sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Elos de ligação Teatro-Cinema (conclusão)

A peça de Shakespeare, «Henrique V» também já foi mais do que uma vez adaptada ao cinema e quer uma versão, quer outra, seguiram a forma de a ver dos próprios realizadores. Laurence Olivier, realizando e protagonizando "Henrique V", em 1945, ter-lhe-á dado uma feição diferente da que nos foi dada ver recentemente em "Henrique V", por Kenneth Branagh, que é exemplo de se poder "gosar de pestígio nos meios teatrais" e, ao mesmo tempo, ser realizador e protagonista.
Assim, quer os realizadores quer os próprios actores, têm um papel preponderante na forma como vêem e encarnam as personagens. Acaso "Cyrano de Bergerac" teria resultado tão brilhantemente sem esse 'espantoso' actor que é Gerard Depardieu? E a peça "Muito Barulho por Nada" teria tido o sucesso que teve sem a figura, a voz e orientação de Miguel Cintra? Isto sem querer desfazer no conjunto de actores que contribuiram para este sucesso. Porque o resultado final é sempre produto de uma harmonia obtida por esse próprio conjunto que traduz a montagem. No entanto, algo há de mágico nestes principais papéis. Aqui talvez possamos pensar nas palavras de Panofsky, que considerava o cinema "mais perto da arte dos egípcios, que existia numa esfera de realidade mágica, que da dos gregos que pertencia a uma esfera de realidade estética".
Realidade mágica ou realidade estética, visão do cinema voltada para o simbólico, ou para o pictural, ou ainda para o mundo natural, ou da linguagem verbal, é opção naturalmente a fazer pelos próprios realizadores, e aí reside essencialmente a sua própria criatividade. O criar um universo de artifício, onírico, icónico, recorrendo à planificação, e ao uso de máscaras e a artistas bem pintados, adornando os cenários "com redes, véus, trepadeiras, grades, serpentinas, etc. (...) para mascarar a existência; ou, então, filmar nos exteriores e deixar que, por vezes, o guião não seja seguido à risca, utilizar artistas amadores e sem a maquilhagem no desejo de captar a essência, dando a impressão de improviso, de esboço". É, no entanto, ainda o cinema e creio que o teatro também, uma arte que possui um ideolecto, ou seja, tem a marca de um estilo, o do autor.
E o espectador ou o leitor de uma peça não terá um papel activo? Possivelmente, a forma como eu vi a peça de teatro, ou o filme, não coincidirá em todos os aspectos com o que viu outro espectador. Poderá ter, para mim, um conteúdo e uma significação diferente. Penso que sim, e naturalmente, residirá aí a riqueza da própria arte. Essa possibilidade é precisamente a existência de contradição e de códigos diversos que podem coexistir. E nessa coexistência é que se verificam existir os elos de ligação entre o teatro, com a sua tradição clássica e já delineado e estruturado, poderá dizer-se desde Aristóteles, e o "cinema que teve a sua origem nos entretenimentos populares, mas que lhe deram força para resistir às lisonjas da arte tradicional - romance, dramaturgia, pintura, et.," e criar a sua própria estética. No entanto, tanto o teatro como o cinema não deixam de se apresentar à crítica "como um prisma", em que cada um se pode mirar como deseje. Apreciar o filme ou a peça pelo lado político, psicológico, literário, ou outro.

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