quinta-feira, 3 de maio de 2012

Ancestrais - O Berço Africano

Cada aspecto da vida quotidiana permitia uma forma de aprendizado. A formação da juventude seguia um programa preciso que velava pela aquisição de virtudes morais, das habilidades manuais, técnicas e guerreiras, actividades artesanais, comerciais ou místicas." Aprendiam o respeito à família e às autoridades. Ouviam contos, mitos e lendas com a intenção de perpetuar a memória colectiva e étnica. Possuíram técnicas no domínio da metalurgia do ferro, do cobre e do ouro. E na farmacologia misturavam plantas da floresta com outra cultivada, para um receituário que tentava "equilibrar influências negativas e positivas."
Os africanos que não estavam ligados ao Islão não tinham escrituras, por isso eram as tradições orais que regiam as suas vidas. A religião fazia parte do quotidiano, "sobretudo quando se tratava de aliviar sofrimentos e de assegurar paz, prosperidade e fecundidade." Quando não funcionavam as suas técnicas e tradições, era muito perigoso, pois "o rei Ndongo, actual Angola, mandou executar onze fazedores de chuva durante uma terrível seca em 1575. (...) As religiões estavam, pois sujeitas a transformações, constituindo-se num dos aspectos mais plurais da cultura. Muitos observadores cristãos e muçulmanos impressionaram-se com esse carácter diverso e fragmentado, reforçado pela ausência de textos escritos. (...) No século XV, por exemplo, o povo Congo parece ter partilhado a noção de que um 'espírito criador' estaria acima dos demais, e que as forças da natureza e dos ancestrais eram muito activas. Estatuetas eram o suporte material dos avós mortos e, por extensão, figuras por meio das quais se recuperava os espíritos do além. (...) Onde havia sistemas patriarcais a dominar as sociedades, prosperava o culto dos ancestrais. De toda a forma, como resumiu o escritor Mia Couto, «em África, os mortos não morrem nunca. Excepto os que morrem mal...Afinal a morte é um outro renascimento.»"
As sociedades africanas ocidentais não seriam, até ao século XV, muito diferentes de algumas europeias, uma vez que umas, como outras, tinham uma população essencialmente rural que dependia do trabalho familiar para sobreviver. Viviam o seu quotidiano sem imaginar o êxodo dramático que iriam sofrer milhões de africanos, com o estabelecimento das rotas do comércio de escravos.
Ao descobrimento de novas terras, ao traçar de novos rumos através do mar desconhecido, depressa se aliaram os mais diversos comércios. Primeiro o ouro, depois as especiarias, as sedas, as porcelanas, o fabrico do açúcar e de tantos outros produtos desconhecidos na Europa. Esses produtos, essas novas terras descobertas, exigiam mão-de-obra que permitisse o seu povoamento e enriquecimento. Ela estava em  África ao preço de quase nada. O Novo Mundo "custou" um gigantesco mar de gente capturada, comprada, vendida, transportada em tumbeiros, desumanizada, espoliada, sem que nada nem ninguém se opusesse a essa tortura de séculos.
«Algo entre quinhentos e setecentos mil cativos alimentavam, anualmente, rotas tradicionais da África do Norte e da África Oriental. Quem eram esses povos devorados pela engrenagem do esclavagismo moderno?..."africanos" eles não eram... À custa de muitas pesquisas, historiadores identificaram as designações dos povos existentes. John Thornton, por exemplo, reconhece, em relação à África Atlântica, a existência de 152 unidades políticas independentes. Cada uma delas dava origem a uma designação étnica diferente. Tratava-se de povos que não se nomeavam como "africanos," mas sim de Jalofos, Fulas, Falupos, Limbas, Malis, Acanes, Savés, Kanos, Lubas, Bijagós, Iorubás, Itsequiris, Ibibios, Manhis, e dezenas de outros termos...»
A divisão fragmentada do poder político explica, em parte, segundo os autores, o sucesso dos europeus na África Atlântica. Com muita frequência os escravos eram prisioneiros de guerra entre estados rivais. Eles, é inegável, já existiam antes da chegada dos europeus. No entanto, também havia na África Atlântica, conforme os locais, uma escravatura tida por doméstica, de "linhagem ou parentesco," que só se tornou comercial depois da chagada dos colonos europeus. 
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(continua)

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