quarta-feira, 22 de maio de 2013

«O Tempo, protagonista da Poesia Barroca»

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Sabey, Idolo de neve,
Que o Menino Deos arqueyro,
He por setas muy ligeyro,
E por azas muyto leve:
Amay pois em tempo breve,
Deyxay taõ cançado modo,
Porque amor, que he preça todo,
Dos vagares naõ se enoje;
Vida fallayme hoje,
Que a manhã vem longe.

                 4

A flor, que entre espinhos mora,
Que quando as aves daõ salva,
Recolhe perolas da Alva
Entre nacares de Flora:
Quando a Abelhinha a namora
Logo defere a Abelhinha,
Nunca pois a flor Rainha
Ser taõ dura se lhe antoje;
Vida fallayme hoje,
Que a manhã vem longe.

                 5

O Sol, que, qual gyrasol,
A vossas luzes se entrega,
Tão veloz corre, que chega
De hum mundo a outro com Sol:
Imitay pois seu farol,
Para que naõ se repare,
Em que hum Sol na terra pare,
E no Ceo hum Sol se arroje.
Vida fallayme hoje,
Que a manhã vem longe.
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Nesta glosa de Jerónimo Baía vemos representado o "cerpe diem" de Horácio. A urgência de se viver o Amor, "...hoje,/ que a manhã vem longe". "... a quem foge o pensamento,/ Também o tempo lhe foge" - metáfora hiperbólica do fluir do tempo, que o pensamento transforma.
"Ah deixai tanta tardança, (...) minha afeição não se cança,/ Mas temo que a vida falte" - personificação da "afeição" e da própria vida: "Vida falai-me hoje..."
"Sabei, Ídolo de neve" - metáfora da brancura da sua amada, e da sua frieza. "Que o Menino Deus arqueiro" - metáfora de Cupido, filho de Vénus, que apesar da sua cegueira, é "ligeiro" a atirar as setas e a "voar" com as suas asas. "A flor, que entre espinhos mora," - personificação; analogia com a jovem. "Recolhe pérolas de Alva"- metáfora das gotas de orvalho da manhã, ou das lágrimas de Aurora.
"O Sol, que, qual girassol" - Comparação com a flor. "Tão veloz corre, que chega/ De um mundo a outro com Sol" - personificação do Sol, e, metáfora hiperbolizada do giro do sol, de Oriente ao Ocidente.
"Imitai pois seu farol" - metáfora da luz do sol. "Em que um Sol na terra pare" - personificação do sol e metáfora da vida que pode parar, na sua morte. 
"E no Céu um Sol se arroje." -metáfora da morte da amada que, qual anjo, pode ir, como um Sol, para o Céu, sem ter vivido a vida.
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(continua) pp.39/40 

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