Após a Restauração, o país vive envolto, durante mais de duas décadas, em guerras com Espanha e com dificuldades económicas. Essa vivência é transportada para a poesia. O homem, o militar, parte para a contenda e deixa a sua amada. É ponto de honra que assim seja. A jovem morre na sua ausência. Chora-se um amor que não se concretizou. Há a dor da ausência, do amor que não pôde ser correspondido, da saudade de um bem passado. A mulher adquire tonalidades de retrato petrarquista, virginal, ou o inverso, uma imagem de amor sensual, Vénus, descrita por uma linguagem realista ou hiperbólica, que nos dá a ideia de uma mulher muito mais moderna.
Tudo surge como transitório, como ilusão, aparência que se esvai como o fumo. O sonho e a realidade confundem-se num tempo de impossibilidades. A vida é sonho, de Calderón de la Barca torna visível essa situação. Heraclito mostra essa evidência na metáfora do rio. A vida é um rio que corre e jamais nos poderemos banhar duas vezes na mesma água desse rio, cristalino, espelho virtual, enganador. O "Carpe diem" horaciano torna-se arquétipo. O tempo não volta para trás. Os relógios constituem motivo poético, "Jean Rousset fala mesmo da possibilidade de se organizar um museu do tempo a partir dos instrumentos para a sua medição referidos pela poesia barroca."
A poesia está delimitada pelo tempo, como a pintura está pela tela. O tempo é a categoria que nos propomos ilustrar com poemas de diversos poetas, analisando as figuras que mais a ornamentam. A língua é ela própria fragmentada, por isso nos apercebemos do tempo como fio de filigrana que tece a vida e a quebra a qualquer momento. Um tempo que só nos é dado pela escrita do tempo barroco. Um tempo de religiosidade, que "a connu plusieurs morales différentes", mas que não deixou de utilizar a linguagem poética para louvar a Deus, para lhe manifestar o seu amor e pedir misericórdia, quer fosse Ele Católico, Luterano, Calvinista, Anglicano, "Ortodoxo" ou "Jansenista", Hebraico ou Maometano.
«A natureza dos temas não obsta ao seu tratamento pelas tendências mais marcantes da retórica do tempo. (...) A exibição do trabalho retórico domina muitos destes poemas, sobrepondo-se à expressão da emoção religiosa. É no plano das formas de expressão (busca de novas metáforas ou de hipérboles mais ousadas) que a originalidade da poesia barroca procura afirmar-se. Formas estilísticas que são criação de Gongora e de outros poetas anteriores constituem um quadro formal que insistentemente se repete.» (14)
Ao terminar esta introdução ao estudo da linguagem da poesia barroca, transcrevo um excerto de um estudo de Daniel Delas e Jacques Fillolet, sobre a linguística e a poética. E porquê? Porque encontrei uma Arte Poética do período barroco que reflecte sobre esta arte e verifiquei que nela está presente Aristóteles, Horácio, e Quintiliano, mas também está uma maneira original e moderna de dizer como deve ser a arte de bem trabalhar a palavra, no "metier" da Poesia. Vejamos parte do que nos dizem estes autores contemporâneos, e o poeta seiscentista, Francisco de Pina, de Sá, e de Mello.
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(Continua) p. 5
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