Unidos da América, na Ucrânia, na França, na Alemanha, em Portugal, no Brasil e em tantos outros países, e peço a Deus que sejam abençoados nestes dias e que vivam as festas com a alegria que todos nós as vivemos. Termino desejando que o novo ano traga a Paz para todo o mundo, que acabe a fome e a miséria, o desemprego e a crise, para que possamos viver num mundo melhor com amor e fraternidade. Boas Festas.     

quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

Doutrinas da Filosofia

"A morte de Alexandre da Macedónia, em 323 a. C., marca o encerramento do período propriamente helénico, que fez nascer a filosofia nas cidades livres da Grécia. O período seguinte, chamado helenístico, corresponde à expansão do espírito grego em todos os países mediterrânicos; mas a conquista macedónica, a hegemonia  de Roma e, por fim, a expansão do cristianismo atestam a decadência progressiva do ideal cívico e das tradições intelectuais da Grécia sob o influxo da imaginação oriental e da devoção semítica.
A dissolução das cidades, o advento de grandes impérios, privam o indivíduo dos seus quadros tradicionais e da sua actividade política, deixando-o espiritualmente desamparado. O que o homem então exige da filosofia é uma ordem de princípios de conduta e um ideal de felicidade, isto é, um «bem» supremo cuja conquista represente um nobre emprego para a energia moral abandonada a si mesma. A esta aspiração correspondem  as doutrinas opostas  de Epicuro e dos estóicos.
Desprendido da política da Cidade, mas de raça e espírito gregos, o epicurista transfigura a sua própria indiferença pela delicadeza e a perfeição moral que lhes confere. O estóico, pelo contrário, é inicialmente um meteco influenciado por semitas. Tais foram Zenão de Cítia, «o Fenício», Cleanto, o moço de fretes, e Crísipo, o segundo fundador do estoicismo. Homens novos, mostram-se abertos às novidades políticas da sua época: as suas simpatias voltam-se para os reis, para os grandes conquistadores de povos, para os construtores de impérios. Os príncipes sentem por eles e pelas suas escolas, de resto, um respeito em que se traduz o reconhecimento do seu poder moral. Se os estóicos não fazem política, as suas lições, pelo menos, preparam homens a quem a política não assustará; sabem ensinar ao mesmo tempo o amor pelo esforço e o desprezo pela fortuna material. Por isso a sua doutrina filosófica tem por símbolo uma espécie de tensão íntima que, segundo eles, existe em todos os corpos que vivem no seu seio sustentados por uma espécie de «alento» (pneuma), cuja tensão retém as suas partes componentes. O mundo é um «todo», semelhante aos grandes corpos políticos, que contém nele mesmo o seu fim. Todas as partes que o compõem são solidárias e hierarquizam-se segundo graus de tensão, desde a consistência do corpo vulgar até Deus, alento incendiado, chama impregnada de arte, agente e tensão supremos. O Deus estóico não é um Deus grego, como os que habitavam no Olimpo, ou como Dioniso, que suscitava o delírio sagrado: é um Deus semita, cuja acção providencial envolve toda a existência dos homens, nos mínimos pormenores. O filósofo compreende essa harmonia divina e aceita a obra do Destino, a lei que esse novo Zeus impõe ao mundo como sua razão e providência - e colabora nesta obra porque a compreende. Por isso o Destino não contradiz a liberdade do filósofo.
A razão absorve e domina todas as coisas, divinas e humanas. O mundo é uma simpatia ; uma conspiração universal de que o filósofo possui a chave : a virtude - e esta basta, só por si, para dar a felicidade. Esta visão estóica das coisas e da vida vai impregnar todas as doutrinas filosóficas e todas as ideias religiosas até ao fim da Antiguidade e ainda uma parte dos tempos modernos; mas, nesta longa história, a doutrina despoja-se pouco a pouco das suas ideias cósmicas e das subtilezas lógicas, conduzindo progressivamente à simplicidade incomparável de Epicteto, o escravo liberto, que pretende arrancar o homem a tudo o que não depende de si mesmo: «Suporta e abstém-te».» A razão estóica conclui pela afirmação descarnada dessa tensão inicial, do culto da vontade moral que era a alma da doutrina."

