Carta 8
A' Excellentissima Senhora Condeça de Roccaberti, com a Historia de Zoroastro.
(...)
"Suponho que viajando Cyro Rey de Persia, em companhia da Princesa Cassandane sua esposa, chegarão á Escola dos Magos em que presidia Zoroastro. (...)
Zoroastro os diverte informando-os da vida, dos costumes, e da virtude dos Magos. No tempo em que discorre volta muitas veses os olhos sobre a estatua, e não póde disfarçar sem grande dificuldade as suas lagrimas. Observa Cyro, e Cassandane, pergunta-lhe a Princesa a sua origem, e responde Zoroastro com estes termos. Esta he, diz elle, a estatua de Selima, que me amou com tanto affecto como vós amaes o vosso esposo. Este he o lugar onde me tenho costumado a passar os momentos mais doces, e os amargos. Apesar da Sabedoria que me sugeita á vontade dos Deoses, apesar dos encantos que a Philosophia me faz gostar (...) a lembrança de Selima me obriga quasi sempre a suspiros, e a lagrimas."
Começa o filósofo a contar-lhes a história do seu amor por Selima que era Vestal Indiana, sacerdotisa do Fogo. Para conseguir ficar junto dela e entrar no Templo, disfarça-se de mulher e torna-se sua amiga. Até que um dia foram à montanha e Selima foi raptada, juntamente com seu pai, por homens armados. Ele foge atrás deles mas perde-lhes o rasto. Não volta ao templo nem ao seu reino, e procura-a sem desânimo. Vai encontrá-la como rainha dos povos da Lycia e põe-se ao seu serviço. Luta com os exércitos contra os inimigos de Selima e vence batalhas. O amor, impossível entre ambos, devido à sua condição de estrangeiro, acaba por ultrapassar todas as dificuldades e finalmente casam. Selima morre pouco depois. Após o que ele se sente iluminado pela sabedoria e conclui que:
"A virtude he muitas veses desgraçada, e isso he o que offende os homens cegos, os quais ignorão que os males passageyros desta vida são destinados pelos Deoses, para purgar as culpas secretas daquelles que parecem os mais virtuosos. Semelhantes reflexões me determinárão a consagrar o resto dos meus dias ao estudo da sabedoria."
(Volta novamente para a Índia e vive entre os Braemenes, mas o seu irmão, que pensa que ele lhe vai tirar o trono, expulsa-o.)
"Este desterro foi para mim huma nova origem de fortuna. De nós mesmos he que depende fasermos uteis as nossas desgraças. Comecey a visitar os Sabios da Asia, pratiquey os Philosophos de diferentes Paises, aprendi as suas leys, e a sua Religião. Achey com gosto, e satisfação inexplicavel que os homens de todos os seculos, e de todos os Paises julgavam quasi o mesmo sobre a Divindade, e sobre a Moral.
Esta he Excellentissima senhora, a historia de Zoroastro. Sey que he verdadeyra invenção (...) Permita V. E. que eu invente modos de honrar." ...
Vienna de Austria, 26 de Fevereyro de 1737
(Carta XIII, Tomo II, pp. 62/3, 78/9, 80)
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Esta Carta é um conto de encantamento, no qual ressoa, talvez, a vida do próprio autor. A impossibilidade de um puro Amor que não esteja ligado à tragédia, à morte; a inveja humana que perpassa na atitude do irmão que não protege outro irmão e o expulsa da sua terra. A constatação de que a virtude é muitas vezes desgraçada. Estas reflexões filosóficas levam Zoroastro a dedicar o resto da sua vida ao estudo da sabedoria. A fazer do desterro fonte de temperança de sorte e alegria e a descobrir que os homens de todos os séculos pensaram quase o mesmo sobre o divino e a moral. (Ideias que Voltaire também defendeu) Por fim, o autor pede ao destinatário que lhe permita modos de honrar-se ao inventar este conto. A literatura como honra e dignidade para o escritor.
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