sexta-feira, 4 de maio de 2012

Ancestrais - O Berço Africano

No entanto, também havia na África Atlântica, conforme os locais, uma escravatura tida por doméstica, de "linhagem ou parentesco," que só se tornou comercial depois da chegada dos colonos europeus. As próprias sociedades africanas tiveram uma assumida cumplicidade na eficácia do tráfico e, provavelmente, a existência da escravidão na África Atlântica pré-colonial, facilitou o rápido abastecimento dos navios negreiros. Os europeus não inventaram a escravidão, tornaram-na sim, uma instituição comercial. As doenças, como o banzo, as revoltas e assassinatos de brancos, a resistência por parte dos cativos, que jamais aceitou essa condição, o medo e a morte passaram a conviver quotidianamente com traficantes e traficados.
Hoje, debate-se se o tráfico foi motivo para o atraso do continente africano. Especialistas como Paul Lovejoy ou Richard Eltis discutem se essas causas poderão ter levado a África a não progredir, ou se a venda de escravos pouco interferiu na sua realidade económica. Segundo os autores, "nem todas as regiões da África sofreram o mesmo mal...a África Atlântica dizia respeito a um território específico. O tráfico marcou manifestamente as sociedades do litoral, que dele tiravam a sua subsistência."
Falar dos ancestrais que indelevelmente foram marcados por este tráfico, mostrar o contributo cultural e civilizacional que eles deram à colonização do Brasil, é a marca deste trabalho. Léo Frobenius exclamava entusiasmado quando estudava o Reino do Congo: «civilizados até ao tutano dos ossos!» O facto é que os portugueses quando ali chegaram encontraram uma sociedade organizada à maneira africana, com uma hierarquia própria de um estado. As fronteiras não eram definidas por limites físicos, "mas por todo um conjunto de influências exercidas por famílias e clãs. O reino era, desta perspectiva, uma manta de retalhos, os sobados, constituídos por pequenos chefes chamados pelos europeus sobas. (...)
O planalto que se estendia para além da serra Muzumba era constituído por um verdejante arvoredo e pequenos vales húmidos. Aí, segundo Joseph Miller, a população dedicava-se à agricultura, produzindo variedades de painço e sorgo. Tirava-se o máximo proveito das épocas de chuva a fim de produzir o máximo de alimentos para os meses secos do ano, que iam de Maio a Setembro. Completava-se a dieta básica com vegetais e frutos silvestres... a estes acrescentava-se a caça" A arte de caçar era ensinada aos jovens, que tinham autênticos ritos de iniciação e que obedecia a uma certa magia. Aprendiam "a reproduzir o barulho dos animais e a reconhecê-los, apesar da extrema variedade de aves e roedores. O tempo de aprendizagem durava dois anos e a actividade era cercada de interditos." Não podiam apontar com o dedo para a caça, mas sim com a flecha e tinham que ter utensílios especiais para a guardar. Abstinham-se de se unir às mulheres no dia em que antecedia a partida para uma caçada. Formavam associações de caçadores experimentados que eram os verdadeiros mestres e criavam-se laços pessoais e até políticos.
A pesca era uma ocupação permanente nos meses mais secos e à economia familiar juntava-se a criação de galinhas e cabritos. O gado bovino era criado nas partes mais altas para evitar a mosca tsé-tsé. Todas estas ocupações eram muito antigas pois, segundo o historiador Jan Vansina, por volta de 400 a.C. instalaram-se agricultores, que falavam um tipo quicongo, "ao sul do baixo rio Zaire, onde cultivavam inhame, legumes e dendém. Do século II ao século V este povoamento teria sido reforçado por grupos vindos do leste, que falavam outras línguas bantas." Cultivavam e armazenavam cereais e criavam gado onde fosse possível. A cultura da banana terá sido introduzida ao longo do século VI, o que veio melhorar e aumentar a dieta destes povos. Progrediram em organização sócio-política e os sucessivos chefes espalharam-se desde o litoral até às nascentes do rio Malebo.
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(continua)

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