In: Ducassé, Pierre, As Grandes Correntes da Filosofia, Publicações Europa-América, Lisboa, 5ª Ed. s/d, pp.37 a 39.

quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

Estoicismo (3)

Se recorrermos a outra enciclopédia já encontramos, um pouco mais explanado, este termo da filosofia. Vejamos então: estoicismo, nm Filosofia. Escola filosófica greco-romana, de influência decisiva na patrística, na escolástica árabe e latina e no Renascimento. De modo geral, podem distinguir-se nela três períodos: estoicismo antigo, fundado por Zenão de Cítio (cerca de 300 a. C.) e dominado por problemas de natureza física, lógica e ética; estoicismo médio, de que foram figuras máximas Panécio de Rodes e Possidónio de Apamea, com afinidades platónico-cépticas, orientado especialmente para a problemática humana, e cuja influência se fará sentir no mundo romano; estoicismo novo, de feição ético-religiosa e que se estende ao longo da época imperial, tendo como principais representantes Séneca, Epicteto e Marco Aurélio. Abstraindo das diferenças consideráveis existentes nos diversos períodos e nas principais figuras, é possível encontrar traços comuns que caracterizam a escola. (...) O estoicismo parte de um monismo tendencialmente materialista e panteísta. O ideal do estoicismo não consiste no prazer mas no exercício da virtude, consistindo esta em viver de acordo com a razão cósmica que tudo governa. A felicidade estóica reside na aceitação do destino e no combate às paixões.

In: A Enciclopédia, PÚBLICO, Editorial Verbo, Lisboa, 2004, Vol. nº 8, pp. 3405.

Temos então que Epicteto pertenceu ao estoicismo novo, de feição ético-religiosa. Ao consultarmos  a história da filosofia (1) (que nos serviu de guia nos três anos de estudo desta disciplina), verificamos que Epicteto viveu no século I e II d. C.( 50-125). Das leituras que fiz, encontrei várias datas para o nascimento e morte deste filósofo, por isso, não pude verificar com inteira precisão. Sendo esta a data escolhida como mais fidedigna, verificamos que o estoicismo romano tem como filósofos, neste período, Séneca que viveu  de 4-65 d. C. (foi professor de Nero) e Epicteto. No que se refere a acontecimentos políticos viveu-se a dinastia  dos Flávios. Tito (79-81), Domiciano (81-96). Segue-se a dinastia dos Antoninos: Nerva (96-98) Trajano (98-117). Os acontecimentos culturais mais relevantes são: Morte de Cristo (28) Conversão de S. Paulo (30), a erupção do Vesúvio e a destruição de Pompeia (79) e a conclusão do Coliseu (82).  
No século II d. C. temos como filósofo mais relevante Marco Aurélio, que viveu de 121-180. Os acontecimentos políticos  dão-se com a vigência do poder de Adriano (117-138) Antonino (138-161) e de Marco Aurélio (161-180), aquele que deixou os seus Pensamentos  estóicos para todos nós e, por isso, vive sempre no nosso coração. Outros acontecimentos culturais deram-se com Ptolomeu; Galeno; Apuleio; Suetónio e Luciano. Podemos, por estas figuras extraordinárias que viveram nesta época, constatar como foi rico de cultura este período do estoicismo romano.

(1) Cordon, Juan Manuel Navarro,Tomás Calvo Martinez, História da Filosofia, os filósofos e os textos, 1º volume, Dos pré-socráticos à Idade Média, Edições 70, 1985, pp.14.  

terça-feira, 16 de dezembro de 2014

Estoicismo (2)

Se consultarmos uma ou outra enciclopédia encontramos, de uma maneira geral, o «estoicismo» definido como uma "corrente filosófica  greco-romana predominante de c. 300a.C a 200d.C e uma das mais marcantes na cultura ocidental (depois de platonismo e aristotelismo). Mais do que em construir vastas sínteses científicas, o estoicismo preocupa-se em fixar o «como viver» e o «para que viver». (...) O ideal do estoicismo não consiste no prazer mas no exercício da virtude, consistindo esta em viver de acordo com a Razão. A felicidade estóica reside na aceitação do destino e no combate às paixões. Defende o estoicismo que o homem nasce bom, sendo a sociedade que o torna mau."

In: Enciclopédia Fundamental Verbo, Lisboa/S. Paulo, Editorial Verbo  1982 pp. 559.    

Estoicismo (1)

Se formos a um dicionário encontramos estoic- el. comp. antepositivo, do gr. stoikós, é, ón ' dos estoicos, da escola do Pórtico', der. de stoá, âs ' pórtico ou galeria com colunata', ou, mais propriamente de stoá poikile' Pécilo  (o pórtico ornado de pinturas onde ensinava o filósofo Zenão)', pelo lat. stoicus, a, um.' id.'; ocorre em voc. atestados desde o sXV: estóica, estoicidade, estoicismo, estoicista, estoicístico estóico.

