Partindo do princípio que Fialho fazia uma crítica demasiado dura e que têm saído bons profissionais do nosso Conservatório, em relação aos que se fizeram na "rua" e no palco, eu vou continuar com palavras de hoje, proferidas pelo professor José Valentim Lemos sobre o "ensino da arte do teatro," que começa por citar Ernest Bloch: "pensar significa transpor, passar além, mas também atravessar, saltar por cima, vencer, superar, percorrer," o que, segundo este professor da Escola de Teatro, se aplica ao que é necessário fazer para "reflectir abertamente sobre a "realidade do nosso teatro", porque o teatro português está em crise, (...) porque os aspectos da crise são forçosamente múltiplos (...) do ponto de vista artístico, saldou-se e salda-se, porque em certos casos persiste, na drástica limitação da qualidade dos espectáculos. Do ponto de vista do público, saldou-se num afastamento das salas de teatro. Do ponto de vista humano, vai saldar-se no desgaste de quantos acreditaram ter um futuro na actividade teatral: a curto ou médio prazo o que espera esses profissionais insuficientemente preparados para o desafio do futuro é o desemprego e a frustração." (9)
Para que isto não venha a suceder, é necessário "pensar" para "transpor", "superar", "revalorizar os valores, partindo da nossa própria língua. Não é por acaso que Portugal deu ao mundo um Gil Vicente, um António Ferreira, um Padre António Vieira, um Almeida Garrett, um António Patrício, um Jorge de Sena, etc.. E os poetas e autores não existem para ficarem apenas impressos. Existem para comunicar (...) como dizia Miguel Torga, «a palavra é a grande comunicação» (10). Garrett amou acima de tudo talvez, a palavra e, através da criação do Conservatório e da Escola de Teatro, se propôs expressá-la, uni-la "entre si os gestos ao movimento verbal, os acontecimentos esparsos à acção (...) talvez que, na era dos deuses subterrâneos e sombrios, o poético se tivesse revelado no eco troante do actor mascarado, mais bufão dionisíaco do que persona teatral. Dito e ouvido, porém, num lugar sagrado, era ainda a expressão de um Deus, o eco de uma energia divina." (11)
É pelo apelo a esta energia divina que devemos pugnar, para que o Conservatório e as escolas que lá funcionam se realizem. "aspirando (...) a uma educação pela arte generalizada, e à escala nacional, desde os jardins de infância às escolas superiores."(12) "Não isolar as escolas secundárias das escolas superiores: queríamos que houvesse um cordão umbilical, (...) com vista ao progresso do ensino artístico em Portugal." (13).
Este era o espírito de Garrett ao criar o Conservatório. E o seu espírito continua ali mesmo, na que foi a sua casa, na Rua dos Caetanos, vivo, "deambulando", viajando através da sua terra, no coração daqueles que dia a dia frequentam a sua escola, eternizando o nosso Garrett.
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Notas:
(9) - Lemos, J. Valentim, "Paradoxos de um ensino da Arte do Teatro", pp.91.
(10) - Germana Tanger, "Teatro, veículo da língua".
(11) - Botelho, Afonso, "A língua e a Máscara".
(12) - Santos, Arquimedes da Silva, "Acerca de uma experiência de 'Pedagogia e Arte' no Conservatório Nacional".
(13) - Perdigão, Madalena, "Aspectos da experiência pedagógica".
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