O Teatro profano nasceu, afinal, da necessidade do sagrado ou, para ser mais exacto, da liturgia. Este teatro é irreal, porque é profano na representação e nos temas, mas é real porque as pessoas, sem o saberem, vão ao teatro à procura do sagrado ou da liturgia perdida.
A. Barahona da Fonseca
As Origens do Teatro Português
Ao estudar «O Teatro Antigo», de Pierre Grimal, (na disciplina de Latim) Verifiquei que este mesmo teatro "exerceu uma influência muito importante e mesmo determinante na cultura ocidental (...) a antiguidade clássica e o Renascimento europeu tiveram o teatro como meio de expressão privilegiada. Aristóteles foi um dos primeiros a falar da catarse(a purificação) realizada pelo teatro, que liberta o espírito das suas paixões secretas dando-lhes os meios para delas tomar consciência. E isto é verdade não só para as almas individuais, mas também para sociedades inteiras." (1)
Partindo do princípio que os Romanos viveram durante cinco séculos na Península Ibérica, é provável que aqui se realizassem as comédias "celebradas pelos camponeses na época das vindimas" em que, por exemplo, "se faziam mascaradas, dançatas e cantatas, cobrindo o rosto com máscaras de casca de árvore", ou as célebres sáturas, pois sendo Portugal um país da Europa Ocidental, com uma vasta orla marítima, conheceu desde tempos imemoriais o contacto com as mais diversas civilizações que, eventualmente, terão por cá praticado uma permuta, não só comercial, mas também cultural. O Teatro Romano de Lisboa, bem como o de Mérida, são prova dessa permuta.
Horácio um dos escritores do tempo de Augusto, revela na na sua "epístula" preocupação pela estética do teatro que, se na Antiguidade não teve relevo, a partir do renascimento a sua influência foi considerável quando se criou um teatro mderno no qual o elemento literário era predominante. A epístula recomenda mais o recurso às narrações do que ao espectáculo; o que embrenhava a tragédia na via da eloquência. A lição será compreendida pelos poetas da idade barroca. A predominância da palavra sobre os outros elementos que compõem um espectáculo dramático não estava de acordo com o gosto geral dos Romanos. O teatro romano, tal como o grego, tinha, porém, um traço comum: tratava-se sempre de uma criação literária ao serviço duma função colectiva, e, se o espectáculo antigo está morto, restam os textos que são uma herança imensa (2) Ora, como nos diz Strindberg, àcerca da alma das suas personagens, que são um conglomerado de civilizações passadas e presentes de fragmentos de livros e de jornais, de bocados de homens, de farrapos de vestigos domingueiros, tornados andrajos, à maneira da própria alma humana, uma reunião de peças do mais diverso jaez,(3) também todo o acto criativo sofre um processo evolutivo em que se reunem "peças do mais diverso jaez"; por esse motivo surge a dificuldade de datar no tempo o nascimento do teatro português.
Somos, assim, levados a um teatro anterior a Gil Vicente que se dividiria em três ramos: o "litúrgico-religioso, um popular e jogralesco e um teatro de origem cortesã".(4) Não sendo possível, porém, estabelecer um "escalonamento destes três ramos devido à própria dificuldade de determinar as suas raízes cronológicas, a ideia que podemos ter àcerca destes espectáculos de teatro é que eles chegaram à Península durante a Idade Média, possivelmente como expressão litúrgica de um público homogéneo",(4) apesar de "certos documentos e, mais tarde, os cancioneiros",(4) darem notícias "dos movimentos pré-dramatúrgicos populares a partir do final do século XII (...), como, por exemplo, o documento datado de 1193 em que D. Sancho I faz uma doação a dois jograis"(4) e, como retribuição, terão oferecido ao Rei um "arremedilho" que se pensa ser uma "farsa ou espectáculo breve".(4)
Pondo-se a interrogação àcerca do verdadeiro significado de "arremedilho," uma verdade documentada é a de que logo nos inícios do "Reino de Portugal" se instalaram histriões ou jograis que teriam como função o entretenimento, quer da Corte, quer das populações, que se transformaram pelas suas características "símbolo de certa Idade Média tumultuosa e fecunda".(4) Bufões, jograis ou trovadores, assim eram diferenciados conforme aquilo que artisticamente eram capazes de representar ou criar.
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Notas:
(1); (2)- Grimal, Pierre, «O Teatro Antigo», Edições 70, Lx., 1986.
(3) - Strindberg, «A Menina Júlia», Editorial Presença, Lx., 1963, in Prefácio pp.205, Trd. Ana Maria Patacho e Fernando Midões
(4)-Ivo Cruz, Duarte, «História do Teatro Português», Guimarães Editores, 1983.
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