Mais abaixo encontramos  o substantivo masculino estoicismo que nos diz em 1 Fil. doutrina fundada por Zenão de Cício (335-264a.C.) e desenvolvida por várias gerações de filósofos, que se caracteriza por uma ética em que a imperturbalidade, a estirpação das paixões e a aceitação resignada do destino, são as marcas fundamentais do homem sábio, o único apto a experimentar a verdadeira felicidade [o estoicismo exerceu profunda influência na ética cristã.] 2 p.ext. rigidez de princípios morais 3 p. ext., resignação diante do sofrimento, da adversidade, do infortúnio. ... 
In: Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, Ed. Temas e Debates, Lisboa, 2005, Tomo VIII pp.3611.

(continua)

domingo, 14 de dezembro de 2014

Epicteto

Quando andava às compras de livros para oferecer no Natal, aos amigos e a mim própria, aproximei-me das estantes da livraria onde se podem escolher livros de filosofia e encontrei, com grande alegria, um livro de Epicteto. 
Primeiro: foi com admiração que vi o nome do filósofo escrito como soa melhor em Português, e como aparece nas Enciclopédias ou nas Histórias de Filosofia. Epitecto, como aparece na minha edição mais antiga, o c encaixando o e entre duas consoantes abre a (terceira) vogal, e a palavra, tal como no francês, surge acentuada na primeira e na terceira vogal: Épictète. Creio que estará bem das duas maneiras e que não será erro nenhum. 
Segundo: o livro contendo em si o "Manual de Epitecto", tem por nome «a arte de viver». 
Terceiro: a tradução é a partir do grego. Assim temos que "A Arte de Viver" de Epicteto, é uma 2ª Edição da Colecção Sophia (4) das Edições SÍLABO, Lisboa 2010. A autoria da tradução do grego e notas é de Carlos A. Martins de Jesus e a Revisão é de Maria do Céu G. Z.Fialho.
Quarto: ao contrário da minha primeira edição, este livro dá títulos a todos as diatribes, máximas e aforismos de Epicteto. Por fim, aqui fica a máxima nº 53 do "Manual de Epitecto", trabalho de Pedro Alvim e edição da vega, Passagens, 1992. Um muito obrigado.

LIII

                                         1- Que de imediato digamos em qualquer ocorrência:

"Conduz-me, ó Zeus, e tu , Destino,
ao lugar por vós fixado em que me devo 
   encontrar.
Seguir -vos-ei sem hesitar; se o não fizesse,
possesso do mal, na mesma vos seguiria (11)!"

2 - "Aquele que cede à Necessidade
é um sábio para nós e conhece o
divino (12) ."

3- "Mas, Críton, se as coisas assim são
agradáveis aos Deuses, que as coisas sejam 
assim (13)!"

4 - "Anitos e Mélitos podem matar-me,
 mas nunca prejudicar-me (14)."

Notas:
 (11) Versos de Cleanto, filósofo estoico, que, nascido em Assos, na Sicília, se tornou notado pelos anos 
260 a. C.
(12) Versos de uma tragédia ignorada de Eurípedes.
(13) Resposta de Sócrates a Críton, de Platão, 42 D.
(14) Resumo do que Platão faz dizer a Sócrates, na Apologia de Sócrates, 30 C.
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sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

«Manual de Epitecto» (5)

XI

Não digas nunca do que quer que seja: "Perdi-o". Antes diz: "Devolvi-o". O teu filho morreu - pois tão só o devolveste. A tua mulher morreu - pois também a devolveste. A felicidade foi-me arrebatada. Ora bem: a tua felicidade foi igualmente devolvida. "Que celerado não é esse raptor!" Mas que importa que, caro, quem algo te deu, caríssimo, tenha exigido o que te dera? Até seja permitido, desfruta o que te foi dado como um bem estranho, à semelhança de quem passa, e por uns dias se demora, numa hospedaria...

X

Por cada acidente que te sobrevenha, recorda-te, dobrando-te sobre ti em profunda concentração, de apelar à força que porventura possuas e cujo efeito te possa de momento ser útil. Se encaras com um homem formoso ou com uma bela mulher, encontrarás em ti uma faculdade que se oporá à sedução de ambos: a temperança. Se a fadiga se apossa de ti, recorre à resistência - e tudo faz ante uma injúria para que a paciência te assista. E se a tais hábitos te deres, nunca as tuas más ideias te levarão a melhor.

