quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

O TEATRO - Sua Influência no Imaginário Colectivo e nos Ideais Estéticos Portugueses.

O Teatro é poesia que se ergue das tábuas e se faz humana.

F. G. Lorca.


INTRODUÇÃO

Foi a releitura do romance «VIAGENS NA MINHA TERRA», de Almeida Garrett, que me motivou a estudar os seus textos para o teatro português e a escolher este tema, pelo interesse em verificar até que ponto tais textos terão contribuído para a introdução duma nova estética literária, ou mesmo duma nova poética romanesca, que veio enriquecer a cultura portuguesa. A dado passo, diz o autor: Quem tem uma ideia fixa em tudo a mete. (1)
Efectivamente, aqui estou a introduzir neste meu trabalho aquilo que é, para mim, uma ideia fixa e motivo de interesse e reflexão: a educação.
Antes, porém, desejo fazer um flash-back, recordando aqueles que ficaram na história como defensores da educação, não só masculina, como feminina. Por exemplo: Ludovico Vives, humanista espanhol (...) que foi um dos maiores tratadistas da educação nova (...) e que tratou largamente da educação feminina, considerada tão importante como a masculina. (2)
Também o Padre António Vieira acreditava na virtude da educação (...) o índio boçal do sertão brasileiro poderia, através da cultura, ascender a alto nível espiritual. Demonstrou-o numa comparação famosa: a pedra informe que o estatuário arrancou da montanha, uma vez afeiçoada, pode dar uma imagem bela e até um santo do altar. A educação e a cultura poderiam pois corrigir a própria natureza. (3)
Mais tarde, Luís António Verney, no seu «VERDADEIRO MÉTODO DE ESTUDAR», pugnava pela alfabetização e educação feminina, uma vez que seriam elas as primeiras educadoras. Ora, verificando através da leitura de um artigo de jornal, que investigadores e professores reconhecem que a capacidade sócio-cultural do futuro adulto se decide pela educação que receber até aos seis anos (...) e que setenta por cento das crianças portuguesas não têm acesso à rede pública de educação pré-escolar,(4) verifico que Verney, hoje como no seu tempo está actual. É necessário que continuem a ser as mães as primeiras educadoras, uma vez que tão poucas crianças têm acesso ao ensino pré-escolar. Mas, para que tal aconteça, é necessário que se cultivem e manifestem gosto em se dedicarem à educação, pois se "o panorama também não é animador no domínio do ensino primário, (...) onde a taxa de insucesso escolar atinge os quarenta por cento," (5) naturalmente que será o efeito dessa ausência cultural da primeira infância não adquirida no seio da família.
E porque "subsiste em todos os participantes a grande dúvida: que cidadãos do ano 2000 serão as crianças portuguesas de hoje?,"(6) proponho-me, neste meu trabalho, recordar os professores que continuaram a cultura familiar, num "ensino básico português"(7) sem "orelhas de burro"(8) com uma didáctica moderna, onde o factor humanístico, numa educação pela arte, era o mais importante. Expressa vai a experiência vivida e com ela a esperança que os cidadãos de 2000 possam recordar o teatro representado na infância, porque essa é a prova de que se uniram esforços para que o ensino do português fosse motivo de jogo, de canto, de dança, de representação dos autos, e pequenas peças dos nossos dramaturgos. Do básico ao universitário um traço comum, horaciano "ducere cum delectare", por uma efectiva cultura portuguesa.
Foi nos primeiros anos de escola que comecei a viver e a amar o teatro, e isso devo ao dedicado professor que tive, que era também o director da escola, Mário Pereira (já falecido), que ao longo de todos os quatro anos de ensino básico me levou a participar em festas promovidas por sua iniciativa, ensaiadas com a ajuda de sua esposa e outras professoras da mesma escola, que se entregavam, fora dos horários escolares, a ensinar-nos dança, canto e representação, numa autêntica didáctica do teatro. Aprendíamos, então, a dizer, a ouvir e a amar a palavra.
Cada aluno decorava o seu papel e vivia a espectativa da preparação do espectáculo e de que ele resultasse harmonioso. Fazer teatro, dançar ("A valsa das Flores", do II acto do Quebra Nozes), cantar melodiosas canções, foi previlégio que se tornou matriz do meu gosto pelas artes, que vêm desses magníficos tempos da infância que povoam a minha memória. As peças infantis realizadas no Teatro Nacional (Luanda) por Cremilda Torres, às quais nunca se faltava, originaram uma vivência infantil tão intensa que não podia deixar de ter repercussões, ainda hoje vivas, na idade adulta, manifestadas na leitura de textos para teatro e, sobretudo, na assistência a concertos e bailados, e a peças como "D. Quixote", de Yves Jamiaque, "Fedra", de Racine, "Fuentovejuna", de Lope de Vega, e tantas outras que marcaram um tempo de ser.
É, no entanto, bem patente a crise que o teatro atravessa; casas de espectáculos que encerram, dificuldades de várias ordens, mas que sobrevivem, e, o mais grave, uma ausência e uma certa apatia do público pelo teatro e pelos seus artistas. Serão os modernos meios audiovisuais responsáveis por tal situação? Sem negar o valor técnico destes, é necessário compensá-lo fazendo vir à superfície o valor humano que lhe está subjacente, porque os criou. É altura de nos propormos revigorar o espírito de Garrett, recriando, fomentando e divulgando o teatro, pois ele é uma das grandes fontes e manifestação da nossa cultura, não só popular, mas também erudita.
Consciente de que o teatro é preponderante para uma educação completa, proponho-me, então estudar as origens e o processo do teatro português, mesmo reconhecendo que seria necessário o estudo de uma vida inteira para o seguir linearmente. Tentarei, no entanto, com as limitações de tempo e espaço, dar uma perspectiva conseguida desse teatro, que representa, com a sua vitalidade ou debilidade, a nossa própria vivência. Assumindo que a minha leitura não será igual à que o espectáculo nos propõe, visto que "é a palavra que nos dá as personagens" (9) (Rui Belo), e que "o teatro só se aprende a ver teatro"(10) (Duarte Ivo Cruz), esforçar-me-ei por conseguir o objectivo de demonstrar o interesse de uma educação pela arte, numa cultura com o teatro e pelo teatro, porque, como dizia F.G. Lorca, o teatro é uma escola de choros, de risos, uma tribuna livre onde os homens podem pôr em evidência as morais velhas e equívocas e explicar com exemplos vivos as normas eternas do coração e do sentimento do homem.(11)

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Notas:
(1) Garrett, João Baptista de Almeida, «Viagens na Minha Terra», Portugália Editora, 1963, 2ª ed. pp.213.
(2) N. Abbagnano, A. Visalberghi, «História da Pedagogia», Livros Horizonte, 1983, Vol. II, pp.266.
(3) Padre António Vieira, «Sermão de S.to António aos Peixes», Ed. Seara Nova, Col. Textos Literários, 1972, 6ª ed., in Prefácio de Rodrigues Lapa, pp.XIV.
(4);(5);(6);(7);(8), Jornal: Público, ed. de 10 de Abril de 1990.
(9) Lorca, Frederico Garcia, «D. Rosinha a Solteira», Col. Teatro, ed. Estampa, Seara Nova, Lx., 1973, in Prefácio de Rui Belo, pp.13.
(10)Ivo Cruz, Duarte, «Introdução à História do Teatro Português», Guimarães Editores, Lx., 1983, in Prefácio pp.10.
(11) Lorca, Frederico Garcia, «Charlas sobre o teatro», pp.13, in Prefácio de «D. Rosinha a Solteira».

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