segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Cartas Familiares de Cavaleiro de Oliveira

Carta 4

A Mademoiselle de M. sobre o poder do Ouro, com a explicação da Fabula de Jupiter, e Danae
(...)
"Disse hontem que o Grande Jupiter, pay dos Deoses, e dos homens, na achára encantos mais poderosos, nem feitiços mais singulares que o de transformar-se em chuva de Ouro, para poder conseguir o amor da bella Danae. (...)
Tudo o que ouvistes he ficção. (...) Ovidio e outros Poetas do seu tempo se derão ao officio de fabrica-las. Seguirão-se muitos que os imitarão (...) Porem depois da morte de Esopo, que foi admiravel nesta materia, se perdeo a raça verdadeyra dos homens fingidores. (...) Vive ainda hum verdadeyro fingidor, cujas obras judiciosas serião justamente imuladas do mesmo Ovidio. Fallo do illustre Fontaine, de que não há por ora outro exemplo."
Conta em seguida a história de Dánae que não correspondia ao amor de Júpiter devido a ser muito virtuosa; "alem disso estava sem liberdade, encerrada por ordem de Acrisio e guardada pelos seus criados." Jupiter terá feito chover moedas de ouro pelos criados de Dánae e estes facilitaram a sua posse.
"O ouro tem provado (...) a sua força. (...) Lá em tempos passados, se abrirão as portas do Inferno a hum ramo de ouro, que abrandou as feras, e diabollicas Divindades daquella horrenda habitação. (...)
Hum pomo de ouro poz toda a Corte Celeste em rumor, fazendo de tres Deosas que vivião, antecedentemente, em boa intelligencia, tres inimigas irreconciliaveis. Outro pomo de ouro occasionou a fatalidade de se render Athante a Hipomene. (...)
Quantos assim que virão o Bezerrinho de ouro o adorárão? De todo o Povo de Israel somente a Moisés e Josué exceptua o Texto Sagrado. Quando se erigio em Babilonnia a Statua de ouro do soberbo Nabuco, só tres ou quatro pessoas, diz Daniel, ficarão em pé, sendo certo que a multidão se postrou. (...)
Os sábios o desprezarão, e Cicero o fazia quando considerava que Mercadores, e outras gentes de nada, erão mais ricos que os Scipioens e que os Delios. Por essa Razão querendo Cayo Cesar tentar, ou premiar ao seu modo a Philosophia de Demetrio, lhe ofereceo duzentos Talentos de regalo, porem rindo-se o Estoico do seu nescio pensamento o desprezou. (...)
O poder do ouro vence tudo, porem não vence a todos. Não he necessario ser sabio, basta que seja o homem honrado para resestir-lhe."

Vienna de Austria, 10 de Março de 1736

(Carta XI, Tomo I, pp. 163/4/5/6/7/8) 
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Com o exemplo da Fábula de Júpiter e de Danae o autor reforça a sua ideia como o poder do ouro abre todas as portas, até as do inferno. Narra várias histórias de deuses pagãos aliadas a outras bíblicas e à história de Roma. Os sábios, a exemplo de Cícero, desprezaram-no, e quando Caio César quis premiar o filósofo Demétrio, este estóico recusou, e riu-se do seu "nescio" pensamento. Elogia os escritores de Fábulas e menciona Fontaine como seu contemporâneo, "um verdadeiro fingidor." Conclui que se o ouro vence tudo não vence a todos. para lhe resistir basta que se seja honesto, não é necessário ser-se sábio.

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