IX

A doença é um estorvo para o corpo, mas não para a vontade se ela o não desejar. O ser-se coxo  é um estorvo para as pernas, mas não o é para a vontade. Assim pondera todo e qualquer acidente, e chegarás à conclusão de que o acidente estorva sempre uma ou outra coisa - e que só para ti, movido de vontade, não é estorvo de espécie alguma.

VIII

Não exijas aconteça como tu desejas aconteça. Antes queiras aconteçam as coisas como acontecem - e quão feliz, então, não serás tu!

VI

Não te ufanes de qualquer qualidade que, por estranha, não seja tua. Se um cavalo se gabar dizendo: " Eu sou belo" - eis uma afirmação tolerável. Mas se tu te ufanares através das tuas próprias palavras simplesmente dizendo: "Eu tenho um belo cavalo" - bom é que saibas que tão só te orgulhas de uma virtude que é pertença do teu cavalo. Verdadeiramente, o que é teu? Somente o recurso às tuas ideias, o hábito de as saberes utilizar. Quando te serves das ideias em conformidade com a natureza das coisas, ah! sim, então é legítimo o orgulho em ti, pois te ufanas de uma virtude que unicamente é tua.

quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

«Manual de Epitecto»(4)

XXII

Se tu desejas ser filósofo, prepara-te desde logo para seres ridicularizado, zombado e escarnecido pelo comum dos homens. Que dirão: "Então este indivíduo assim se tornou filósofo tão de súbito?" E ainda: "E que ar orgulhoso não é agora o seu!" Quanto a ti - que nenhum orgulho te habite. Dedica-te ao que melhor te parecer, como se Deus te tivesse escolhido para os teus empreendimentos. E não te esqueças nunca de que, caso teimes nos teus propósitos, aqueles que no começo mofavam de ti serão os primeiros a admirar-te. Mas se, perante as zombarias, te deixares abater, então, ó caro, serás ridículo, não uma vez, mas duas vezes.

XXI

Certo é que a morte, o exílio, outros horrores e sustos todos os dias, todos!, se encontram sob os teus olhos. Mais do que tudo, porém, se ergue a morte. E aqui a tua fala não dirá coisa de pouca monta - e também o teu ânimo a nada se atreverá que desmedido seja.

XX

Reconsidera o seguinte: quem te injuria não te injuria; quem te agride não te agride; quem te ultraja não te ultraja. Então quem te ultraja, agride e injuria? O juízo, o julgamento, a sentença de quem assim procede contigo - e também a tua opinião sobre o acto de que foste vítima. Assim, pois, quando alguém provocar a tua ira, sabe que essa tua opinião é que irado te torna. Sendo assim as coisas, não te precipites e doma as tuas ideias. Porque segura é uma coisa: se ganhares tempo e pausa a fim de ponderares o acontecido - então, facilmente, serás senhor de ti mesmo.

XVIII

Não te perturbes se um corvo lançar um grito de mau augúrio. Pondera, distingue entre as tuas ideias, e diz para ti mesmo: "Este grito nada pressagia de mau para mim. Sim para o meu pobre corpo, para os meus pequenos haveres, para a minha vã glória, para os meus filhos, para a minha mulher. Quanto a mim, todo o augúrio é bom, se tal for o meu desejo. Porque, aconteça o que acontecer, só de mim depende que do acontecimento eu devidamente me aproveite."

XVII

Lembra-te que és tal como um actor no desempenho do papel que o dramaturgo te quis proporcionar: breve, se breve; longo, se longo. Se o dramaturgo deseja que representes um papel de mendigo, representa-o devidamente. Procede da mesma maneira se te couber um papel de coxo, de magistrado, de mero indivíduo comum. Só de ti depende que saias bem na representação da personagem para a qual foste escolhido - mas não esqueças nunca que a outrem pertence a escolha dos papéis que te couber.

