segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Cartas Familiares de Cavaleiro de Oliveira

"Swift, talvez quisesse fazer a mesma distinção, no seu exemplo da aranha e da abelha. A abelha de Swift, em The Battle of the Books, diferente da abelha de Bacon no Novum Organum, representava os antigos, que se distinguiam na inspiração poética e na linguagem, as asas e a "voz" da abelha. A sua opositora, a aranha, por outro lado, é um construtor que mostra grande habilidade na ciência e na matemática. A abelha queixa-se de que a aranha não constrói com os materiais adequados." (pp.155) Encontramos na Dedicatória de Cavaleiro de Oliveira ao I Tomo das Cartas, o seguinte: «Jamais a teia de uma aranha por ser trabalho próprio, merecerá aos prudentes o aplauso que dão ao Favo de uma abelha, sendo obra fabricada das lágrimas que rio Aurora, e que recolherão as flores. Amparados do patrocínio de V. Ex. poderão os meus voos, ainda mais rasteiros que os das abelhas, produzir alguma novidade útil, ou alguma novidade engraçada.»
Está traçada, nesta Dedicatória, de certa maneira, a opinião filosófica de Oliveira. Esta metáfora da abelha e da aranha que, possivelmente, leu em Swift, mostra-nos a defesa dos antigos. Era um céptico. Os modernos teriam que ser "prudentes" nos "aplausos" à teia da aranha se comparados com o trabalho do favo da abelha. Ele voa mais "rasteiro" que as abelhas (antigos), mas voa. Não se sente ainda aranha (moderno). Mesmo que apele à razão, a Razão de Deus, será sempre mais forte. Era moralista e Cristão.
Os filósofos modernos procuravam um movimento genuíno em direcção a algo melhor ou diferente, e talvez único na história. No entanto, Racine imitou os antigos no teatro. La Bruyere diz que na arte existe um ponto de perfeição, tal como existe na natureza; um ponto de excelência ou de maturidade. Boileau aconselhava: "amai a Razão, deixem que as vossas obras escritas sejam impregnadas pelo seu brilho e valor."
Estava a nascer uma nova Ideia de história, a surgir uma nova visão que dava uma nova luz ao que os homens eram capazes de conseguir na terra, com ou sem a ajuda de Deus.
Leibniz acreditava no progresso das "almas racionais" em direcção a "um mundo moral digno, dentro de um mundo natural." Um mundo sempre em perpétuo movimento. A ideia do devir, já audível no pensamento do século XVII, tornou-se cada vez mais forte no século XVIII. Ernst Troeltsch e outros, afirmaram mais tarde, que o Iluminismo representou o maior impulso do pensamento deste século. Foi o virar da esquina de Idade Média para a Idade Moderna da Europa com um pensamento naturalístico - científico individualista, contra o pensamento sobrenatural - mítico - autoritário do passado. Kant, afirmou o iluminismo, e o mesmo fizeram os philosophes franceses, mas também lhe chamou "uma época crítica, contra o dogma e a autoridade." Para Diderot o século XVIII era uma "época filosófica" onde os homens encontravam as suas leis racionais, mesmo na ética, dentro da natureza e não nos livros do passado. Na Encyclopédie, D'Alambert colocou a natureza antes do homem, no seu sistema, rompendo com Bacon. A ciência da natureza era grande no século XVIII, mas não absorvia a filosofia moral e política.
Nas vésperas da Revolução Industrial, seguindo Bacon; Diderot imaginava uma sociedade em que as artes mecânicas, aliadas às ciências, dariam poder sobre a natureza, para benefício do homem. "Ensinemo-los a pensar melhor de si próprios," dizia a propósito dos artesãos. D'Alembert escrevia:
«A sociedade não deve depreciar as mãos que a servem.» Os Editores da Encyclopédie, punham o homem no centro do seu universo - "o homem é o único ponto de começo, e fim para o qual tudo tem que reverter." Supondo que o homem era banido da face da terra, não haveria ninguém para contemplar a natureza, e a escuridão e o silêncio voltariam a imperar. É unicamente a presença do homem que torna significativa a existência dos outros seres," escrevia Diderot. O homem não era nesta nova antropologia, um modelo da perfeição, mas o seu destino histórico, a sua natureza, a política, eram agora o centro do interesse intelectual.
Voltaire, no seu. Essai sur les moeurs, dizia que a natureza foi sempre a mesma, em toda a parte; o homem, de um modo geral, foi sempre o que é. Pensava o mesmo quanto à ética e à estética e também quanto à natureza física, era Newtoniano. Preferia Locke a Descartes, e acreditava numa forma e num gosto artístico "eterno" e perfeito.
David Hume rejeitou todas as ideias de gosto eternas e imutáveis "fixas pelos raciocínios à priori".
Alexander Pope escreve uns versos (1730) que se tornam proféticos «Conhece-te a ti próprio, não te atrevas a olhar Deus de perto: / O verdadeiro estudo da Humanidade é o Homem." De facto a questão do homem tornou-se "própria" do pensamento do século XVIII." Não só os humanistas mas também os filósofos da França e da Alemanha colocaram a antropologia no centro do seu interesse. O estudo do Homem destituiu a filosofia naturalista do século XVII. Rosseau viu oculta no "homem natural" a semente do amor próprio. Em 1755, escreveu ele: por causa do orgulho, pela insaciável ambição e do desejo de prestígio e promoção, fazemos «muitas coisas más e muito poucas boas.» Poderia, talvez, ter sido Oliveira a escrevê-las. Ele foi também um homem das "Luzes."
Termino com este texto adaptado, "passim", de Franklin L. Baumer, para dar uma panorâmica do Pensamento Europeu Moderno - em que Cavaleiro de Oliveira viveu - e com Norman Hampson que diz: "... Les paroles de Locke, reflétant une nouvelle confiance dans l'homme et dans l'avenir les stimulèrent dans le poursuite du Graal moderne". Terá procurado Oliveira o seu Graal Moderno?
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(continua)

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