sexta-feira, 3 de maio de 2013

«O Tempo, protagonista da Poesia Barroca»

(Continuação)

                       123.

Mas vós Ceo, cujas luzes veste o dia,
Vós, mar, cujos crystaes encrespa o vento,
Sede, pois que de vós meu bem se fia,
Testemunhas aqui de meu tormento:
Ouvi deste suspiros a porfia,
Notay destes desdéns o sofrimento,
Mas como vos mostrais, tendo esse ingrato
Sua bellesa no Ceo, no mar seu trato?

                        125.

Ceos estrellas, penhascos, ondas, ventos,
Que retratais meu bem, q ouvis meu dano,
Doey-vos do rigor de meus tormentos,
Se quer co a imagem só de hu doce engano;
Para penar day vida a meos alentos,
Imitareis ao vivo este tyrano,
Que, pois seu gosto minha morte ordena,
Em mim que menos morre, he que(m) mais pena.

                          128.

Eu morro, ingrato meu, eu morro ausente,
(Dis Lydia) & jà turbado o brando alento,
Entre suspiros tristes docemente
Rompe o Ceo, move o ar, abranda o vento,
Morro, (torna a dizer) morro contente,
Porque me mata este rigor violento,
De que vàs (mas aqui jà sem sentido,
Indo a dizer armado) disse Armido.

                        131.

Tal Lydia desmayada, tal sem vida,
A's leis de seu tormento não resiste,
Nella vendo a tristesa taõ valida,
Deseja a formosura de ser triste:
A morte està turbada, està corrida
De ver quam bella, quam fermosa assise
Quando a seu rosto a dous trofeos ufana
Mata por bella, mata por tyranna.

                       133.

Que pena se atreveu ao Ceo brilhante
Deste rosto gentil, donde a ventura,
Dando as mãos ao discreto, & ao galante,
Pazes fez entre a sorte, & fermosura?
Quem desmayou o Sol, quem desse Atlante
Rendeu a neve, reclinou a alvura?
Oh Tyranna pensão de hum pensamento,
Porque se chama amor o que he tormento!

                        134.

Amava Lydia, por isto se aventura,
Rompendo os previlegios de bellesa,
Porque a dor, que no aggravo está segura,
Menos deve ao descuydo, que à firmesa,
Sobeja em Lydia o amor, falta a ventura,
Nella a morte he rigor, mas he finesa,
Pois morre só por fé de achar rendida
Para mais largo amor mais larga vida.

                       135.

Fermosura gentil, que tanto amaste,
Que por amar sem vida a deste,
E tanto por teu bem te desvelaste,
Que perdido teu bem, tu te perdeste:
Este amor, a quem firme obedeceste,
No templo te eterniza da sua fama,
Onde sempre bem vive, quem bem ama.
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Temos uma  narrativa com duas personagens em diálogo e um narrador que conta e intervém na acção.
O tempo, surge neste longo  poema como destruidor da esperança, da felicidade e do amor. A separação dos amantes, a saudade, é portadora de um tempo de destruição e de morte. Engano e desengano, ilusão e desilusão.
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(continua) pp.30/31

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