XIII

Se desejas ser bem sucedido, resigna-te caro, face às coisas exteriores, por passar por insensato ou mesmo por tolo. Mesmo que saibas, não mostres qualquer saber; e se alguns te considerarem alguém, desafia-te a ti próprio e desconfia de ti. Que saibas sempre, na verdade, que não é fácil de preservar a vontade em conformidade com a natureza, pois que, simultaneamente, sempre nos inquietamos com as solicitações do exterior. Ora que fazer? Só uma regra necessária se impõe: quando nos ocupamos da vontade tendo a natureza por fundo (e  nossa íntima intenção) só a uma coisa nos podemos obrigar - evitar qualquer desvio daquele nosso primeiro propósito.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

«Manual de Epitecto» (3)

                                                                            XXXIX

As necessidades do corpo são a justa medida do que cada um de nós deve possuir. Exemplo: o pé só exige um sapato à sua medida. Se assim considerares as coisas, respeitarás em tudo quanto faças as devidas proporções. Se ultrapassares estas proporções, serás, por tal maneira de agir, necessariamente desregrado como se um precipício te seduzisse. O sapato é exemplo ainda deste estado de coisas: se fores para além do que o teu pé necessita, não tardará muito que anseies por um sapato dourado, por um sapato púrpura depois, finalmente por um sapato bordado. Uma vez que se menospreze a justa medida, deixa de haver qualquer limite que justos torne os nossos propósitos.

                                                                          XXXVIII

Assim como evitas pisar um prego, e tens todo o cuidado em não torcer o pé, assim também evita pôr em causa os teus princípios. Se, nesta ou naquela tarefa, tivermos este cuidado, mais seguros nos sentiremos na execução da mesma.

                                                                           XXXV

Quando reconheceres que deves proceder desta ou daquela maneira, não te envergonhes da tua acção mesmo que façam má opinião de ti. Se a acção do teu procedimento se revestir de mal, coíbe-te, na verdade, de a praticar. Mas se o bem  presidir à tua acção, porque deverás temer os que te censuram de maneira vã?

                                                                            XXVIII

Se alguém entregasse o teu corpo ao primeiro desconhecido, indignado ficarias certamente. E tu, quando a tua alma entregas ao primeiro que encontras para que a perturbe e arruíne, e ele a tua alma injurie deveras, não sentes vergonha por tal acção tua?

                                                                             XXVII 

Assim como o alvo não é colocado para ser atingido, também o mal, do mesmo jeito, não existe no mundo.

                                                                              XXIII

Caso concedas, por acaso, a tua atenção ao exterior, num acto de pura condescendência por alguém ou por alguma coisa, que saibas perdeste a autoridade que até esse momento de todos merecias. Contenta-te, por conseguinte, em ser filósofo em todos os teus actos. Mas se verdadeiramente o desejas ser, sê-o primeiro face a ti mesmo - e que isso te baste!


terça-feira, 9 de dezembro de 2014

«Manual de Epitecto» (2)

O Manual de Epitecto pode caracterizar-se pela sobreposição da vida interior sobre a vida exterior. É um livro que data de 50 a. C., um tempo de crise determinado pelo declínio das cidades gregas, edificação ainda muito débil das monarquias helenísticas e primórdios da fundação do Império romano. Um tempo de crise, de corrupção, da perda de muitos valores - e, daí, a necessidade de um discurso que ensinasse os homens a viver uns com os outros e também a defender-se no mais íntimo de si próprios.
Constituído por cinquenta e três diatribes, o Manual, surgido das cogitações de um escravo-filósofo, ensina-nos a preservar a nossa integridade através de exemplos muito simples, quase todos captados no quotidiano de então, quotidiano esse que, sob tantos aspectos, muito se assemelha ao nosso. (...)
Epitecto querendo inteirar-se do conteúdo da Filosofia, foi-lhe permitido assistir às lições  de Caius Musonius Rufus, filósofo estoico com escola estabelecida em Roma. Anos depois, a juventude romana enchia os locais em que Epitecto expunha a sua maneira de encarar a crise que então abalava o fim do mundo helénico e o começo do mundo romano.
Morreu de idade avançada, quando cidadãos do mundo civilizado da época citavam de cor as suas máximas, diatribes e aforismos.

Este texto foi retirado (com cortes e adaptação) das badanas do Manual.  Não enuncia o autor, motivo pelo qual vos digo que a tradução do livro é de Pedro Alvim (do francês, de M. Meunier, G. - F., 1964). Vamos às máximas:
                                                                             XLII

Quando um homem te prejudicar, ou de ti falar mal, parte do princípio de que ele pensa que é seu dever agir ou proferir palavras de maneira danosa. Assim sendo, é absolutamente impossível que ele se aperceba do teu sentimento ferido: para esse indivíduo, o que está certo é a sua maneira de actuar. Ora se ele se comporta mal para contigo, unicamente se prejudica a si próprio - e a sua vida decorre no erro. É tal e qual o que sucede quando alguém tem por falso um juízo verdadeiro: esse juízo não é aqui afectado, e sim o que por afectado o tem que se encontra enganado. Se por estes princípios regeres a tua conduta, será com bonomia que suportarás aquele que te injuria. Para tua defesa, repete de cada vez quando alguém te ofenda: "Quem me ofendeu pensa que agiu bem."

