segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

O CONSERVATÓRIO NACIONAL

O Teatro é uma espécie de sombra que o homem projecta sobre si próprio.

J. Listopad

O Conservatório Nacional foi fundado a 15 de Novembro de 1836, abrindo especialmente para o teatro. Porém, foi-lhe agregada seguidamente a Escola de Música, que já existia, e era dirigida por Domingos Bontempo, sendo igualmente fundada a Escola de Dança. Efectivamente, verificamos que, desde o início, coexistiram ali, no Convento dos Caetanos, as três escolas, que se completam, pois o teatro em si, desde tempos imemoriais, comporta o ritmo, a voz, a música, a dança, que são complemento da palavra.
"Talvez, nunca uma revolução artística se tenha feito tão amplamente," (1) e foi conseguida porque, pela primeira vez, esta incumbência foi atribuída ao homem certo: um artista, que foi Almeida Garrett, "homem de múltiplos talentos". (2)
Saindo vencedores os liberais da revolução de Setembro de 1836, Passos Manuel, em nome da Rainha, encarrega Garrett de preparar um plano de "reforma do teatro português".  Este, que beneficiara das suas estadias no estrangeiro, durante os seus dois exílios, vem repleto de novas ideias para um  "teatro renovado", que já lá fora se praticava.  Então, irá apresentar "o plano completo para a criação e organização do teatro português", (3) composto, não só do projecto de se construir um edifício para o teatro nacional, mas também, da "criação de uma escola para formação de actores, o Conservatório. " (4) O aspecto da formação de actores, a criação de uma escola de arte dramática, era a  sua preocupação fundamental; por esse motivo, aceitou criar e dirigir a Inspecção Geral de Espectáculos, para poder, efectivamente, orientar todo o teatro português. Promoveu um concurso anual como estímulo para a criação de peças, com atribuição de prémios. E, porque era um homem cosmopolita, convidou "para professor de arte de representar o actor Paul, que integrava uma companhia francesa, de Émile Doux, que se encontrava em Lisboa. Este actor   principal foi que, juntamente com o actor Lisboa, dirigiu, na prática, a Escola , levando a que, no espaço de poucos meses, se representasse uma peça "que obteve enorme sucesso". E convidou, também, para organizar a Escola de Dança, o brasileiro York.
"Almeida Garrett foi o primeiro a saber que o teatro em si não existe como disciplina, que o teatro tem que se apoiar noutras disciplinas, ao que nós hoje chamaríamos Ciências Humanas, como a História ou História do Pensamento; por isso, Herculano foi aqui professor. Mas, também graças a ele, música e dança se tornaram complemento do próprio teatro.  Portanto,  Garrett é um homem extremamente moderno (...) achou que o teatro não vive só de actores; vive também de textos e os textos têm de se provocar, tem de criar uma nova dramaturgia. Portanto, mandou fazer os concursos." (5)
Por tudo isto que pude transcrever, verifica-se a preocupação que Garrett manifestou em "criar um reportório português que esses actores pudessem interpretar;" para isso "dotou o País com a primeira lei portuguesa em matéria de direitos de autor, que foi promulgada em 1851."  (6)
Se nós considerarmos a reforma estrutural de Garrett como um todo, extremamente moderno, (...) verificamos que o ensino do teatro (...) logo de início ficou muito aquém da modernidade e do sentido global e estrutural que Garrett imprimiu à sua reforma. (7)
Esta questão pertinente que Duarte Ivo Cruz levantou, levou-me às palavras de Manuel Rio-Carvalho, que diz:  o ensino artístico foi durante muito tempo uma aprendizagem prática. Estas palavras actuais vão de acordo àquilo que Fialho de Almeida referia: em todos os tempos do teatro português, os grandes actores e actrizes se fizeram na rua, em plena multidão, estudando a vida em plena liberdade. (...) Manuela Rey, Emília das Neves, Emília Adelaide, etc., estudaram a ciência de visionar tipos dramáticos em laboratórios psicológicos (...) em plena multidão, e foi sofrendo, trabalhando e chorando, que esses grandes artistas surpreenderam da vida os lances, que, com tanto brilho, souberam exteriorizar. (8) Era no palco que se completava a aprendizagem do futuro actor. (M. Rio-Carvalho) (9)
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Notas:
As notas deste capítulo sobre o Conservatório Nacional são, na sua maioria, do livro realizado com o apoio da Comissão de Reforma do Sistema Educativo pelo Centro de Documentação e Investigação Teatral, E. S. T. C., 1988, Conferências realizadas no âmbito da Comemoração dos 150 anos do Conservatório Nacional. 
(1) - Lisboa, Eurico, "Escola de Teatro, da fundação aos nossos dias".
(2) - Garrett, Almeida, Catão, Teatro 1, 7ª edição, Parceria A. M. Pereira, Lx., 1972, in prefácio de Andrée Crabée Rocha.
(3); (4); (6) - Rebello, Luís Francisco, "Garrett e a Reforma do Teatro".
(5) - Listopad, J., "A procura da palavra".
(7) - Ivo Cruz, Duarte, "Estudo do Ensino de Teatro de Garrett a 1970."
(8) - Fialho,  Almeida, Actores e Autores,  Clássica Editora, 3ª ed..1970. 
(9) - Rio-Carvalho, Manuel, "Notas sobre o ensino actual na área do Teatro, da E.S.T.C.



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