                                                                            XLIII

Qualquer coisa tem duas asas: uma que nos permite a levemos connosco, a outra que tal intenção não nos facilita. Se o teu irmão tem mau feitio, não o chames a ti levando a mão à asa que se manifesta de modo errado. Por aí, é-te impossível levar a bom termo o teu propósito. toma-o antes pela asa boa, pela mão que se não recusa à tua mão - e se te lembrares que ele é teu irmão, que foi amamentado contigo, logo verás que o podes chamar a ti.  

segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

«Manual de Epitecto» (1)

Epitecto  nasceu pelo ano 50 a.C., de uma família humílima, na Frígia, e, pelas conjunturas da vida, tornou-se escravo de um senhor da alta roda de Nero. Estoico e sabedor da doutrina de Sócrates, enfrentou o infortúnio com sabedoria, gentileza, fraternidade. Coxo por  tortura a que foi submetido pelo referido senhor, numa idade jovem, Epitecto aceitou o que o exterior muitas vezes lhe reservou e continuamente se elevou nas decisões conscientes da sua interioridade...
Que se atente na ferramenta da sua missão de filósofo: são os barcos, o circo, os festins ou repastos, os cavalos, o mar, o dia e a noite, os laços familiares, o sofrimento e a morte, as íntimas alegrias do dever cumprido, os oráculos divinos (um simples sapato até) que lhe servem para elaborar magistrais lições de filosofia, através de máximas, diatribes, aforismos, sequências com ilação final... Enfim as primícias da vida como instrumentos de diálogo.
Um homem, portanto, que, com os sentidos na vida de todos os dias, procurava fazer-se entender pelos outros, o mais rentemente possível, a fim de que ele e os outros se elevassem até uma outra espécie de vida - precisamente aquela que se sobrepõe, por uma atitude de espírito, à vidinha de todos os dias.
O que de Epitecto nos chegou não foi por ele escrito (assim Sócrates procedeu também) - e sim por um seu discípulo, de nome Flavius Arrien, que, tendo-o como mestre da comunidade, assentando foi o que lhe era dado escutar. Em boa hora o fez, muito embora dos oito livros que assim coligiu unicamente quatro tivessem circulado por entre os homens de então. O Manual,  e ainda por iniciativa de Flavius, é constituído pelo essencial desses quatro livros - e desde há séculos (nomeadamente nos primeiros da era cristã) que tem vindo a desempenhar o papel de um amigo que, em certos momentos da vida, nos sabe dizer se à boa leitura formos dados: "Olha que não é assim, olha que as coisas são enganadoras, olha que outras razões mais subidas há..."  - e filósofos, por exemplo, Pascal, acusaram a sua influência nas doutrinas muitas que foram erguendo.
Será que o mundo de hoje suportará um pensamento estoico, assente na disciplicência e na virtude? Será que qualquer um de nós saberá ainda dizer a si próprio que faz parte da humanidade e que os outros também da humanidade fazem parte? Que ninguém é superior a ninguém, e a nada, e a si próprio inclusive - e tão só um cidadão que deverá saber, como diz Epitecto, que o seu pé é a medida do seu sapato, e não o sapato que engrandece esse mesmo pé, pisando o mundo como senhor e dono?

Estas palavras fazem parte do prefácio de Pedro Alvim ao Manual de Epitecto, Vega Limitada, 1992 - Passagens - e foram adaptadas, com cortes, por mim, para tornar a transcrição mais pequena. Em seguida escolherei algumas máximas para os meu leitores. Assim como vos falarei sobre o Estoicismo. Espero que gostem de ler. Vou começar praticamente pelo fim:
                                                                               L

Sê fiel a tudo quanto te for interdito. Sê fiel à interdição. Tem-na, à interdição, como lei que tu não deves transgredir. (Se o fizeres, a impiedade habitará em ti.) Não dês atenção ao que digam de ti, pois o que de ti disserem  nunca depende de ti.